"Pedro Tercero continuava a ser delgado, com o cabelo teso e os olhos tristes, mas ao mudar a voz adquiriu uma tonalidade rouca e apaixonada com a qual seria conhecido mais tarde, quando cantasse a revolução. Falava pouco e era escuro e rude no trato, mas terno e delicado com as mãos, tinha grandes dedos de artista com que esculpia, arrancava lamentos das cordas da guitarra e desenhava com a mesma facilidade com que segurava as rédeas de um cavalo, brandia um machado para cortar lenha ou guiava o arado. Era o único em Las Tres Marias que enfrentava o patrão. Seu pai, Pedro Segundo, disse-lhe mil vezes que não olhasse o patrão nos olhos, que não lhe respondesse, que não se metesse com ele, e no seu desejo de protegê-lo, chegou a dar-lhe grandes sovas para lhe baixar a grimpa. Mas o filho era rebelde. Aos dez anos já sabia tanto como a mestre-escola de Las Tres Marias e aos doze insistia em fazer a viagem ao liceu da povoação, a cavalo ou a pé, saindo da casinha de tijolos, às cinco da manhã, chovesse ou trovejasse. Leu e releu mil vezes os livros mágicos dos baús encantados do tio Marcos, e continuou alimentando-se com outros que lhe emprestavam os sindicalistas do bar e o padre José Dulce Maria, que também o ensinou a cultivar a sua habilidade natural para fazer versos e para traduzir em canções as suas ideias.
- Meu filho, a Santa Madre Igreja está à direita, mas Jesus esteve sempre à esquerda - dizia-lhe enigmaticamente entre dois golos de vinho de missa com que celebrava as visitas de Pedro Tercero.
Assim foi que um dia Esteban Trueba, que estava descansando no terraço depois do almoço, o ouviu cantar qualquer coisa de galinhas organizadas que se uniam para enfrentar o raposo e o venciam. Chamou-o.
- Quero ouvir-te. Canta, para ver! - ordenou-lhe.
Pedro Tercero pegou na guitarra com um gesto apaixonado, acomodou a perna numa cadeira e dedilhou as cordas. Ficou-se a olhar fixamente o patrão enquanto a sua voz de veludo se elevava apaixonada na calmaria da sesta. Esteban Trueba não era parvo e compreendeu o desafio.
- Aí está! Vejo que a coisa mais estúpida se pode dizer cantando - grunhiu. - Aprende a cantar canções de amor!
- Eu gosto patrão. A união faz a força, como diz o padre José Dulce Maria. Se as galinhas podem enfrentar o raposo, o que detém os homens?
A Casa dos Espíritos / Isabel Allende / 1982
A Casa dos Espíritos / Isabel Allende / 1982
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