Ler sobre "pecado" no livro "Anti Cristo" do filósofo Nietzsche, entre outras coisas, tais como a primeira (ou segunda?) namoradinha, muito loira de cabelos naturais (ainda mais que a outra primeira ou segunda) e que estudava num colégio de freiras e andava, aos quatorze anos, a ler o Anti Cristo e queria ir estudar artes para a Soares dos Reis, fez-me lembrar do dia em que pela primeira vez tive de ir ao padre confessar-me antes de fazer a primeira comunhão.
Aos oito anos eu era uma criança extremamente bem comportada, bom aluno, e que, mesmo olhando com os olhos castradores da Igreja, para quem quase tudo é pecado, dificilmente teriam algo com que me ameaçar como fogo do Inferno. Sim, nesse tempo ainda havia fogo do Inferno, entretanto é que a Igreja Católica veio dizer que já não há. Não sei que terá acontecido. Uma coisa é certa, certamente que não foi por falta de clientes que o Inferno fechou o tasco. Má administração também não creio, uma vez que certamente nenhuma empresa encontraria CEO mais ardiloso que Satanás! Talvez nunca ninguém descubra afinal porque diabo o Inferno fechou portas! Estou mesmo em crer que este será mais um dogma da religião católica, e como bem sabemos os dogmas não se questionam, assumem-me como boas ovelhas amestradas e pronto.
Agora não há Inferno mas no meu tempo de criança havia. E tínhamos de nos ir confessar pela primeira vez, depois de dois anos de catequese e antes de fazermos a Primeira Comunhão. E eu lá fui, pela primeira vez ao confessionário, falar com o Padre Alberto, que era careca e usava uns óculos de massa e lentes de fundo de garrafa retangulares.
"Abençoai-me senhor abade que eu não pequei" era o que lhe podia ter dito. E na verdade não lhe disse nada, tão simplesmente porque eu não tinha pecados para lhe confessar em segredo.
Mas como a Igreja não admite que uma criança de oito ano não tivesse pecados, de preferência deveria era ter muitos e cabeludos, vim para casa, com o recado que depois me deveria apresentar de novo ao senhor abade, a saber confessar-me devidamente.
Vistas bem as coisas e a esta distância, quem supostamente deveria dar formação sobre como é que uma criança se deve ou não confessar deveria ser o padre e não os pais. O padre é que deveria dar uma lista com todas as coisas que poderiam ser consideradas pecado e as outras (quase nenhumas!) que não o eram. Mas tudo bem. Não houve grande problema. Chegado a casa e depois de ter informado a minha mãe que tinha chumbado nessa prova de mostrar como tinha muitos pecados (acho até que só eu e outro é que "não nos soubemos confessar") a minha mãe rapidamente tratou de elaborar uma bela lista de coisas consideradas "pecado" aos olhos da igreja, para que então, quando me apresentasse de novo ao padre Alberto, já tivesse uma bela lista de pecados para ele ouvir e ver como de facto eu já me sabia confessar devidamente. A ironia disto tudo é que o padre, basicamente o que fez, foi instruir a minha mãe a ensinar-me a mentir-lhe. A religião é mesmo uma coisa linda não é?
Mas agora ainda há outra coisa muito engraçada. Se a Igreja Católica já decretou o fim do Inferno, e infelizmente quando morrer já não irei ser recebido no Inferno por nenhuma Diaba, de chifres, toda boa, que me receba para uma bela orgia - que chatice! - então, porque raio é que as pessoas continuam a ter de se confessar se já não há o risco de irem arder no fogo eterno? Se já não há qualquer temor que seja sobre ser castigado, então para quê continuar ir ao confessionário e a ter de rezar duas ou três Avé Marias para ser perdoado? É muito parvo não é? Acho que a malta lá do Vaticano se esqueceu deste pequeno pormenor...
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