A meio da semana tinha um folheto na caixa do correio, com os eventos culturais cá da terra. Subitamente - o quê? Um torneio de ténis-de-mesa e eu nem sequer soube? Cheguei ao trabalho e a primeira coisa que fiz - primeiro estão as coisas verdadeiramente importantes! - toca a informar-me sobre o torneio e se poderia ainda inscrever-me. Sim, ainda me poderia inscrever!
Na sexta-feira, piquei o ponto para sair e, em vez de vir embora, não, fui para a cave, sozinho, praticar serviços! Sim, poderia-me dar para pior! Mas há que treinar. Sim, eu sou um bocadito para o obsessivo. E na verdade de repente pus-me a pensar como parecia aqueles alunos a querer aprender toda a matéria dois dias antes do exame.
E chegou hoje o dia. Tinha-me inscrito num torneio a realizar-se na freguesia vizinha e iria lá chegar sem conhecer ninguém, o que também teria as suas coisas positivas, entre as quais, ninguém me conhecer a mim, e mais importante, a minha maneira de jogar.
Bom, mas antes de mais as coisas verdadeiramente importantes! A roupa! Eu não pertencia a nenhum clube, ia como individual, mas tinha de escolher a roupa! Escolher de entre os vários calções e as inúmeras T-shirts! Mais importante ainda, pensei, que calçado? Uma pessoa tem que se sentir confortável a jogar! Liberdade de movimentos e conforto são essenciais!
Levantei cedo, preparei as coisas, levava a minha menina no saco e lá fui eu. O dia apesar de um pouco cinzento até estava bonito. No carro procurava um música que me deixasse mais tranquilo. Nao encontrei, mas lá fui, sempre bem disposto. Quando lá cheguei, dez minutos antes de supostamente as eliminatórias começarem,, ainda andavam a preparar as coisas: colocar as redes nas mesas, ver a melhor disposição da mesa, colocar a mesa dos árbitros. Apresentei-me e rapidamente travei conhecimento com algumas pessoas.
O sorteio tinha sido efetuado ontem. Como não conhecia ninguém, tanto se me dava se ia jogar com o Manuel ou o Joaquim. Lá logo via quem me havia calhado em sorte, e se encontrasse alguém forte no primeiro jogo, já sabia que corria o risco de ser logo despachado!
Sou muito ansioso e nervoso, sempre fui, desde criança. E hoje, tal como em criança quando tinha de ir as primeiras vezes para a escola, senti-me logo a tremer quando chamaram o meu nome para a segunda partida das eliminatórias. Mais nervoso fiquei quando, às primeiras trocas de bolas, as deixava todas na rede. Não parecia eu... Este primeiro adversário era alto, elegante, corpo cuidado. Aos poucos, depois do jogo começar, lá fui ganhando confiança, e rapidamente vendi a primeira partida sem grande dificuldade por 3-0 e passei à fase seguinte.
Fui vendo os jogos entre todos os participantes e fui percebendo quem é que me poderia colocar mais dificuldades. O miúdo (sim, eu sei que estou velho) com a t-shirt do curso de engenharia, o senhor de t-shirt do clube, amarela, que cortava muito bem as bolas, e a primeira pessoa que conheci, do clube organizador, que também me pareceu um bom jogador. Havia-me contado que, como não tinha com quem jogar, ofereceu a mesa ao clube (que nos dias de hoje o seu forte é a orientação) e assim as pessoas jogar lá no clube.
Havia jogadores de quase três geração. Mais ou menos novos, eu, e ainda gente mais velha que do eu. Não sabendo como estava o emparelhamento das eliminatórias, percebi depois que me havia calhado o miúdo de engenharia, de barba de um centímetro. O meu nervosismo estava de tal ordem, que comecei a falhar os serviços quase todos, uns atrás dos outros, e só sei que, antes de perder o primerio Set, pensei mesmo que ia ser despachado na segunda ronda. Tentei focar-me ao máximo, e no mínimo teria de vender cara a derrota. Eu sabia que era melhor jogador, mas é preciso prová-lo em jogo e simplesmente os nervos não me deixavam jogar o que sei. Aos poucos, com calma, fui dominando desde o início o segundo Set e acabei por o vencer com alguma margem. Estava 1-1, íamos disputar o último Set para ver quem seguia em frente. Com calma e agora a vencer quase sempre os meus serviços, acabei por dar a volta ao marcador e vencer por 2-1. E dos dez Set's que fiz até chegar à final, este seria o único que haveria de ter perdido.
A meia-final era com a pessoa da organização que ofereceu a mesa ao clube, porque (tal como aconteceu comigo) não tinha com quem jogar. Desde logo achei que aquela seria a final antecipada. Achei que tanto ele como eu éramos melhores jogadores que os outros dois da outra meia-final. Fui sempre liderando o marcador, mas o rapaz da mesa por vezes desconcentrava-se e em vez de assinalar ponto para o jogador correto, virava o marcador do outro jogador, e a meio do primeiro Set, quando pensava ter dois ponto à maior por 6-4, vi no marcador 5-5. Fiquei um bocadinho chateado mas aquilo só serviu para me motivar, e achar que ia ganhar na mesma. E assim foi. Venci as duas partidas sem grande dificuldade e estava na final.
Tal como eu previa, o meu adversário cilindrou no jogo de atribuição de terceiro e quarto lugar. Pouco depois ouvia-se nos altifalantes. "Não percam já a seguir a final, entre..." Mas as centenas de pessoas que estavam, depois de meio-dia, a encher o bandulho nas tasquinhas, deixaram-se estar. Na final estava o senhor de amarelo, e se sapatilhas com riscas amarelas. Bons serviços que o adversário raramente conseguia devolver provocavam estragos, e sem grade dificuldade vencia a final por 2-0.
Tudo aquilo tinha-me deixado com muita fome! Eu não deixo estas coisas ao acaso! Na mochila, além da raquete, tinha uma garrafa de água, e algo para comer. A água fui sempre bebendo entre os jogos, apesar de nem ter transpirado muito. Era agora preciso esperar pela entrega dos prémios, pelo pódio e pelas fotografias, e que chegassem as pessoas da Junta (claro que os políticos não faltam nestas ocasiões).
Foi um dia diferente em que saí da caverna para jogar e socializar um pouco. Irei-me fazer sócio do clube organizador, e aparecer por lá para dar umas raquetadas bem dadas!
Não deixa de ser interessante que nada disto teria acontecido se eu não tivesse ido trabalhar para onde fui, e um certo jantar da empresa, me tivessem oferecido umas raquetes de ping pong:
... e aos poucos a minha nova menina vai somando vitórias:
.... quase como se, vitória atrás de vitória, a nossa raquete, adquirisse os poderes do adversário que acabamos de derrotar!