domingo, 28 de julho de 2019

O Homem Fez Deus à Sua Imagem

"Livra-te dos homens.
E livra-te de Deus!
Não foi Deus que fez os homens, mas os homens que fizeram Deus.
E depois de o fazerem, queixam-se de ele proceder de certo modo em vez de outro. Fizeram-no com barba, pernas, mãos, umbigo, cabeça, como eles; e imaginaram que ele tinha um sistema moral e de legislação idêntico ao dos homens; tanto que, por ocasião das pestes e dos terramotos, perguntam se é justo que Deus façam assim.
Pobres de nós!
Mas se Deus verdadeiramente existe, o seu sistema de moral e de legislação deve ser fantasticamente diverso do dos nossos educadores e dos nossos tribunais.
Por isso, não receies pôr-te em conflito com Deus, porque não há entre nós quem saiba como é que ele pensa em matéria de justiça e de bondade. 

"A Decadência do Paradoxo" / Pitigrilli (1938) 

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Conversas Improváveis (43) - A Coisa Mais Espetacular do Mundo

Emprestada da net

Meia-hora a fazer de ama para duas crianças de dez e oito anos, entretendo-as com ping pong na empresa. Entretanto depois de um bom bocado de tempo e mostrar-lhes como se usa a raquete, e como se bate com ela na bola, viro-me para o patrão e:

Vamos agora mostrar-lhes como se joga ténis-de-mesa, como este é o desporto mais espetacular do mundo?

De imediato, a Rita sem pensar, responde em modo automático:

- "A coisa mais espetacular do mundo é a mãe".

... mas... a tua mãe... não é um desporto! Observei eu, estupidamente!


O Fumo de Muitos Incêndios



"The Smoke of Many Fires" - BE'LAKOR (2016)

domingo, 14 de julho de 2019

Conversas Improváveis (42) - O Tapete e as Cortinas

Dia de reunião familiar. Ninguém visita ninguém espontaneamente porque quer, porque se lembra e porque gosta dos outros. Os únicos laços que existem são os da obrigatoriedade do sangue. É o que liga as pessoas. Há coisas positivas e outras menos boas nestas reuniões familiares. Desde logo a mais positiva é termos a possibilidade de socializar enquanto as pessoas estão vivas e não nos encontrarmos só nos funerais. Quanto às menos boas, bom, também temos que fazer algumas concessões. 

Mas há cedências e cedências. Dispensei a missa em honra dos nossos ascendentes desaparecidos. Enquanto isso fui dar uma volta junto ao rio, olhar os patos, ver  hibiscos em flor e ouvir falar francês e alemão. Quando ao longe vi as pessoas sair da igreja, fui-me aproximando. E já com os meus pais prestes a entrar para dentro do carro, uma prima aproxima-se e antes de me entrar porta adentro e me vir cumprimentar diz:

- Fôda-se, nem conheces ninguém, caralho!
- Olá!!! Bem, tu estás cada vez mais loira!
- E tu ainda não viste em baixo! 



À tarde, a mesma prima, que tem a mesma doença que eu, haveria de dizer uma outra frase, que apesar de ter o seu quê de Lapaliciano, não deixou de dizer uma grande verdade:

- Se os nossos avós não tivessem pinado, não estava aqui ninguém!

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Conversas Improváveis 41 - Silicone

Depois de termos estado a dissecar o tema abraço, dizendo ela e relatando com um exemplo pessoal, que um abraço desarma muita gente, e de eu ter defendido que um abraço pode ser mais íntimo que sexo e de também ter mencionado que retenho vários abraços muito importantes ao longo da vida,  bem gravados na mente, despedimo-nos. 

Eu deixei um abraço apertado.
- Cuidado! disse ela.
- Ainda me salta uma mama!
- Tens de ter cuidado com o meu silicone!


segunda-feira, 8 de julho de 2019

Só compreendemos as coisas quando elas acabam?

- Havia noites em que eu não conseguia dormir e, então, dizia à Doris: "Por que é que ele não consegue vir-se embora? E sabes o que me respondia Doris? "Porque ele é como toda a gente: só compreendemos as coisas quando elas acabam. Porque é que tu não me deixas a mim? Todas as características humanas que tornam difícil para uma pessoa viver com outra... não as temos também? Discutimos. Entramos em desacordo. Temos o que toda a gente tem,um pouco disto um pouco daquilo, os pequenos insultos que se vão acumulando, as pequenas tentações que se vão acumulando. Pensas que não sei que há mulheres que se sentem atraídas por ti? Professoras lá do liceu, mulheres do sindicato, que se sentem fortemente atraídas pelo meu marido? Pensas que não sei que passaste um ano, depois de teres voltado da guerra, em que não sabia porque razão ainda continuavas comigo, em que te perguntavas todos os dias: "Porque é que não a deixo?" Mas não deixaste. Porque, no fim, as pessoas não o fazem. Todos andam insatisfeitos, mas no fim o que as pessoas fazem é não se irem embora. Especialmente as pessoas que já foram abandonadas, como tu e o teu irmão. Quem passa pelo que vocês os dois passaram dá grande valor à estabilidade. Provavelmente até demasiado. A coisa mais difícil do mundo é cortar as amarras da vida e partir.

"Casei com um comunista" / Philip Roth

domingo, 7 de julho de 2019

Ninguém Me Diz o que Há Depois de Nós




"Se me agiganto" / Linda Martini (com Ana Moura) / 2018

Há Escritores que Escrevem Sempre o Mesmo Livro?

Há dois ou três meses não fazia ideia de quem era Haruki Murakami. Muito menos que era o "escritor da moda" como ouvi depois alguém dizer-me. E por obra do acaso, acabei a ler de seguida dois livros deste autor japonês. E ler dois livros de seguida de um autor que desconhecemos permite-nos perceber algumas coisas. E eu percebi por que é que é tão lido, porque se lê muito facilmente e quer-se logo saber mais do que vai acontecer, porque cria ambientes e enredos entre as personagens muito cativantes, porque tem diálogos e pensamentos muito interessantes...



Só que, ao acabar o segundo livro fiquei com a sensação que estava como que a entrar no primeiro, e o que me pareceu é que, apesar das histórias serem completamente diferentes, o homem como que me voltou a contar a mesma coisa.

Se em "After Dark" era a irmã de Mari que passava a vida a dormir e entrava pelo espelho e de lá não conseguia sair. Em "Sputnik, meu amor" é a Sumire, aspirante a escritora, que desaparece, e os textos que deixa escritos no computador, e o sonho que relata com a mãe que já morreu há muitos anos. Ou quando Miu está na roda gigante a ver pelos binóculos o Fernando, que tem uma pila descomunal, e que está no seu quarto a agarrar o seu outro Eu...

E depois são estes romances, e se calhar hoje em dia é assim que se escreve (não sei, leio poucas coisas do século XXI), com finais completamente abertos, mas se calhar, digo eu, demasiado abertos que para a minha compreensão, pois aos meus olhos não chegam a lado algum, e em que, muitas vezes nada encaixa com nada, sem lógica nenhuma. Em Sputnik, meu amor, por exemplo, já o romance caminhava mesmo para o fim, o que é que interessou para a história o aparecimento da personagem Cenoura que é apanhado a roubar e se remete ao silêncio quando confrontado por K.?

Este tipo de escrita, apesar de muito interessante, tem mais ou menos o mesmo objetivo de duas equipas de futebol, que vão para um campo jogar à bola, mas sem qualquer intenção de fazer golos. Fazem jogadas espetaculares, mas quando se aproximam da grande área, voltam para trás, e recomeçam de novo. E quando faltarem cinco minutos para o jogo acabar, o árbitro interrompe o jogo, por uma razão qualquer, e os espetactores saem do estádio sem saber qual será o resultado final, simplesmente porque o jogo não se voltará a realizar!

As Marcas da Inquisição na Sociedade Portuguesa dos Dias de Hoje

Talvez isto responda à pergunta: por que é que em Portugal somos tão mansinhos e pouco contestatários com o poder, mesmo quando ele nos fode valentemente?

"A Inquisição criou um forte conformismo social. Nós sabemos, não é só Portugal, mas em geral, as sociedades que tiveram inquisições, são países onde o conformismo social é muito forte, e onde a crítica aberta ao poder, às autoridades nem sempre é fácil." 



"A inquisição foi sem dúvida um tribunal muito duro, arbitrário, bárbaro, mas também era um tribunal que era liderado por homens que estavam bastante convencidos de serem os detentores da fé e os detentores da verdade. E para entender o seu funcionamento, os seus debates internos que saem dos papeis da inquisição, é preciso partir daqui. Para entender por que é que este tribunal foi o tribunal que vincou o primeiro racismo em Portugal, criando uma sociedade segregadora anti judaica, com uma ideia de uma impuridade do sangue que se traduz numa impuridade da fé."

"Há uma figura que nós chamamos o fundador, que não foi o primeiro inquisidor geral (porque foi o segundo) mas foi o Cardeal Infante Dom Henrique, que era o irmão do rei. Portugal teve esta característica, muito singular, de ter como inquisidor geral, durante quarenta anos, o irmão do rei, o que não se passava nas outras inquisições, e que permitiu com o seu poder, que derivava também com a sua posição na corte e na monarquia de proteger e dotar de poder esta instituição. Permitir que ela se moldasse tão poderosa como a consideramos.

Giuseppe Marcocci, autor do livro "História da Inquisição Portuguesa 1536-1821" no programa "Quinta Essência" da Antena 2. O Programa pode ser ouvido aqui