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quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Alter Ego


No velório, uma prima perguntou:
- Não vais pôr no Facebook que a tua mãe morreu?

Hoje, a mesma pergunta:
"Tu colocaste nas redes sociais que a tua mão morreu?"
Não, até porque eu não tenho redes sociais. 
Quem tem redes sociais é o Königvs.  

sábado, 31 de dezembro de 2022

Não lhe Dava Mais de 36

 A minha mãe pergunta-me que idade tinha a cantora (Cláudia Isabel) que morreu há dias de acidente de viação. Googlei mas o mais engraçado é que, os dois primeiros resultados, e estamos a falar de sites de jornais (Jornal de Notícias e Diário de Notícias), supostamente fontes de informação fidedigna, e surpreendentemente dão-me resultados bem diferentes:


Que 2023 nos continue a brindar com informação rigorosa!

Pista Sobre uma Morte Inesperada

 

fineartamerica.com

Foi no verão de 2018 que acordei morto num quarto de Hotel. E, não sei como é com o resto das outras pessoas e se têm a mesma sensação do que eu, mas na minha vida parece que tudo se repete e volta a repetir - e é curioso que ainda hoje fiquei a saber que aquela cantora Claudisabel, que recentemente morreu de acidente de viação, já tinha dito que havia tido um outro no passado, e que lhe deixou sequelas - e também eu, lá voltei a morrer da mesma forma absolutamente estúpida. 

Tinha acabado de chegar ao quarto com a cabeça aberta e toda ensanguentada. Trouxe gelo. Mas mais importante, ainda me lembrei de escrever um bilhete a explicar o sucedido: "bati na mala e abri a cabeça". 

Já sabia que havia a possibilidade de acordar morto e depois como é que ia ser? Iam dar comigo com a cabeça toda ensanguentada. Ia ter que vir a polícia judiciária e chatear os meus pais e os meus colegas do ténis-de-mesa iam ser suspeitos, afinal, tinham sido as últimas pessoas que me viram vivo. E quem é que iria ser suspeito de me ter dado uma bordoada na cabeça? E porque motivo? Nunca ninguém iria desvendar o mistério! Isto ia ser pior do que o filme da Madeline McCann! Assim o mistério estava já desfeito numa folha branca com letras maiúsculas. Uma pessoa assim morre descansada!

Já era quase meia noite quando me lembrei que no dia seguinte tinha combinado de ir entregar as rodas do meu Scarlet. E ainda por cima ia trabalhar no dia seguinte, o último dia de trabalho de 2022, depois de uns dias de férias meio compulsivas, porque, voluntariamente, nunca me lembraria de gastar os poucos dias de férias que temos, ali entre o Natal e o ano novo. E lá as fui buscar aquela hora para não o ter que fazer na manhã seguinte antes de ir para o trabalho.

O impacto foi tão violento que percebi de imediato que a situação era grave. Meti a mão na cabeça e esta veio pintada de vermelho. Tinha aberto a cabeça e feito um belo dum hematoma, Enfiei a cabeça debaixo da caleira, e ali fiquei, durante uns minutos, a lavar a cabeça com água da chuva a jorrar por cima da cabeça tentando estancar a hemorragia.

Fui para casa, não incomodei ninguém. Meti-me na cama e esperei pelo sono profundo.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Querido Blogue, desculpa...

Querido blogue, desculpa. 

Sei que tenho andado muito ausente e não te tenho dado a devida atenção. Provavelmente nestes quase oito anos nunca passei tanto tempo sem te escrever e certamente que não foi por falta de assuntos ou acontecimentos para relatar. Mas a verdade é que, se comecei muito bem o ano com 22 publicações no mês de Janeiro, estas caíram para 10 em Fevereiro e para 2 em Março, desde então tem sido um longo vazio de cinquenta dias. 

E, como já por aqui eu mesmo refletia em 2014: 

"Os blogues são como o sexo, quanto menos se escreve menos apetece escrever".

Pois então comecemos já a aquecer com os preliminares. A minha ausência pode ser explicada com um absurdo volume de trabalho nos meses de Março e Abril, que teve como resultado algum esgotamento físico e mental. E, tal como ler é exigente porque exige concentração, e é bem mais simples virar vegetal em frente da televisão ou estar na internet, escrever, mesmo que seja uma verborreia qualquer como a minha, é igual, pois exige concentração. Talvez por isso, e a frase não é minha, Trump, escrevia muito no Twitter mas nunca teve um blogue. 
 
Mas o cansaço e até algum esgotamento mental não explica tudo para esta ausência tão prolongada. A verdade é que as redes sociais, também me têm consumido bastante tempo, nomeadamente o Twitter. Por estes dias até me perguntava se, acaso tivesse eu descoberto o Twitter em 2009 quando apareceu por cá, (e a verdade é que, quem me rodeava na altura só me falava das maravilhas da nova rede social onde se podia plantar alfaces) se hoje teria algum blogue. Mas não sei, porque uma coisa não implica necessariamente a outra. 

Se a rede social é algo tribal, já o blogue é o diário em que refletimos e escrevemos para nós. Se é verdade que o blogue não nos dá o rebuçadinho imediato dos gostos e não nos alimenta tanto o ego, por outro lado também não temos que nos sujeitar à censura e ao ruído da tribo, ainda que isso também pouco me incomode. Cada vez mais um blogue é mesmo um diário guardado na internet que ninguém lê, e isso é ótimo na mesma, e isso até pode ter vantagens. 

Aproveitando que voltei aqui hoje a escrever, e para fazer um ponto de situação da minha vida pessoal, dizer que talvez esteja num ponto de viragem. Se calhar é como se a carta da Morte me tivesse saído no tarot, e isso significa, precisamente o "fim de uma fase", "estoicismo", "desapego", quem sabe, a multirresistência em face da adversidade. E que signifique também o regresso à blogosfera. E que a próxima publicação siga já dentro de momentos...

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

As Últimas Ameixas da Vida

Há coisa de um mês decidi-me a arrancar a enorme estrelícia que tinha em frente da casa. Não, não foi propriamente um "Querida Mudei o Jardim", foi mais um já-estava-farto-de-tanta-raiz-a-tomar-conta-do-relvado-e-farto-de-ter-que-a-cortar-e-podar-em-volta-que-vou-fazer-uma-limpeza-nisto-tudo. Já tinha até começado a cavar em volta (a tarefa não é propriamente fácil) até que os pais, como estão por casa, ofereceram-se para ir lá a casa arrancar aquilo.

No dia em causa que isso aconteceu, cheguei a casa e passado um bocado ouço o meu vizinho a chamar por mim. Este meu vizinho mora duas casas ao lado mas que inicialmente até viveu mesmo ao lado porque aquelas casas são todas da mesma família. Eu cresci ali, naquela rua, e desde pequeno que fui convivendo, ainda que à distância, com os vizinhos, e sempre me habituei a respeitar aquele senhor, que inicialmente usava um bigode e que para ali veio morar porque casou com a filha dos donos daqueles terrenos e que na altura conduzia um Opel Kadett preto de matrícula AU.

Ele chamou por mim e foi subindo o passeio com um saco plástico na mão. Disse-me que, como tinha visto os meus pais por ali, foi apanhar umas ameixas para lhes dar, mas que entretanto quando voltou já os meus pais tinham ido embora. Confiou-mas então a mim para as entregar aos meus pais.

Via Piterest
Não muitas semanas antes tinha-o apanhado a passar na rua e estivemos a conversar. Falamos de várias coisas. Disse-lhe que tenho sempre muito que fazer no jardim, falei-lhe do relvado e ele disse-me que não há nada como andarmos entretidos a jardinar a cuidar das nossas coisas. Quando falamos do relvado, contei-lhe até da minha pequena extravagância de ter comprado um escarificador e até o convidei a ir lá à garagem ver, e ele ficou admirado com a grande máquina que comprei. Grande e potente, "fizeste uma boa compra por esse preço", disse-me. Por momentos parecíamos dois homens a apreciar o novo bólide que um dos dois tinha comprado!

Foi há cerca de cinco anos que soube que ele estava doente e isso revoltou-me porque parece mesmo que "coisa ruim não tem desvio" e que só os bons é que se vão antes do tempo. Ele deixou de trabalhar e estava sempre por casa. Mas sempre o vi a trabalhar em casa, nas mais variadas tarefas como cuidar do jardim e do pequeno quintal por onde andam galinhas e patos por entre árvore de fruto, e sempre o vi bem disposto e alegre, ainda que muitas vezes, como é compreensível, se protegesse e recolhesse mais.

E se é verdade que eu sempre tive o hábito de me despedir das pessoas como se fosse a última vez que as vou ver - "tudo de bom!", até porque um dia isso irá mesmo acontecer, com ele, fazia mesmo sempre questão de, sempre que por ele passasse na rua, de carro, ou o via passar da minha casa, sempre fiz questão de lhe dar um aceno e um sorriso sincero. Em boa verdade, já fazia antes de saber que estava doente, mas agora fazia-o ainda com mais sentimento, como que a transmitir-se uma força subliminar, que estamos todos a torcer por ele.

Mas, inesperadamente, no penúltimo fim-de-semana, que ainda por cima fui passar fora, liga-me a minha mãe em choque. Ele tinha morrido e sido enterrado no dia anterior, sem que os meus pais, que moram a setecentos metros de distância, tivessem sabido e podido ir ao funeral, porque não tocou o sino da igreja, que na aldeia serve de alerta que alguém morre.

No telefonema a minha mãe dizia-me que já tinha chorado mais do que se fosse uma pessoa de família, porque, digo eu, não são os laços de sangue que obrigatoriamente nos fazem estar mais ou menos ligados a alguém, é o sentimento que temos por alguém que faz com que determinada pessoa seja importante para nós. E um vizinho, a quem quase só dizemos "olá", mas que temos em grande conta, pode-nos ser mais precioso que alguém da nossa família com quem não temos ligação e que só vemos, com sorte, de dez em dez anos em algum funeral.

A minha mãe viu naquele gesto generoso naquele saco de ameixas (que eram mesmo muito boas) oferecido semanas antes de partir, o simbolismo de se despedir de nós. Talvez tenha sido... não sei, só ele saberá. Mas o que sei é que aquela Rua das Flores ficará mais silenciosa, mais pobre e, senão todos, eu, pelo menos, lhe sentirei bastante a falta. Até sempre R...

domingo, 30 de setembro de 2018

Acordar Morto Num Quarto de Hotel

Que puta de morte mais estúpida, pensei. Como é que eu me fui matar assim? Isto até poderia aparecer naquele programa das mil diferentes maneiras de morrer, simplesmente duvido que eles fossem descobrir as verdadeiras circunstâncias da minha morte. Afinal, eu apareci ali, morto, sozinho num quarto de Hotel (que na verdade até era um prédio de Alojamento Local).

Quem havia de dizer. Foi mesmo caso para pensar "ninguém diga que está bem"! Um gajo trabalha uma vida toda para ter uma morte em condições, para depois morrer assim, da forma mais estúpida possível, num quarto em Lisboa na Praça da Figueira.

Deitei-me cedo e cedo terei aterrado pouco depois, afinal, passear também cansa. Antes de adormecer nem sequer ainda me tinha apercebido que o quarto tinha televisão. Só reparei nela depois, de manhã já depois de morto.

Acordei a meio da noite e, ao acordar, não sei como é que consegui aquele feito de bater com a cabeça na quina viva da mesinha de cabeceira que estava mesmo encostada à cama que era pequena. Passo a mão pela cabeça e sinto os dedos todos molhados. Acendo a luz do candeeiro e de imediato vejo os dedos marcados a vermelho no interruptor. Tinha as mãos cheias de sangue.

fineartamerica.com
Levanto-me, vou ao espelho, e vejo o sangue a escorrer todo pela cara abaixo. O meu sangue era bastante fluido e não era azul como o dos ricos, era mesmo de um vermelho bem vivo. Mais parecia que tinha entrado num filme de terror e ia sair daquele quarto para a morgue.

E é assim que um gajo morre, sozinho num quarto de um prédio de Alojamento Local a pensar como é que será quando de manhã, quando nos descobrirem ali morto, tudo nu, e cheio de sangue na cabeça e na cara e com vestígios de sémen nos lençóis.

Mas ainda não foi desta que o jogo acabou. Foi só apenas uma vida que se foi ao ar e agora tenho é de passar a ter mais cuidado com as que restam.

sábado, 22 de setembro de 2018

Tenho que Avisar no Blogue que vou Morrer logo ao fim do Dia

Tenho que avisar no blogue que vou morrer logo ao fim do dia. 
Acho que estou num hospital.... Não consigo perceber muito bem. Talvez seja uma cadeia, ou pelo menos estou preso de alguma forma. 
Sei que a decisão chegou e vou morrer logo ao fim do dia. 
Tento convencer-me que todos temos que morrer. 
Até que abraço a minha mãe e fico num pranto. 
E de repente penso que tenho que informar no blogue que vou morrer logo à tarde para as pessoas saberem.
Até que acordo e vou à casa de banho. E volto feito morto-vivo. 
São 3:12. 
Parece que o meu espírito ainda não voltou para o meu corpo. 
Bem, vou ver se durmo outra vez. 
Mas antes vou avisar no blogue que vou morrer logo ao fim do dia. 



sexta-feira, 6 de abril de 2018

Constatações Às 5 da Manhã

O presente é sempre o momento mais próximo que já estiveste da morte.

Não é no futuro que estás próximo da morte, é no presente. Então, vive o presente. E não faças grandes planos para viver no futuro. Porquê? Porque no futuro estás morto.



domingo, 28 de janeiro de 2018

Conversas Improváveis 18

Sentados num banco de pedra junto ao crematório do Prado do Repouso, de onde se podia sentir um leve cheiro a churrasco e virados para o sol envergonhado que nos aquecia num sábado de Inverno, ela constata:

"A única coisa boa que o ser humano faz pelo Planeta é morrer e adubar a terra". 


Via Google Images

segunda-feira, 20 de março de 2017

As fotografias dela: Nua

Não é que eu achasse propriamente que ia morrer, mas uma operação é sempre uma situação de risco, por mais vulgar que seja. Há pessoas que vão tirar um furúnculo e depois acabam por morrer por incompetência médica, por uma qualquer complicação, ou simplesmente por azar. E os azares acontecem a qualquer um. Nós podemos morrer a qualquer momento, talvez a nossa data até já esteja marcada, não sei, mas acho que talvez seja normal, antes de uma cirurgia, refletirmos sobre a eventualidade de podermos morrer.

No dia anterior paguei as contas. Bom, neste caso não era com medo de morrer, pois se morresse, ao menos já não tinha de pagar mais nada a ninguém! Foi simplesmente para deixar as coisas já tratadas, apesar de, em princípio, vir embora do hospital no dia seguinte.

Nós podemos morrer a qualquer momento, mas na verdade nunca preparamos a nossa morte. E da minha morte, para já, só é conhecida a minha vontade de não ter nenhum padreco por perto. Não sou católico, não preciso de nenhum advogado de defesa - que ainda por cima nem sequer me conhece! - para meter uma cunha junto lá do São Pedro. Se for preciso, eu mesmo apresento a minha defesa sozinho, obrigado. Sinceramente, não acho que os 100€ que o padre cobra me irão ajudar de muito. Acho que o devem ajudar mais a ele!

E de repente pensei nas fotografias dela. Nua. 
Eu tenho aquele CD, sei lá, há uns doze anos talvez. Por que é que nunca apaguei as fotografias?Bom, em primeiro lugar aquilo não é de apagar. Apagar está à distância de dois cliques. Num disco compacto implica parti-lo. Não sei, mas parece-me algo de extrema violência. Deve ser o equivalente a rasgar as fotografias em papel ou a queimar os negativos. 

Via Pinterest

Eu guardei as fotografias, em primeiro lugar, porque as fotografias são minhas. Fui eu que as tirei. com autorização da própria. Mas depois também vos pergunto: mas será que sempre que terminamos uma relação, temos de destruir todas as fotografias? Se sim, porquê? Ou são só as comprometedoras? E por que é que teríamos de o fazer? Eu, tantos anos depois, ainda não o fiz, porque na verdade nunca achei que teria de o fazer.

Se não estou em erro, são fotografias a preto e branco. Sem dúvida que as pessoas ficam muito melhor nuas, em fotografias a preto e branco. Incomparavelmente! 

Eu não guardei as fotografias para passar a vida a andar a olhar para elas quando que me apetecesse. Aliás, há muitos anos que não as revejo. Mas também se visse, qual era o problema? Eu estou solteiro, qual é a diferença entre ver fotografias nuas de uma namorada ou, por exemplo, ver pornografia? 

Depois atentemos no seguinte. Eu se quiser ver as fotografias dela, não preciso ir buscar o CD e metê-lo aqui na gaveta do computador. Eu se quiser vê-la nua, basta ir à pasta dela, que está no meu cérebro! As nossas memórias não se apagam! Eu entendo que muitas pessoas destruam tudo que esteve ligado a uma relação anterior, como que se querendo purgar-se do passado. Mas na verdade não acho que isso faça muito sentido, tão simplesmente porque nós não apagamos o passado! Nós hoje, somos o produto de todas as experiências que vivemos no passado! Nós carregamos o passado sempre connosco e de maneiras que muitas vezes nem sequer nos apercebermos. Há pequenos acontecimentos, e que nem sequer tiveram importância, mas que ficarão guardados para sempre, e de vez em quando saltam cá para fora.

Na verdade, acho que a única coisa que me preocupa naquelas fotografias, é quando eu morrer. E não é por mim obviamente, é por ela. Quando eu morrer, já nada vai importar, mas é como se eu me sentisse o guardião da imagem dela contida naquelas fotografias. Talvez eu tenha mesmo que destruir o disco um dia destes, Não sei. Talvez o melhor mesmo fosse eu entregar-lho, mas isso também já não se coloca, desde logo, porque já não temos qualquer ligação há mais de uma década. 

Eu lembro-me frequentemente de uma frase dela quando nos despedimos, e que acho que, sinceramente, também nunca percebi muito bem o que ela quis dizer: "Preserva a nossa história". Preservar significa proteger; resguardar. Então nesse sentido, tem sido isso que eu tenho feito com as fotografias dela. Tenho-as preservado todo este tempo. 

sábado, 29 de agosto de 2015

22 anos

Passam hoje vinte e dois anos que vi o meu pai partir sendo ainda menor de idade. E vinte e dois anos é muito tempo. Os anos passam e o tempo vai apagando algumas memórias, porque a vida tem de continuar. Mas se paramos por um segundo a relembrar o passado, essas memórias começam a voltar aos poucos e tornam-se cada mais nítidas.  

O meu pai não teve uma vida nada fácil. Talvez se lhe adivinhasse uma vida de algum sucesso profissional, pois apesar de só ter a escolaridade obrigatória da altura, era uma espécie de empreendedor e cheio de competências técnicas. A imagem que recordo dele, é de um verdadeiro engenhocas cheio de ideias geniais e de uma habilidade fora do comum.

Mas o destino não se compadeceu e pregou-lhe uma grande partida. Um grave acidente de viação marcou-o com queimaduras pelo corpo, mas marcou-o principalmente para o resto da vida. Tudo poderia ter sido diferente, mas foi assim que as coisas tiveram de acontecer. E tudo mudou. Ainda me lembro de se contar a história, dos irmãos irem de gravata preta, esperando o pior num certo dia, depois do coração ter estar parado uma infinidade de segundos, e dos médicos os terem desenganado. Mas ele resistiu, sobreviveu esse dia, e a outro, e acabou mesmo por passar dois anos enfiado numa cama de hospital. E haveria de sair do hospital pelo seu próprio pé.

Contrariou os médicos e ainda foi a tempo de casar com a mulher que gostava dele, e que por ele sempre esperou, apesar dos "conselhos" de algumas pessoas, que a aconselhavam a desistir - afinal o amor nunca foi incondicional não é? É só na saúde e nos bons momentos. Nos maus, abandonam-se as pessoas, tal como se abandona um cão quando se vai se férias. Mas ele ainda haveria de ir a tempo de casar e ainda foi a tempo de deixar um descendente neste mundo: Eu. 

freeimages.com

E eu muitas vezes como que me culpo por não ter ajudado mais o meu pai. Ajudado naquilo que eu se calhar, hoje acho que poderia ajudar, mais do que as drogas dos médicos. Eu sei que ainda não tinha o conhecimento ou a sensibilidade para tal... E talvez também por isso acabei por me transformar numa pessoa que hoje nunca desiste de ajudar que está por perto...mas infelizmente não fui a tempo de ajudar o meu pai. 

Muitas coisas aconteceram nestes vinte e dois anos. Muitas coisas se passaram na minha vida e que o meu pai não pôde acompanhar. Talvez ele tenha mesmo ido podendo acompanhar ainda que observando as coisas de outro plano, que não o plano terreno. E eu não faço ideia do que ele acharia de mim, do adulto em que me tornei. Nós temos de viver por nós, temos de fazer as nossas escolhas, por vezes cometer os nossos erros, e por vezes temos de fazer as coisas de forma muito diferente daquilo que os nossos pais fariam. Mas claro que gostaria de saber que ele, esteja onde estiver, sentisse um pouquinho de orgulho no filho. Aquele orgulho que ele sentia, quando eu tinha três anos e sabia o nome de centenas de jogadores de futebol nos cromos da bola. "Ele tem de saber ler" diziam as pessoas estupefactas. Mas não, eu só sabia os nomes dos jogadores nos cromos da bola, porque o meu pai, me ensinava os nomes deles, e eu então memorizava-os. 

Há algum tempo, uma amiga transmitia-me a informação: "ele já não anda por cá,  ele já passou para o outro lado". Pois então, e seja esse lado onde for, que esteja bem e que tenha alcançado a paz, pois tormentos, infelizmente, já passou que chegue em vida. 

Até breve. Espero que nos possamos reencontrar de novo, um dia,  nesse tal outro lado. 

terça-feira, 7 de julho de 2015

Vem morte...

"Vem morte, tão escondida, 
que eu não te sinta chegar, 
para que o prazer de morrer 
não me dê novamente a vida."




* Citação de Teresa D'Ávila / Fotos de minha autoria retiradas de um cemitério

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Cancro: Quando eu?

Muitas vezes acontecem-nos coisas negativas, e tão pouco prováveis, que na revolta nos perguntamos "porquê eu"? No que ao cancro diz respeito, trata-se agora só de uma espera. Esperar que nos calhe a nós. Fumadores, não fumadores, gente doente e gente saudável, todos estamos a morrer de cancro. No entanto grande parte das pessoas, incluindo os políticos que têm o poder de mudar muitas coisas, andam todos, a fazer de conta que o cancro, ainda é uma coisa que só acontece aos outros.


São pessoas amigas que nos contam que foram a um funeral de um amigo ou familiar que morreu de cancro; é uma colega de trabalho que nos conta o drama que viveu no processo de quimioterapia; são familiares de quem nada sabíamos há muito que morrem de cancro;  são figuras públicas que morrem de "doença prolongada"; são funcionários públicos que morrem por estar a trabalhar debaixo de telhas com amianto e o governo nada faz, porque não são eles que lá têm de trabalhar; é uma pessoa, sem cabelo que se senta ao nosso lado no comboio, ou passa por nós no centro comercial; e são pessoas que vivem conosco na mesma casa que nós.

É um vizinho, boa pessoa, que aparentava andar cheio de saúde, que se sabe que tem cancro, ao que parece não operável, está por casa sem trabalhar e comenta-se que já não quer visitas. 

Não é fácil lidar com tudo isto. Não é fácil colocar-me na pele dele. Não é fácil, de um momento para outro, sabermos que temos pouco tempo de vida, e que o fim não será dos mais fáceis.

Todos estamos a morrer, é um facto, mas existem muitas formas diferentes de morrer. Nenhum de nós sabe como será a sua morte, mas certamente se nos fosse dada a possibilidade de escolha, ninguém escolheria morrer de cancro. Não é uma forma digna nem misericordiosa. A morte não chega até nós e diz-nos "vem comigo, chegou a tua hora". Não, diz-nos "vais morrer brevemente, mas antes, ficas aí a definhar até não aguentares mais. Depois sim venho-te buscar". 

Mais do que qualquer pessoa, eu tenho uma grande probabilidade de vir a ter - se não tiver já - um cancro. A ciência da medicina ocidental, está a medicar-me, e chegaram à conclusão que, ponderando os pós e os contras, é melhor eu poder morrer de cancro, mas ir tendo alguma qualidade de vida. E isso a mim não me deixa muito tranquilo sinceramente. 

Ponderando bem, começo a perder o medo de andar de avião.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

E se eu estiver morto?

Hoje podia ter morrido. Talvez até tenha mesmo morrido e ainda não sei, tal como a Grace (Nicole Kidman) em "Os outros" não se apercebeu que estava morta, e era ela a intrusa que assombrava, sem saber, os habitantes daquela casa, e não o contrário. Ou como o Malcolm (Bruce Willis) que no filme "Sexto sentido", não se apercebeu que o menino com quem conversava, e que dizia ver pessoas mortas, via-o e conversava com ele, porque ele mesmo também estava morto, e era ele, sem saber, que procurava ajuda junto daquela criança, que tinha a faculdade de comunicar com os espíritos, e não ele, que estava a ajudar a criança como seu psicólogo. 

Na volta a casa explodiu mesmo, eu morri, simplesmente ainda não me desprendi de vida terrena. Ou então estou mesmo vivo porque hoje ainda não era o meu dia.


O primeiro dia - Sérgio Godinho - 1978