domingo, 7 de janeiro de 2018

E Não deveria o Amor ser Sempre o mais Importante?

Estávamos junto ao Cais de Gaia a conversar dentro do carro. De repente a conversa derivou para a temática dos filhos. E talvez essa conversa não tivesse aparecido por acaso. Quando estamos apaixonados por alguém, especialmente há pouco tempo, e já não somos umas crianças, vamos analisando o outro, tentando perceber que terreno pisamos, com o que podemos contar. Creio que ela estava a ser mais analítica que eu, apesar de, como é lógico, também eu, ainda que de uma forma mais distraída fosse apreendendo que mulher era aquela que me abalou as estruturas. 

"Eu vou ter dois filhos", disse-me. Eu ouvi isto, não como um desejo muito grande da parte dela, mas como um facto. Eu sabia que ela só me estava a informar. Nesse momento uma grande tristeza abateu-se sobre mim e ela percebeu-o. Porque eu nunca quis ter filhos. E a determinada altura, ainda dentro do carro, abraçamo-nos. 

Lembro-me perfeitamente de conversarmos sempre de forma tranquila, e de lhe ter perguntado se ela afinal procurava um homem que a amasse ou se buscava um pai para os filhos dela. Claro que a resposta era óbvia: ela queria os dois. Mas para mim, não ter filhos é um duplo sentimento de amor, ainda que, se calhar, poucos o entendam. Antes de mais, e por maior ordem de importância, para mim, não querer ter filhos é um ato de amor pela mulher que amo. Depois, e só depois, porque a minha mulher teria de vir sempre em primeiro lugar, não colocar filhos neste mundo e nesta sociedade apocalíptica, seria um ato de amor por eles.

Mas é sempre tudo tão irónico... É tão irónico porque eu não deveria estar aqui a escrever. Muita coisa não era suposto ter acontecido, porque se tudo tivesse decorrido normalmente, eu hoje não estaria aqui neste mundo. Talvez não esteja mesmo. Talvez isto seja só uma realidade alternativa, de como seria o mundo destas pessoas a quem me dei, e como é que seria se eu tivesse nascido e vivido no meio delas. Se calhar só mesmo eu é que vejo esta realidade alternativa. Porque muitas vezes bem tento, mas parece que as pessoas me olham mas na realidade  não me vêem. É como se eu estivesse noutra dimensão, os visse e ouvisse mas não me vissem a mim, nem lhes pudesse tocar. 

Eu fui transplantado no tempo e fiquei a reviver estes momentos, ainda tão presentes, quando esta semana estive com um casal a degladiar-se, porque um dos dois quer ter muito pelo menos um filho, mesmo que não seja para já, mas o outro parece-me que, por sua vontade, nunca iria querer ter nenhum.
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E o que é que se faz quando num casal um quer ter filhos e o outro não quer? Cedências? Consensos? Mas como é que se cede ou se chega a um consenso nesta matéria? Ter filhos contra a vontade, ou ficar toda a vida frustrado sem filhos (quando se tem companheiro para os fazer) não é bem o mesmo que ir ver um filme que à partida se sabe que não se vai gostar, mas a que se vai só para fazer fazer a vontade do outro. Ter ou não ter um filho não é bem o mesmo que chegar a um acordo sobre se compramos um monovolume ou uma carrinha, se passamos a comprar açúcar amarelo em detrimento do branco. Esta questão dos filhos é um bocadinho mais complexa que isso.  

E sem dúvida que ninguém deveria ficar frustrado e triste por passar uma vida sem ter filhos. Tal como ninguém deveria sentir-se obrigado a ter filhos contra a sua própria vontade. E acho que ninguém pode dizer que uma posição é mais ou menos importante que a outra e acho que é sempre preciso respeitar-se a vontade do outro, ainda que se possa conversar muito a esse respeito e quem sabe, eventualmente, as pessoas possam chegar a um entendimento.

Na verdade eu não sei como é que um casal resolve essa questão sobre os filhos, quando um tem um desejo oposto ao outro. Mas o que eu sei, de certeza, é que o Amor vem sempre muito antes dos filhos. E não deveria o Amor ser sempre o mais importante?

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