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domingo, 7 de julho de 2019

Há Escritores que Escrevem Sempre o Mesmo Livro?

Há dois ou três meses não fazia ideia de quem era Haruki Murakami. Muito menos que era o "escritor da moda" como ouvi depois alguém dizer-me. E por obra do acaso, acabei a ler de seguida dois livros deste autor japonês. E ler dois livros de seguida de um autor que desconhecemos permite-nos perceber algumas coisas. E eu percebi por que é que é tão lido, porque se lê muito facilmente e quer-se logo saber mais do que vai acontecer, porque cria ambientes e enredos entre as personagens muito cativantes, porque tem diálogos e pensamentos muito interessantes...



Só que, ao acabar o segundo livro fiquei com a sensação que estava como que a entrar no primeiro, e o que me pareceu é que, apesar das histórias serem completamente diferentes, o homem como que me voltou a contar a mesma coisa.

Se em "After Dark" era a irmã de Mari que passava a vida a dormir e entrava pelo espelho e de lá não conseguia sair. Em "Sputnik, meu amor" é a Sumire, aspirante a escritora, que desaparece, e os textos que deixa escritos no computador, e o sonho que relata com a mãe que já morreu há muitos anos. Ou quando Miu está na roda gigante a ver pelos binóculos o Fernando, que tem uma pila descomunal, e que está no seu quarto a agarrar o seu outro Eu...

E depois são estes romances, e se calhar hoje em dia é assim que se escreve (não sei, leio poucas coisas do século XXI), com finais completamente abertos, mas se calhar, digo eu, demasiado abertos que para a minha compreensão, pois aos meus olhos não chegam a lado algum, e em que, muitas vezes nada encaixa com nada, sem lógica nenhuma. Em Sputnik, meu amor, por exemplo, já o romance caminhava mesmo para o fim, o que é que interessou para a história o aparecimento da personagem Cenoura que é apanhado a roubar e se remete ao silêncio quando confrontado por K.?

Este tipo de escrita, apesar de muito interessante, tem mais ou menos o mesmo objetivo de duas equipas de futebol, que vão para um campo jogar à bola, mas sem qualquer intenção de fazer golos. Fazem jogadas espetaculares, mas quando se aproximam da grande área, voltam para trás, e recomeçam de novo. E quando faltarem cinco minutos para o jogo acabar, o árbitro interrompe o jogo, por uma razão qualquer, e os espetactores saem do estádio sem saber qual será o resultado final, simplesmente porque o jogo não se voltará a realizar!

domingo, 19 de maio de 2019

Alphaville é um bom nome para um Motel

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- Boa pergunta. Creio que foi o patrão que escolheu o nome. É preciso ver que os nomes dos love hotels não querem dizer nada. Afinal, trata-se de um local onde homens e mulheres se encontram para aquilo que toda a gente sabe. Tudo o que é preciso é uma cama e uma casa de banho. Toda a gente se está nas tintas para o nome, desde que lhes cheire a love ho. Porque perguntas?
- Ahphaville é o título de um dos meus filmes preferidos. De Jean-Luc Godard.
- Nunca ouvi falar.
- É um velho filme francês dos anos 60.
- Deve ser daí que vem o nome. Da próxima vez que estiver com o patrão, já lhe pergunto. Quer dizer o quê, Alphaville?
- É o nome de uma cidade imaginária do futuro - explica Mari. - Uma cidade algures na nossa galáxia. 
- Nesse caso, trata-se de um filme de ficção científica? Como A Guerra das Estrelas?
- Não, não tem nada que ver com A Guerra das Estrelas. A acção e os efeitos especiais são coisas que não existem. Como explicar? É um filme abstracto, mais conceptual. A preto e branco. Povoado de diálogos. Passa muito nos cinemas de arte e ensaio...
- Conceptual? E isso quer dizer o quê?
- Por exemplo, em Alphaville, as personagens que choram são presas e executadas em público.
Porquê?
Porque em Alphaville as pessoas não podem ter sentimentos profundos. Como tal, não existe amor. Assim como não há lugar para a ironia nem para a contradição. Tudo se resume a fórmulas matemáticas, de maneira concentracionária.
Kaoru franze a testa.
- Ironia?
- Ironia é quando as pessoas se observam a si mesmas e analisam os outros à luz de um olhar objetivo, para aí descobrirem o lado cómico e grotesto da coisa. 
A explicação de Mari deixa Kaoru pensativa.
- Não se pode dizer que compreenda lá muito bem - confessa ela. - Diz-me uma coisa: e em Alphaville, existe sexo?
- Sim, há sexo em Alphaville.
- Sexo não implica amor nem ironia. 
- É isso.
Divertida, Kaoru solta uma gargalhada.
- Pensando bem, Alphaville é um nome bem achado para um hotel de amor.   

After Dark - Os Passageiros da Noite / Haruki Murakami (2007)