domingo, 27 de setembro de 2020

A Igreja Sentada à Extrema-Direita do Pai

 "A burguesia portuguesa não dorme tranquila. Tem a intuição do inevitável. Sabe que está condenada, vencida pelo progresso, pela evolução lenta mas segura da civilização mundial, caminhando decididamente, seguramente, para a democracia socialista que não é, afinal, contra ninguém, nem mesmo contra a própria burguesia, mas em que pretender tornar felizes todos os habitantes da Terra, não à força, mas garantindo tão-só a todos os cidadãos o direito ao Trabalho dignamente remunerado e à liberdade codificada pela lei justa, discutida e aprovada pelo Parlamento nacional, eleito pelo povo - isto é: na convergência dos interesses e na fraternidade das intenções. 

Manuel Francisco Rodrigues ia assistindo à morte dos companheiros e elaborando no seu espírito o que seria o grande livro a sair em 74, três década depois:

Sabemos que estamos manietados, que o nosso fim é a cova do cemitério, sob a terra africana, longe da nossa família e da nossa Pátria. Porém, sabemos também que venceremos. Perderemos talvez no temppo; mas ganharemos com certeza no espaço. Cada um de nós sabe que é um pioneiro de uma casa justa e tem a certeza que essa causa triunfará no futuro. E, asism, sentimo-nos ligados por esse porvir que, de quaquer modo, também será obra nossa. E essa certeza, enche-nos de orgulho e de força, a força que anima os estóicos, os santos e os heróis... Por isso sofremos, em silêncio, curvados para a terra, mas os nossos espíritos pairam muito alto... Até os mortos, mesmo amarelos, têm a nobreza imaculada e pura de tudo que é santo... Sim... Todos os nossos mortos pertencem já à História... deram entrada no Panteão dos Heróis... santificados pelo martírio... São os dignos descendentes dos gloriosos bravos das Catacumbas...

E não há uma voz generosa que se levante, um padre, um juiz, um ministro, um homem bom, que esteja em liberdade e que tenha influência moral e social para exigir, pedir ou suplicar, em nome de Cristo, da Lei, da Humanidade, por humanidade ou por piedade, por qualquer coisa e de qualquer modo, que se termine com este horrível sepulcro, onde mais de duzentos homens esperam a hora da morte, entre os quais há, talvez, quem tivesse cometido algum delito, mas onde há, também, com certeza, absolutamente, indiscutivelmente, muitos inocentes...

Aquele horror não podia continuar. Era preciso condenar os delinquentes se os havia, mas acabar com aqueles matadouro indigno da terra lusitana ("os portugueses são tenros" - reconheceu recentemente Leopold Senghor, ao ser entrevistado pela TV italiana). Manuel Francisco Rodrigues escreveu ao cardeal Patriarca de Lisboa de então, a fim de que enfrentasse a prepotência, em nome da liberdade e da consciência humana. Mas foi em vão... Ninguém lhe respondeu. A sua voz clamava no deserto do medo... no pântano da indiferença, conforme explica. 

Se todos os Infetados Portugueses Estivessem numa Terra Qual Seria? E os Mortos?

Quando se fala em números totais de infetados e mortos não sei se muitas vezes a maioria das pessoas consegue perceber a exata dimensão da coisa. Até ao momento temos, segundo dados oficiais disponíveis hoje: 71156 casos confirmados e 1931 mortos a lamentar. Então imaginemos o seguinte. Vamos supor que todos os infetados por coronavírus desde Março estavam todos numa só terra portuguesa, e não espalhados por todo o continente e ilhas. Qual seria esse município que melhor representa todos os infetados até ao momento?

O município que representa sete meses de infetados em Portugal é Penafiel com os seus 70 mil habitantes. No mapa a dimensão seria a seguinte:

Já todos aqueles que infelizmente já morreram podem ser representados pela localidade de Barrancos com os seus quase dois mil habitantes. É como se o vírus em Portugal tivesse matado todos os habitantes desta localidade.

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

PANDEMIA: Nacimiento y Fuga

Pandemia é uma banda argentina de Doom/Death Metal que lançou um album em 1998 intitulado "Prana sempiterno". Esta é primeira música que se chama "Nacimiento y fuga":


"En el sopor del último día
descubrí mi consistencia.
Desprendiéndome las cáscaras
dejé asomar mi ser.
sorprendido ser.
aliviado, asustado,
no se quien comenzó a levitar
sobre las cosas de la tierra.

Lentamente desalienandose, abriéndosea
todas las sensaciones de la vida
y de la muerte

Quise atraparlo, quise seguirlo
pero fue tarde, inútil, soñaba con pies pesados
Quiso atraparme, quiso seguirme
pero fue tan inútil, fue tarde,
pude escapar, pude huir

Descubro sensacione
de vida, de muerte.
Levitando me sorprendo libre libre Libre
en el infinito espacio libre Libre
Suspendido me sorprendo libre libre Libre
todo es tan hermoso desde aquí
Quisiera no estar tan solo.

Todavía lo observo
desde esta fosa terrena
Está ahí arriba contemplando
hamacandose en el tiempo.
Le están creciendo más manos
no se entrega, solo espera divagando.


Nacimiento y Fuga - Pandemia (1998(


sábado, 19 de setembro de 2020

O Meu Céu é Este

Ao que parece, muitos céus de nuvens foram fotografados ontem e partilhados nas redes sociais. O meu céu é este. O arco-íris foi tirado em minha casa. Duas horas depois quando cheguei ao clube para treinar, já os morcegos andavam à caça de comida. Foi pena não ter comigo a Nikon mas pronto, foi o que se pôde arranjar. 


sexta-feira, 18 de setembro de 2020

O Mapa Astral

Sentados à mesa de uma rede social, duas pessoas pouco mais que desconhecidas, eu e uma mulher de longos cabelos pretos, escorridos pelos joelhos e dona de uns olhos 'camaleonicamente' magnéticos, pergunta-me ela se eu gosto de astrologia. Bom, na verdade, como sabem, sim, sou um curioso de assuntos esotéricos, e tenho alguma curiosidade com os signos até porque há coisas que sempre me habituei a ver que batiam mais ou menos certo...


- Posso fazer o teu mapa astral? perguntou-me ela.
Sim, porque não? E logo após lhe dar os meus dados de nascimento, dados que ela precisava para fazer a coisa, começa a falar da posição do Sol, da Lua e do Ascendente.
- Marte na Casa 1 explica o teu lado combativo e polémico.
Olha que interessante! 
- Saturno na Casa 1 também, acho que te dá um ar sério também. 
Por acaso sempre achei que era um pouco sério demais até... por vezes até brincam comigo e eu levo tudo a sério. Está explicado então!
- Sol na 11, Lua em Aquário.... humanitário, rebelde, contra os padrões. Interesse por assuntos sociais. 
Estou impressionado, tudo a bater certo. 
- Lua na 8... sentimentos intensos
Oh pá, intenso é o meu nome do meio!
- Acho que gostas de abordar assuntos como sexo ou outros considerados tabu...
Acho que comecei a ficar boquiaberto! como é sabido sou um provocador e gosto de chocar com as mentalidades mais conservadoras. 
Neptuno na 6...  parece que gostas de uma rotina de calmaria, leituras, música. 
- Mercúrio na 11, ideias não convencionais, discursos sociais, expressas-te de maneira fundamentada...
Muito interessante. Por norma, quando estou seguro de certo assunto, convém não discutir comigo porque senão vão perder! Se não sei meto a viola ao saco e não me meto, se me meto é porque estou seguro do que estou a dizer. 
- Vénus na 10... Acho que a tua mãe tem grande influência na tua vida...
Oh cum caneco!
- Costumas ter boas relações de trabalho e tens até talento artístico...
Sim, mais ou menos.
- Plutão na 4... grande entendimento dos mistérios da vida. Muito sensível. Sentimentos profundos... Gostas de política, obviamente!
Começo a ficar sem palavras...
- Tens um instinto de sobrevivência muito forte... Acho que tens algum problema de saúde que conseguiste superar. 
Digo que estou sem palavras e ela pergunta-me se está a acertar... 

Cá entre nós eu acho que qualquer pessoa que me for acompanhando aqui percebe que quem seguir este mapa, conseguirá sem grande dificuldade, e sem se meter em estradas que não lembram ao Diabo como quando utilizamos o GPS, uma localização muito aproximada da minha pessoa. E isto deixou-me, mais uma vez, a pensar sobre destino, espiritualidade e livre-arbítrio. 

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Alguém Tem Alguma Coisa Contra Este Casamento?

Se tem que diga agora ou se cala para sempre. E nesse momento a GNR aparece a galope nos seus cavalos e interrompe a cerimónia. 

Se temos algo contra este casamento? Pois claro que temos! Trezentas pessoas aqui juntas em plena pandemia? Vai já tudo detido para a esquadra para ser presente ao juiz!

sábado, 12 de setembro de 2020

Cenas Que os Europeus Não Entendem Nos Americanos



Estava aqui a vegetar no Youtube, e o site sugeriu-me este vídeo. Esta jovem europeia que vive em Los Angeles fez este vídeo, explicando de forma engraçada algumas coisas que para um europeu comum são completamente absurdas, tais como:

Preços

Os preços nos Estados Unidos não incluem os impostos! Ou seja ves uma peça de roupa que tem o preço de 15€, e depois chegas ao balcão para pagar e dizem-te que são 18€! Muito prático ir às compras assim!

Publicidade nos Medicamentos

"Tomar este medicamento pode fazer com que morras"!

Entregas Postais

Se te vão entregar uma encomenda e não estás em casa, a pessoa da transportadora simplesmente atira a encomenda para a tua porta e depois, logicamente, quando chegares a casa ela já não vai lá estar! Na Europa existe uma coisa que é deixar um papelinho a dizer onde a podes levantar!

Arrendar uma casa

Ao que parece nos Estados Unidos para arrendar uma casa até de uma análise à urina é preciso!

Gorjetas

Como os trabalhadores americanos ganham miseravelmente, institui-se a lei da gorjeta que basicamente tens que pagar mais 20 ou 30% acima do tabelado! Lembro-me do meu amigo que esteve recentemente lá e a primeira vez que pagou a conta no restaurante tal e qual estava no recibo e saiu porta fora vieram ter com ele como se fosse um criminoso!


Máquinas de Lavar

Eu não fazia ideia que quando se arrenda uma casa nos Estados Unidos esta não tem máquina de lavar. E de facto é muito mais prático pegar na roupa toda e ir a uma lavagem automática!


Saúde

Bem, sobre a saúde americana acho que todos sabemos um pouco, mas vejam o que ela diz.

Trânsito

Os americanos são muito organizados, então, todas as faixas de rodagem servem para ultrapassar! Pela esquerda, pela direita, ao que parece andar de carro por lá uma verdadeira aventura, ao que parece ainda mais que conduzir em Portugal!


A Ida à Tropa na Sociedade Rural

"O espaço mítico da vida militar na vida dos jovens camponeses e suas famílias é construído através das formas de interconhecimento que caracterizam as sociedades de cultura oral, pelo que não surpreende que o cancioneiro popular português esteja recheado de motivos militares. E esse espaço articula-se e aprofunda-se nas cartas que se trocam com a família, com os amigos e com as madrinhas de guerra. Como diz Modesto Navarro, "às histórias ancestrais" do soldado que regressava da guerra e do "Milhões", que povoaram o nosso imaginário de habitantes do interior, juntavam-se, ano após ano, as pequenas e grandes histórias dos jovens que ficavam apurados e iam para Chaves, Vila Real, Lamego, Porto, Santarém ou Lisboa, cumprir a vida militar".


A ida à tropa sempre foi um fator de perturbação na vida do jovem e da sua família. Na sociedade rural, a ida à tropa interferia negativamente com o ciclo de produção e de reprodução da economia camponesa na medida em que lhe retirava dois preciosos braços de trabalho. Esta privação não era, contudo, apenas económica; era também afetiva. Dado o carácter multiplexo (de múltiplo vínculo) das relações sociais no campo, a saída de um dos membros da comunidade significava a perda de um agente económico, a privação do exercício do controlo paterno e materno, a perda de um companheiro nos momentos de ócio, a privação do arrimo e do conforto nos momentos mais duros da luta pela sobrevivência, o abandono ou pelo menos a adiamento de um projeto de casamento. Não admira, pois, que a sociedade rural chorasse a saída dos seus filhos como eloquentemente mostra a nosso cancioneiro popular:

Adeus, adeus ó Coimbra
Toda alumiada a gás;
Adeus quartel da Sofia
Onde eu tenho o meu rapaz.

(Beira)

Quando eu assentei praça
Peguei nas armas reais;
Minha mãe chorava muito,
Eu inda chorava muito mais.

(Famalicão)

Adeus ó Vila de Cuba
Cercada de cachos de uvas;
Vão os moços para a tropa
Ficam as moças viúvas

(Cuba)

A trança do meu cabelo
Hei-de mandá-la vender,
Pra livrar o meu amor,
Soldado não há-de ser.

(Douro)

Ó comboio da hora e meia
Não te posso ver passar!
Levaste o meu amor
Para a vifa militar

(Minho)

Mas a ida à tropa era também uma libertação e uma promoção. Tinha antes de mais o atrativo do desconhecido sedutor, de um mundo maior, urbano, anónimo, diferente, onde as lealdades e as autoridades rígidas do mundo rural pareciam ridículas e onde os compassos minunciosos do quotidiano camponês se esfumava sem pena. Como diz Moisés Espírito Santo, num estudo sobre sobre uma comunidade rural do Norte do Tejo, "o jovem só conquista uma certa independência com o serviço militar, que em Portugal, e para utilizar a linguagem dos instrutores das casernas, tem a função de "subtrair os jovens às saias das mães", torná-los adultos, desligá-los do seio materno, no sentido libidinal da expressão".

Até à implantação da República, o serviço militar era cumprido fundamentalmente pelos filhos das classes populares que não tinham padrinhos ou dinheiro para livrar ou para remir a dinheiro o tempo de serviço nas fileiras. Esta discriminação contribuiu para que se implantasse no imaginário social do povo a imagem do serviço militar como mais uma expressão da injustiça social, como um castigo que, aliás, se desdobrava noutros castigos quotidianos, quer no domínio da alimentação e do alojamento, quer no domínio da disciplina (os castigos corporais, de resto banidos - na lei que não na prática - em 1856/57). Em 1903, num artigo significativamente intitulado "A aversão ao serviço militar" e publicado na Revista Militar, Mello e Athaíde referia, entre os motivos que no período anterior criavam a repugnância pelo serviço militar: "Uma das primeiras cousas era a duração do tempo de serviço que podia ser muito longo, atingir todo o período mais belo da vida de um homem; era um adeus eterno aos sonhos da mocidade, que todos os têm, os próprios rústicos. E depois, quem pagava esse serviço eram só os miseráveis; o tributo de sangue foi por muito tempo apanágio do pobre".

A dureza da vida militar, que muitos pais abençoavam como meio de domar a rebeldia dos filhos - os quais, como ainda se diz no Alto Minho, "hão-de ir à tropa e quebrar os narizes" - continuou por muitos anos a povoar e a assombrar o imaginário popular...
   
O Estado e a Sociedade Em Portugal 1974-1988 / Boaventura Sousa Santos (1990)

domingo, 6 de setembro de 2020

The Inside Job - A Verdade da Crise

Dizem-nos que esta pandemia é a pior crise que há memória, ainda assim eu não tenho visto bancos e seguradoras a falir, ou gestores a suicidarem-se. E agora que passam doze anos da crise de 2008 do subprime americano, achei por bem relembrar como tudo aconteceu e ver o documentário "The Inside Job (A verdade da crise) que venceu o Óscar de melhor documentário em 2011. Como dizem que a memória coletiva só dura dez anos, se calhar convinha a muita gente ver ou rever para se lembrar do que foi esta crise, quem a provocou e de como continua basicamente tudo na mesma. Um filme que recomendo vivamente.

"Em Setembro de 2008, a falencia do banco de investimento dos EUA Lehman Brothers e o colapso da maior companhia de seguros do mundo, a AIG desencadearam uma crise financeira global. 

Esta crise não foi um acidente. Foi causada por uma indústria descontrolada. Desde 1980 o crescimento do setor financeiro americano provocou crises cada vez mais dramáticas. Cada crise provocou mais danos, e, paralelamente, a indústria ganhou cada vez mais dinheiro.  

Depois da grande depressão os EUA viveram 40 anos de crescimento económico, sem que se desse uma única crise financeira. O setor financeiro estava escrupulosamente regulado. Na sua maioria os bancos eram empresas locais e era-lhes proibido especular com as poupanças dos clientes. Os bancos de investimento, que transacionavam ações e obrigações eram sociedades pequenas e privadas. 

A administração Reagon, apoiada por economistas e lobbyistas financeiros, deu início a um período de 30 anos de desregulação financeira....

Porque é que existem os grandes bancos? Porque os bancos gostam do poder dos monopólios. Porque os bancos gostam do poder das influencias. Porque os bancos sabem que quando são demasiado grandes, serão salvos. 

Há trinta anos, se pedisse um empréstimo para comprar uma casa, o empréstimo era concedido por alguém que contava recuperar o seu dinheiro. Desde então criou-se a securitização, e quem concede um empréstimo já não corre riscos se o devedor não pagar.

No sistema antigo, quando um proprietário pagava a sua hipoteca todos os meses, o dinheiro ia para a entidade de crédito local. E como se tratava dum empréstimo de longa duração, as entidades eram cautelosas. No novo sistema as entidades venderam as hipotecas a bancos de investimento. Estes reuniram milhares de hipotecas e outros empréstimos, para criar produtos derivados complexos, a que chamaram ativos tóxicos ou CDO (collateralized debt obligations). Os bancos de investimento venderam os CDO a investidores. Neste modelo, quando os proprietários pagavam a sua hipoteca, o dinheiro ia para investidores espalhados por todo o mundo. Os bancos de investimento contratavam agências de rating para avaliar os CDO e muitos deles receberam a cotação de AAA, a nota mais alta em termos de investimento. O sistema era uma bomba-relógio. Às entidades já não interessava se o proponente podia pagar por isso começaram a fazer empréstimos de maior risco. Os bancos de investimento também não se preocupavam. Quantos mais CDO vendessem mais altos eram os seus lucros. E as agências de rating, que eram pagas pelos bancos de investimento, não eram responsabilizadas se a cotação dum CDO se revelasse mal atribuída. 

Entre 2000 e 2003, o número de empréstimos para hipotecas quase quadriplicou.

A banca de investimento referia empréstimos subprime por terem taxas mais altas. Isto conduziu a um aumento intensivo dos empréstimos predatórios. Alguns empréstimos tinham taxas de subprime desnecessariamente  e foram concedidos muitos empréstimos a quem não podia pagá-los. 

Em 2007 a Goldman foi ainda mais longe. Começou a vender CDO concebidos de forma  a que quanto mais os clientes perdessem, maiores fossem os lucros da Goldman Sachs. 

Em 2008 as execuções tinham disparado em flecha da "cadeia-alimentar" securitizada. As entidades de crédito não conseguiam vender os empréstimos à banca de investimento e, à medida que as hipotecas iam sendo executadas, dezenas delas faliram.

Sexta-feira 12 de Setembro o Lehman Brothers ficara sem liquidez e a banca de investimento afundava-se rapidamente. A estabilidade do sistema financeiro global estava comprometida.

A 4 de Outubro de 2008 Bush aprovou uma fatura de resgate de 700 mil milhões. Mas as bolsas continuaram a cair com receio duma recessão global já implantada.

Os homens que destruíram as suas próprias empresas e lançaram o mundo numa crise afastaram-se dos destroços com as suas fortunas intactas. Os cinco executivos de topo do Lehman Brothers ganharam mais de mil milhões entre 2000 e 2007. E quando a empresa foi à falência eles ficaram com o dinheiro todo. 

Porque há-de um engenheiro fianceiro receber entre 4 a 100 vezes mais do que um engenheiro normal? Um engenheiro normal constrói pontes; um engenheiro financeiro constrói sonhos. E quando esses sonhos se transformam em pesadelos, foram os outros a pagá-lo.

O sistema financeiro americano foi seguro durante décadas. Mas depois algo mudou. O setor financeiro virou costas à sociedade, corrompeu o nosso sistema político e fez mergulhar a economia mundial numa crise. Com imenso esforço, evitámos o desastre e estamos a recuperar. Mas os homens e as instituições responsáveis pela crise continuam no poder. E isso tem que mudar. Eles dirão que precisamos delese que aquilo que eles fazem é demasiado complicado para que possamos entender. Dirão que não volta a acontecer. Vão despender milhares de milhões a combater a reforma. Não será fácil. Mas há coisas por que vale a pena lutar.



Inside Job - Charles Ferguson (2010)

Em Defesa da Liberdade de Ser Mau Cidadão

O tema fraturante da semana veio diretamente do túmulo de Ramsés Cavaco Silva. A notícia era que Cavaco, Passos Coelho e bispos pedem objeção de consciência para as Aulas de Cidadania. Quando soube fiquei intrigado porque eu nem sequer sabia que hoje em dia se tem esta aula na escola, afinal, há muitos anos que deixei de estudar e não tenho filhos para saber o que por lá se passa. Então fui ver o que é que poderia estar mal, para esta gente tão ilustre da direita assinar um manifesto pelo fim destas aulas. 



Ora bem, estou aqui no site da Direção Geral e o que é que diz aqui? Que as áreas temáticas são as seguintes:

- Dimensão Europeia da Educação
- Educação Ambiental
- Educação do Consumidor
- Educação Financeira
- Educação Intercultural
- Educação para a Segurança e a Paz
- Educação para a Igualdade de Género
- Educação para o Risco
- Educação para o Desenvolvimento
- Educação para o Empreendedorismo
- Educação para o Voluntariado
- Educação para os Direitos Humanos
- Educação para os Média
- Educação Rodoviária
- Educação para a Saúde e Sexualidade

Olhando para isto eu diria que se fosse pai tudo isto me parece muito bem. Quem me dera, se calhar, que no tempo tempo a escola tivesse tempo para me ensinar coisas além do Português e da Matemática e das outras disciplinas todas. Mas se prestarmos atenção, o que salta logo à vista é que quatorze das quinze áreas temáticas começam todas por "Educação" e parece-me que é isto que incomoda muito conservadores e Igreja. 

Ser conservador é querer conservar. Que tudo seja como sempre foi. Mas quando os conservadores querem acabar com as aulas de cidadania já não estão a conservar, estão a querer destruir o que de bem se fez. Nesse momento já deixaram de ser conservadores e passaram a ser reacionários.

No fundo o que conservadores e Igreja querem é que o povo seja ignorante, porque um povo ignorante à partida mais facilmente é manipulável. O que esta gente quer é o regresso à instrução primária (que Passos e Portas trouxeram de novo o exame, coisa única em toda a Europa) e uma enxada para trabalhar. Querem que as pessoas tenham poucos estudos, mas é para outros, os pobres, aqueles que a Cristas para visitar tinha que vestir umas calças de ganga, porque os filhos deles, esses têm que ir para a universidade, nem que seja privada, porque quem pode pagar é sempre gente de bem. 


Enquanto isso nesta mesma semana e no Portugal da Idade Média do século XXI um padre católico de Alcobaça no Jornal Alcoa incita a que se queimem livros! Pois, certamente que até deveria ser proibido aos pobres saber ler e escrever e a missa deveria ainda ser dita em Latim para ninguém perceber absolutamente nada e não ousar questionar o que está escrito! Ah, e a Inquisição deveria voltar, e deveriam queimar na fogueira toda essa gente maluca que se põe a ler livros!



A "liberdade de escolha" que há um ser objetor de consciência nas aulas de cidadania é a liberdade que há em ser mau cidadão

sábado, 5 de setembro de 2020

O Auschwitz Português

Está muito na moda ler sobre Auschwitz, o campo de concentração da Polónia. O que eu pergunto-me se a maioria das pessoas que lê sobre o nazismo terá consciência do que se passou no campo de concentração do Tarrafal criado pelo fascismo português. Lá não havia câmaras de gás porque a morte demorava a chegar, daí que ficou conhecido por "Campo de Morte Lenta":

"Em Cabo Verde, a colónia penal do Tarrafal terá transcendido tudo quanto de horroroso perpetrou a PIDE. Uma obra digna do nazi Kramer, que foi um dos primeiros instrutores dos agentes da polícia política portuguesa. Pela pena dos escritor português Manuel Francisco Rodrigues poderemos evocar muitos dias do Tarrafal, estação obrigatória n via repressiva pela qual a PIDE fazia passar tantos portugueses.

Sob os raios quentíssimos, os forçados arrancavam e transportavam a pedra e, em longa e interminável fileira custodiada por soldados negros, acarretavam a água do poço para as necessidades do povo da aldeia. Quando um escravo saía vítima do paludismo mortífero, outro era imediatamente escolhido para o substituir. E, depois, como se tudo isto não bastasse, construiu-se a célebre 
... - isto é: a ante-câmara do cemitério. 

A Frigideira é um bloco de cimento, dentro do qual qual há um orifício onde emparedam os reclusos que caem na desgraça de não agradar aos que estabelecem as ordens. Sob a acção do sol, a temperatura vai subindo dentro do buraco....sobe... sobre... sobe! O desgraçado ou desgraçados que lá estão, vão suando... suando... até ficarem cozidos e depois assados. É claro que, submetidos a esse tratamento, morrem muito mais depressa, sobretudo quando  
o ingresso no buraco se faz ao som das chicotadas do cavalo-marinho rasgando as costas 
dos condenados, às quais se seguem os consagrados rigores do jejum periódico forçado. 
Quem defende os reclusos contra os abusos de autoridade dos seus carrascos? - Ninguém, absolutamente ninguém.. Juízes não há aqui, o que não admira, pois já não os havia em Lisboa. 
E, como, apesar de tudo, a moral dos reclusos não cedia, prossegue o escritor - inventou-se um dia A Brigada Brava, cuja divisa era Trabalhar até rebentar! Tarrafal, aldeia de morte (Julho de 1974)

Opressão e Repressão, Subsídios Para a História da PIDE / J.M.Campos, L.Pereira Gil (1975)