sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Telemóveis só para Maiores de 18 Anos

Esta semana, um bocadinho escondido da comunicação social, PS e PSD chumbaram um projeto lei do Bloco de Esquerda que pretendia proibir os telemóveis no recreio das escolas até ao sexto ano. 

Como é sabido, dizem os estudos que esta é a primeira geração mais burra do que a dos pais, o que também significa que os pais atuais foram os mais burros de sempre a educar os filhos. E, um pouco por todo o lado há pessoas a exigir que os telemóveis sejam proibidos nos recreios das escolas, porque as crianças vão para as escolas para aprender mas também porque estão em idade de brincar e conviver com as restantes crianças e adolescentes.

Mas curiosamente, se por cá PS e PSD chumbam uma lei que pretendia proteger os jovens da influência nefasta dos telecrãs, nem de propósito, hoje, no El País, saiu um artigo dum especialista em suicídio infantil que pede para que os telemóveis sejam proibidos, pelo menos até aos 16 anos. 

É ler porque de facto é assustador:


"Nos últimos anos, perante a pergunta de como é possível que um menor chegue ao extremo de decidir acabar com sua própria vida, de forma crescente tem aparecido a influência dos telemóveis. Não, os telemóveis não inventaram o suicídio, não são responsáveis por ele existir. Mas, na infância e adolescência, sim, parecem ser, em parte, um dos fatores responsáveis pelo seu aumento, do mal-estar dos adolescentes, das novas violências a que se vêem expostos e, também, e muito importante, da perda de ferramentas para enfrentar a vida. Assim, enquanto a prevenção do suicídio consiste em dotar os menores de estratégias para fazer do mundo um lugar habitável, a muitos deles os telemóveis retiram-lhes as ferramentas. E esta é, a meu ver, a causa oculta.

No meu consultório, tenho ouvido esses meninos e meninas com atenção. Referem situações de cyberbullying, agressões sexuais agravadas com a humilhação de serem gravadas e compartilhadas, a influência que exercem sobre eles a infinidade de perfis nas redes sociais que incentivam o suicídio. Surgiu outra realidade mais profunda: agora chegam com maiores sentimentos de vazio, com uma atitude totalmente passiva perante o mundo, incapazes de fazer propostas às suas situações, esperando uma espécie de solução mágica externa, falta de vontade de viver, de fome de experiências novas, saturados de fogos de artifício sem sentido, sem conteúdo, sem narrativa.


Parte das causas já foram descritas em estudos científicos e em ensaios. A leitura da "Fábrica de cretinos digitais" de Michel Desmuget - Doutor em neurociência e diretor do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica de França—, abriu para mim mais de 1.082 referências bibliográficas que lançaram luz sobre o meu dia a dia. Um relatório (aumento dos sintomas depressivos nos resultados relacionados ao suicídio entre adolescentes americanos), com dados de meio milhão de adolescentes entre 13 e 18 anos, liderado por Jean M. T Onsenge, Psicólogo da Universidade de San Diego, concluiu que os adolescentes que passam mais tempo nos telecrãs têm mais probabilidade de desenvolver problemas de saúde mental significativos do que aqueles que se dedicam mais a outras atividades.


A maioria (57%) das adolescentes dos EUA relatam ter sentimentos de desesperança e tristeza (Center for Disease Control and Prevention, 2021). A prevalência da ideação suicida tem aumentado nos EUA entre 2008 e 2019, passando de 9,2% para 18%, segundo vários estudos


Como os tetecrãs afetam os mais novos? Alguns apresentam atrasos no seu neurodesenvolvimento, como detectou a Associació Catalana de Llars d'Infants, a associação mais importante de creches privadas da Catalunha, numa investigação desenvolvida entre 110 creches e publicada em 13 de outubro. 80% das escolas estudadas detectaram uma correlação entre o número de crianças com um nível de atraso global e sua superexposição aos ecrãs, aumentando a cada ano. Quero destacar que quando os pais, alertados por estes centros, retiram aos seus filhos os ecrãs (para comer, no carro.), estes melhoram, segundo esta investigação. Ou seja, se for corrigido em breve, o dano é minimizado.

O tempo de telecrã pode afetar a capacidade das crianças de se desenvolverem de maneira ideal, confirma um estudo (associação entre o tempo de telecrã e o desempenho das crianças na avaliação do seu desenvolvimento) com dados de 2500 menores de um ano a um ano e meio publicado pela revista médica americana JAMA.


Sete em cada 10 crianças espanholas entre 6 e 12 anos comem com um ecrã ou um dispositivo tátil na frente, segundo dados de 2016 da Sociedade Espanhola de Pediatria extra —hospitalar e atenção primária, que destaca os problemas alimentares e obesidade que isso acarreta. Pela minha experiência, os processos internos de negociação, de gestão emocional, de tolerância à frustração que está tendo que pôr em prática uma criança que está sentada diante de um prato —sem querer estar lá— e seguindo a indicação de um adulto são essenciais para a vida adulta. Sem falar da importância de estar consciente do próprio ato da alimentação, e da capacidade narrativa das pequenas coisas, uma atividade com um início, um desenvolvimento e um fim. Escusado será dizer que tem a tolerância à espera, que em terapia requer um processo de treinamento em que a criança é colocada uns tempos de espera que aumentam progressivamente, primeiro treinando para aguentar 5 minutos, depois 10 Sim, há coisas que temos que treinar, e que melhor treinamento do que tempo de espera de uma viagem de carro ou de transporte público, aqueles "quando chegamos?, quanto falta?" sem fim.


Não, o telecrã não é um recurso para a criança comer, nem para a criança se divertir numa viagem de carro, o telecrã é uma interferência no desenvolvimento dos próprios recursos para tolerar a vida quotidiana. O mesmo acontece com o tédio, grande fonte de imaginação e motor da criatividade. O telecrã não é um recurso para que a criança não fique entediada, é a melhor maneira de incapacitar o desenvolvimento de seus próprios recursos e o maior inimigo da imaginação.



A incorporação de um elemento tão poderoso quanto os telecrãs na vida dos nossos sdolescentes foi realizada sem questionamento, sem a pergunta elementar: para quê? Alguém ingénuo e bem pensado poderia acreditar que as bigtech estão numa disputa desmedida entre elas, que competem pelo excedente comportamental na era do capitalismo da vigilância que nos aponta a socióloga Americana Shoshana Zuboff. Que o fazem a tal velocidade que os impede de fazer estudos para analisar as consequências de suas inovações. 


No valor da atenção (Península, 2023), o divulgador Escocês Johann Hari entrevistou importantes desenvolvedores de Silicon Valley que foram incapazes de continuar no negócio. Alguns até enfrentaram os 0seus companheiros. Mas eles enganaram-se novamente, eles não estavam enfrentando isso, eles estavam culpando o que estavam fazendo, seu eu do passado.


Steve Jobs proibia os telecrãs aos seus filhos, segundo contou ao jornalista do The New York Times Nick Bilton. Também é de domínio público que, em muitas escolas de Silicon Valley, os menores têm acesso a quadros de ardósia e giz e não telecrãs. Não parece muito ético fazer negócios com algo que cada vez mais estudos afirmam que pode causar danos às crianças. Tampouco o é justificar-se culpando os outros pais, tachando-os de irresponsáveis, ignorantes e incompetentes, numa espécie de argumento lógico/sinistro como "eu protejo os meus, que os demais protejam os seus".


Não há nada mais simples do que considerar os dispositivos uma coisa simples. Subestimar seu reconhecido poder e seu potencial de penetração e interferência em diferentes âmbitos do ser humano. Não, os ecrãs não são uma explicação simples para o aumento do desconforto detectado nos nossos menores. Como vimos, eles interferem no desenvolvimento das suas capacidades durante a primeira infância e adolescência. E a esses menores com menos recursos para poder enfrentar a vida submetemo-los a riscos incomensuráveis, expomo-los a imagens de êxitos inatingíveis, à comparação constante, à propaganda e à manipulação de grupos radicais, com exposições precoces a cenas de violência e de sexo, ou de ambas ao mesmo tempo, com maior risco de perpetrar violência contra os outros e contra si mesmos, e com maior tendência a expor-se a situações de vitimização.


A adolescência é uma fase difícil e isso não parece que vai mudar, evolutivamente tem que ser assim. Mas agora a evidência científica também relaciona o aumento desmesurado desse mal-estar com o abuso dos ecrãs. E o óbvio é que não estamos a responder como devíamos. É sangrento que continuemos deixando ou desejando passivamente que se regule sozinho. Mas quando as horas que nossos menores passam diante dos ecrãs não param de aumentar (a pandemia desempenhou o seu papel nessa tendência), estimando-se em nove horas diárias em menores de 11 a 14 anos nos Estados Unidos e em três horas diárias em menores de dois anos.


O mesmo vale para a idade de acesso ao primeiro dispositivo, que em alguns ambientes acontece cada vez mais cedo. Muitos menores recebem como presente de comunhão (nove anos). Uma pesquisa online da empresa de pesquisa GAD3 estimou que 20% as crianças espanholas menores de 10 anos têm telemóvel. 


Simples são os argumentos que foram usados para ceder aos nossos filhos. Como, por exemplo, que ecrãs são, ou podem ser, um recurso para crianças e adolescentes, que vão precisar deles para progredir. Esta afirmação não pode ser mais atrativa para os pais, mas a infância e a adolescência são duas etapas de desenvolvimento contínuo da pessoa nas quais são muito mais importantes as oportunidades para desenvolver os próprios recursos do que os recursos externos. Qualquer ajuda ou recurso que pretenda facilitar os desafios próprios da infância ou da adolescência pode ter o grave potencial de incapacitar a pessoa para o desenvolvimento dessa capacidade. Em que momento se pensou que o grande inimigo da aprendizagem, a distração, pode melhorar o desempenho académico? Que a melhor maneira de aprender é não estar ciente do processo de aprendizagem? Como vou saber lidar com a próxima aprendizagem?


No campo das Relações, o funcionamento é exatamente o mesmo. Eles venderam-nos os ecrãs como um recurso para socializar e relacionar-se. Além disso, eles têm a capacidade de dizer que quando estamos a olhar para um ecrã, estamos conectados. Outra obra brilhante da engenharia da publicidade. Acontece que quando eu perco de vista os meus pais durante a infância, quando perco de vista os meus irmãos e amigos, quando a ponta do meu dedo toca um telecrã frio, estou mais conectado do que quando toco outras mãos, uma pele. Estou mais conectado quando olho para um telacrã do que quando cruzo um olhar. Não, na infância e adolescência, os ecrãs não favorecem a comunicação, nem a amizade, nem as relações familiares.


Graças à coragem dos diretores de várias escolas, observamos que a única coisa que acontece quando tiras o telemóvel de um grupo de menores é que a vida abre caminho, e a interação, o movimento e o conflito visível brotam com força. Durante a infância e adolescência, todo o tempo gasto a olhar para um telecrã é tempo perdido de oportunidade de desenvolvimento de capacidades sociais, de perda de desenvolvimento empático.


Existe uma maneira de prevenir o suicídio na infância e adolescência que precisa de poucos recursos. A melhor intervenção, do meu ponto de vista, não é outra senão a proibição dos telemóveis até aos 16 anos, com uma regulamentação de uso restritiva entre os 16 e os 18. 


Uma criança antes dos seis anos nunca deve ter acesso a um ecrã e, a partir dessa idade, uma exposição máxima de meia hora por dia. Nunca antes de ir para a escola, nunca pelo menos duas horas antes de dormir, nunca em modo multitarefa (comer, viajar, fazer as tarefas...). Da minha parte, limpei minha casa de telacrãs que estavam disponíveis para que meus filhos pudessem ver. A Patrulha Pata em inglês com o argumento de que eles fizeram ouvido. Quão errado eu estava.


(Este é um texto escrito para 'Ideas' pelo psicólogo clínico Francisco Villar , para o lançamento do seu livro "Como os telecrãs devoram os nossos filhos", que será publicado no próximo dia 31 de outubro. Villar está há 10 anos coordenando o Programa de atenção ao comportamento Suicida do Menor no hospital Sant Joan de Déu, em Barcelona. Antes publicou "Morrer antes do suicídio. Prevenção na adolescência")


quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Starlet Trip 2023: Mais de 2 Mil Km Numa Semana a Conduzir um Chaço de 27 Anos


Pá, e se eu levasse o novo chaço velho, de 27 anos, nas férias para fazer mais de dois mil quilómetros e visitar cerca de vinte cidades? Vamos a isso!

No dia anterior fui ao cinema ver O Colar de São Cajó. Tinha estreado no início de agosto, mas fui adiando e, ou era agora, ou não era mais, porque o filme já estava a sair de cartaz e no grande Porto já só estava disponível na Maia. E, de facto, percebi que o cinema tem agora, como se diz, muito mais adeptos. Estavam comigo quatro pessoas na sala!

Saí relativamente cedo de casa e com a mala cheia de tralha! Primeira paragem Pateira e depois segui para Viseu e, entre outras coisas visitei o Museu Grão Vasco, Parque Aquilino Ribeiro, Mata do Fontelo, mas só um bocadinho porque aquilo é imenso! (ficará para outra oportunidade para ver mais em detalhe)


No segundo dia andei por Belmonte e Trancoso a seguir as pisadas dos judeus sefarditas... De manhã por Belmonte e visitei uma porrada de coisas com um bilhete único: Castelo de Belmonte, Museu Judaico e judiaria, Museu das Descobertas (estamos na terra de Pedro Álvares Cabral), Ecomuseu e quando cheguei ainda passei pela Torre Centum Cellas que, no entanto, já sabia que estava em obras, mas que, ao vivo pode ser só impressão minha, mas parece bem mais pequena que nas fotografias.

Depois de Almoço Rumei a Trancoso. Passei pelo Centro de Interpretação Judaica, Casa do Bandarra, Casa do Gato Preto, Casa de Judá. No Centro de Interpretação Judaica deram-me a indicação duma necrópole que ficava a 7Km, em Moreira de Rei, e que por lá haveria festa e "sardinha doce" (seja isso lá o que for). Lá chegado a edilidade ali estava, de microfone na mão, a fazer um qualquer discurso. Inaugurava-se o posto de turismo local. Várias pessoas de livros na mão, talvez para autografar. Minutos depois, no posto de turismo, chega uma simpática senhora, que parecia ter ali caído de paraquedas e quase não sabia indicar a tal necrópole. Apontou e lá segui nessa direção para ver a maior necrópole da Península Ibérica. 


O terceiro dia sofreu uma pequena alteração, porque, em vez de ir a Vilar Formoso tive que saltar para a Guarda visto que o museu junto da fronteira está fechado ao domingo. Fica também para outra oportunidade. Na Guarda uma pequena caminhada pela judiaria, mas antes, no posto de turismo, uma discussão sobre religião que estava a ficar um pouco quente com as minhas opiniões polémicas! 

Deixei a Guarda e rumei a Castelo Branco, quase exclusivamente só para visitar o Jardim do Paço Episcopal, jardim que, já por diversas vezes estive para visitar mas, por este ou por aquele motivo acabou por não acontecer. Depois farei uma publicação no Bucólico-Anónimo. 


Muitos quilómetros me esperavam pela frente. Saí de Almeida, parei na Guarda, acabava de visitar o Jardim do Paço Episcopal mas o destino era Elvas. Mas antes ainda queria parar em Nisa e haveria também de parar em Portalegre. 

Em Nisa fiz uma pequena visita de médico. Localidade que, pelo menos aquela hora, quase parecia deserta e não se avistava viva alma. 


Em Portalegre só deu mesmo tempo para uma paragem estratégica para esticar as pernas e ver o movimento na cidade à medida que a noite ia chegando. Este é o plátano do Rossio, na avenida da Liberdade:


Já caía a noite quando cheguei a Elvas. Instalei-me e fui jantar à Praça da República com vista para a Igreja. Mas o que mais me surpreendeu foi chegar a uma cidade que tem um enorme parque de estacionamento Público e gratuito! Já eu em Gondomar, seja para ir às Finanças, à Segurança Social ou à Biblioteca tenho que pagar. Considero abjeta a forma como se está a privatizar todo espaço público, porque, infelizmente, o dinheiro que deixamos nos parquímetros não vai para o Estado para ser investido na causa pública, no bem de todos, não!, vai sim para o bolso dum empresário.

Voltando a Elvas, na manhã seguinte acordei, quase tive que vender o cu para pagar a torrada que comi ao pequeno-almoço e depois fui caminhar pelo centro histórico.


De seguida atravessei a fronteira e enchi o pequeno depósito do Toyota Starlet 1.5D na GALP. E não deixa de ser curioso, em Portugal, a GALP que era uma empresa pública antes de ter sido privatizada pelo PS, é das mais caras, ironicamente, já do lado espanhol é das mais baratas. Abasteci a 1,70€, cerca de 20 cêntimos mais barato do que a média em Portugal.

Cheguei a Badajoz e arranjar estacionamento foi mais difícil do que pensava, mas, com calma lá arranjei estacionamento na rua e de borla. 

Nesta primeira cidade espanhola passei pelo Parque de Castela e Puerta de Palmas, visitei o espetacular MUBA (Museu de Belas Artes), o Museu Arqueológico (um bocadinho de forma apressada porque fechavam às 15h) e passeei pela Plaza Alta de Badajoz... 

E de Badajoz fui para Mérida. E a verdade é que, já nem me lembrava que Augusta Emerita era, no tempo dos romanos a capital da Lusitânia, que incluía quase todo o território atual de Portugal, ali abaixo do rio Douro. 


Em Mérida comecei por parar perto de um parque onde se pode ver o Acueducto de los Milagros, um aqueduto romano construído no século I. Muito fácil de encontrar, aliás, acho que foi o aqueduto que me encontrou a mim!, vi-o e dirigi-me para o parque. Depois de me esticar na erva do parque dirigi-me ao Museu Nacional Romano onde paguei 3€ pela entrada. 


Em Mérida comprei também um bilhete por 16€ que permite a visita a uma data de coisas romanas: Teatro, Anfiteatro, Alcazaba, Casa del Mitreo, Columbarios Cripta de Santa Eulália e Circo Casa del Anfiteatro, Templo de Diana, Área Arqueológica de Moreira, Templo de Culto Imperial.  

E, se em Elvas fui xulado ao pequeno-almoço, já em Mérida estive no Cafe Joplin, um espaço todo decorado com artistas do rock (o nome vem de Janis Joplin) comi umas belas tostadas com queijo e sumos e foi bem barato.


Depois de um dia em Mérida rumei a Sevilha para uma viagem de cerca de duas horas em autoestrada gratuita (como gratuitas foram todas as autoestradas que utilizei em Espanha). E quase no início de Outubro apanhei 37º de temperaturas. 

O quartel general ficou situado em Dos Hermanas, a sul do centro de Sevilha e a cerca de 15min do parque Maria Luísa, relativamente perto do centro da cidade e onde estrategicamente tinha pensado deixar o carro porque, com alguma paciência, arranja-se estacionamento gratuito na rua. 

Cheguei a Sevilha depois de almoço e com fome. O telecrã indicou-me que havia um centro comercial perto do alojamento e tratei de para lá me deslocar. Mas só vi roupa e calçado (a bons preços diga-se. Os gajos ganham mais do que nós e ainda têm as coisas mais baratas). A única coisa que havia era Mac Donalds e Burger King. E pronto, como a barriga vazia não se olha ao fast food, lá entrei no Burger King como um selvagem que acaba de chegar à cidade, na companhia de outra selvagem, diga-se! 

A menina foi simpática e teve toda a paciência para me ouvir e até me aconselhou na escolha. E depois explicou-me como é que, com o código de barras da fatura, lá encostava na maquineta e enchia o copo com a bebida. Maravilhoso admirável mundo novo!

O alojamento foi outra experiência, daquelas que, por norma, as pessoas pagam para viver. Mas eu só paguei mesmo os 90€ por duas noites. Situado no meio do nada, onde não há restaurantes e onde se chega por uma estrada toda esburacada e em pouco mais do que terra batida. O edifício parece uma antiga quinta, bastante espaçoso, com um grande parque, salas com beliches e nas traseiras pareceu-me ver bacias com roupa para lavar. 

Chamei-lhe "A Sanzala"! E, nem de propósito, a responsável era uma preta, já com uns quilitos a mais mas com paciência de menos. Espetava-me o telecrã junto à cara, como quem diz "fala para aí que isto traduz a ver se percebo o que tu dizes" e parecia preferir que eu falasse em inglês, ainda que eu percebesse quase tudo que ela dizia. E era tudo muito em cima do joelho, apontado no papel o meu nome e a identificação. Tudo ao contrário dos novos alojamentos em que muitas vezes nem sequer contactamos com humanos e temos que fazer uma verdadeira caça ao tesouro para conseguir o código que irá abrir a porta. A responsável da "Sanzala" lá me explicou que se chegasse depois das 22h tinha que pagar 5€ pela chave, que depois me seriam devolvidos, mas mais à frente mostrou-me um esquema em como era possível abrir o portão do parque e esgueirar-me para a habitation.

Um homem simpático que por ali andava, creio que mais novo do que eu, talvez de algum país da América do Sul, e que esclarecia que não era empregado mas que vivia por ali (companheiro da responsável da Sanzala?), mais do que uma vez falou-me da sorte que eu tinha, pois tinha ficado na melhor habitation porque tinha wc privativo e televisão. E é verdade, pelo menos a televisão era um enorme luxo que deu imenso jeito para ficar sempre desligada enquanto lá estive!

O quarto tinha enormes janelas, como imagino que todas as fazendas de escravos tenham. Eu pus-me logo à vontade, ainda não estava nu como um selvagem mas quase, e percebi que acendendo a luz do quarto, e ainda para mais porque estava no rés-do-chão se iria ver tudo para dentro. E então preparei-me para começar a fechar a persiana, eis que alguém de fora que estava ali encostado me surpreende, falando e disponibilizando-se que me ajudar! A coisa ficou ainda um pouco mais estranha quando o ouvi descontraidamente a peidar-se ruidosamente enquanto fumava!

A Sanzala era uma enorme fazenda, um enorme casarão que poderia ter sido uma fazenda de antigos escravos. Tinha uma cozinha enorme, espaçosa, comunitária, ótima para eu fazer o pequeno-almoço e aquecer a lanhasa que tinha trazido do hipermercado, no tal hipermercado em que um senhor a quem perguntei onde estava o queijo não percebeu porque para "queso" vai uma diferença do caralho e exclamou: "Ah, cheese"! Sim, em Espanha devo ter passado por ser de muitas nacionalidades diferentes, quer-me é parecer que nenhum espanhol « diria que eu afinal era... português!

Dois dias em Sevilha não dá para grande coisa numa cidade que tem mais habitantes do que Lisboa e que em qualquer recanto tem algo para ver. Há por isso que fazer escolhas. 

Andei pelo enorme parque Maria Luísa onde até visitei um museu de artes e costumes, e vi a imponente Plaza de España, andei pelos enormes jardins do Real Alcazar, caminhei junto ao rio e vi a Torre del Oro, visitei o Palácio Condessa Lebrija e claro, dei uma vista de olhos à catedral e à torre a que chamam Giralda. E ainda por aquela construção contemporânea a que deram o nome de Setas de Sevilha, e ainda visitei um centro de flamenco mas achei que não valorizaria ir ao espetáculo... Pelo meio ainda alimentei patos e gansos com aquelas bolachas feitas de esferovite que comprei para petiscar mas que são simplesmente horríveis. Só mesmo as aves e os meus colega de trabalho é gostam daquilo!

Plaza de España:

Parque Maria Luísa:


Palacio Condessa Lebrija:


Catedral e Giralda, Palacio, As Setas e Torre del Oro:

Real Alcazar:


Depois de Sevilha comecei a dirigir-me para sul para reentrar em Portugal por Vila Real de Santo António. Atestei o depósito em Ayamonte e passei por Faro para rever o Palácio de Estoi mas naquele dia o privado que abriu a pestana e que gere aquele espaço não deixava visitar. Revisitei a capela dos ossos de Silves e, ao fim da tarde, fui fazer aquele passeiozinho turístico de barco até às grutas de Benagil.  

Depois subi até Évora, onde visitei a Capela dos Ossos e o Templo Romano. E a viagem já estava no último dia e só haveria de fazer mais uma parecem, no castelo de Porto de Mós, antes de regressar à minha caverna.

Évora:


Antes de chegar ainda carreguei na mala do Stalet uma porta para o carro, porque a do lado do condutor está um bocado podre! Lá tive que retirar os sacos para fora e tentar conseguir acondicioná-la da melhor maneira, a ver se cabia, mas veio e chegou inteira! 

Foram 2100Km em sete dias. Um bom teste ao chaço que está comigo há um ano, e que quando cheguei passou os 300 mil Km. Sempre que andei em auto-estrada, e foram muitos quilómetros, nunca devo ter passado os 100Km/h porque há que saber o carro que temos. E não raras vezes ia a conduzir e botava um olho na estrada e outro no indicador de temperatura do quadrante!

Tirando um ou outro pormenor, o importante é que correu tudo bem. 


terça-feira, 17 de outubro de 2023

Estátuas que Dizem Coisas

 Há estátuas que parecem dizer coisas.

Esta, por exemplo, parece dizer:

"Olha que chatice, parece que estou a ficar com as nádegas descaídas"!

domingo, 15 de outubro de 2023

Boa Parte das Pessoas que Amam Deus Odeiam Humanos


 

Em junho de 1973, em um jantar de Estado feito na visita de Willy Brandt a Jerusalém, a primeira-ministra de Israel, Golda Meir, fez esse discurso:

“Deixe-me dizer uma coisa que nós, israelitas, temos contra Moisés. Ele vagueou conosco pelo deserto durante 40 anos apenas para nos trazer para o único lugar do Oriente Médio que não tem petróleo.”


De fato, aquela região não tem petróleo, o que é um azar e uma bênção. Um azar porque o petróleo vale dinheiro, e uma bênção porque o petróleo está na origem de várias guerras. Não tantas, no entanto, como o produto em que aquela região é rica: o amor a Deus.


Tenho visto que boa parte das pessoas que amam Deus odeiam os seres humanos. Tendo em conta que foi Deus que criou os seres humanos, isso é como ser devoto do Mcdonald’s e odiar hambúrgueres.


Jerusalém é território sagrado de judeus, cristãos e muçulmanos. Amam a terra, odeiam-se mutuamente. Adoram pedras, abominam pessoas.


Às vezes, mesmo as pessoas que amam o mesmo Deus não se entendem. Ou seja, uns odeiam por acharem que os outros amam o deus errado, mas também há quem odeie por acreditar que os outros amam o deus certo da forma errada. Entre os que acreditam em Alá, os sunitas não se entendem com os xiitas. Há vários tipos de cristãos, todos convencidos de que a sua é a única fé.


A divergência não precisa ser grande. O grande cisma se deu porque a Igreja Católica Apostólica Romana e a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa discordam em uma palavra a menos no credo e um ingrediente a mais no pão. Uns rezam que o Espírito Santo procede do Pai, os outros rezam que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho. Uns acham que a hóstia deve levar fermento, os outros acham isso impensável. Foi esse o motivo do divórcio, em 1054. Passaram quase mil anos, mas eles continuam sem chegar a um consenso. E o horror em nome de Deus vai prosseguindo, como voltou a acontecer nestas semanas.


Imagino que Deus, existindo, esteja muito orgulhoso de tudo isso. Que pai não gostaria que os seus filhos se chacinassem mutuamente para decidir quem o ama mais e melhor?


Confesso que, quando observo o fanatismo desses crentes, me sinto satisfeito de ser ateu. Até porque, de certo modo, contribuo com a paz. Uma das poucas coisas que todos os fanáticos concordam é: eles, sem exceção, me odeiam também.


Texto de Ricardo Araújo Pereira, publicado na Folha de São em 15 de Outubro de 2023

Só as Obras de Arte se Vão Salvar

 


sábado, 14 de outubro de 2023

O Melhor Nome do Aeroporto



Chefe, um idiota qualquer deu o nome de aeroporto de Pedras Rubras a um aeroporto que fica situado em Pedras Rubras. Precisamos urgentemente de mudar o nome a isto. Que sugere? 

Cavaco Silva: que melhor nome de aeroporto que o nome dum gajo que morreu de acidente de avião?

Entretanto na Madeira quiseram fazer ainda melhor e deram o nome ao Aeroporto da Madeira dum violador e ladrão que dá uns pontapés na bola. Ainda assim acho que Cavaco consegue manter o primeiro lugar. Dar o nome dum gajo que morreu de acidente de avião a um aeroporto não lembraria nem ao Diabo! 

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Really Beautiful But Fucking Insane

 Na Livraria Lello. 

Nunca lá entrei para comprar livros quando ninguém lá ia para tirar fotografias. E fui lá hoje quando toda a gente lá quer ir tirar fotografias para exibir na rede social porque é a livraria "mais do bonita do mundo" e a escadaria e o Harry Potter e mais não sei o quê. 

Uma turista dizia para o companheiro: "t's really beautiful but fucking insane".

E é verdade. Clautrofobicamente insane. Stressante. Corredores apertados apinhados de gente. Livros que é preciso vender o cu para se poder trazer alguma coisa para casa. Edições muito bonitas, é verdade, de livros bastante conhecidos como o Ana Karenina ou o Principezinho, em várias línguas, mais os livrinhos dos mais belos sítios de Portugal para a compra de impulso do turista. Mas é impossível comprar alguma coisa por menos de 15€, tal como em qualquer outra livraria do país.

90% das pessoas que lá entram, provavelmente 95% estrangeiros, não compram livros. Entram, fotografam em quinhentas poses diferentes a fazer beicinho e saem. Ao menos dizer bem da organização cá fora. Achei aquilo muito bem organizado ainda que, me pareça que deixam entrar muito mais pessoas do que o espaço realmente permite para que seja minimamente confortável estar lá dentro. 

E já que ali fui e tive que gastar 8€ só para entrar, então aproveitei, ou perdi a cabeça, e comprei um livro que há mto alguém me tinha sugerido no falecido Twitter: Massa e Poder e Elias Canetti. 

Para Resolver o Problema da Habitação em Portugal "É Preciso Construir Mais Casas"!


 Os políticos e comentadores políticos tratam-nos como idiotas, como se fôssemos incapazes de pensar.

Diz-se correntemente que somos um país de velhos. Cada vez há menos crianças, as escolas encerram portas. Teorias catastróficas dizem que por este andar em 2050 seremos só quatro ou cinco milhões porque os casais não querem ter filhos.

Somos portanto cada vez menos mas cada vez há mais falta de casas! É o milagre do desaparecimento das habitações!

E perante este flagelo da falta de casas - direito consagrado na constituição - casas que foram todas ou compradas por estrangeiros ricos ou transformadas em alojamentos locais pela classe média, vêm agora tentar atirar areia para os olhos das pessoas afirmando que o problema foi não se terem construído mais casas!

Imagino como se viverá nos países nórdicos onde é proibido construir novas casas porque tem é que se restaurar as que já existem! O nosso problema não é a falta de casas. O nosso problema foi termos permitido que se comprassem ruas inteiras, que se despejassem as pessoas para fora das suas cidades, inflacionando os preços de forma absurdamente especulativa. As casas devem ser para as pessoas viverem, e não para servir de teto aos turistas e enriquecer quem já tem onde viver faustosamente. 

E não são precisas novas casas, é preciso sim mas é que se restaurem as que estão a cair de podres.

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Estátuas Pornográficas no Cu dos Outros

Só para relembrar. Rui Moreira, o ex-comentador da bola que os portuenses escolheram para último presidente de câmara municipal do Porto, expulsou os feirantes da Feira da Vandoma para fora da cidade; ter mandado a polícia expulsar os sem abrigo; acabou com o Museu Romântico; despreza a maior e verdadeira casa da música da Europa, o STOP, onde ensaiam 500 bandas - porque parece-me evidente que o problema não é o risco do edifício, mas sim a especulação imobiliária e o apetite voraz pelo local onde o antigo centro comercial se encontra; impôs altas taxas (que podem chegar aos 700€) aos artistas de rua. E por fim, e não menos ridículo:  meteu-se com a estátua do Camilo! 




Rui Moreira meteu-se com a estátua de Camilo porque parece que uma enorme onda de indignação de bons cidadãos, zeladores da moral e dos bons costumes do Porto, umas incríveis trinte e tal pessoas, queriam a remoção da estátua de Camilo que está colocada junto à cadeia da relação porque é "pornográfica"! Aliás, isso facilmente se comprova pois sempre que lá passo são dezenas as pessoas que para ali vão para se masturbar, dado o alto nível de excitação que a estátua espoleta!

Porque o significado de pornográfico é esse: "provocar excitação sexual".  E então o atual presidente da câmara do Porto decidiu retirá-la e ponto final. Porque ele é que manda, ele é que é o "presidente da junta"! Verdadeira chatice foi que no dia seguinte já existia uma petição de mais de oito mil pessoas, certamente todas taradas, na defesa da permanência da mesma estátua do escritor.

Curiosamente hoje andei de novo pelos Jardins de Nova Sintra e estive de novo junto à estátua que a câmara ali colocou, ironicamente a mando de Rui de Moreira em 2017.

Ponho-me a olhar para a estátua e penso: então mas esta estátua, de uma jovem de mamas durinhas e arrebitadas a apontar para o céu já não é pornográfica?

O problema é que Para Rui Moreira umas nádegas são pornográficas porque a estátua foi mandada colocar no mandato do presidente da câmara anterior. Já estas novas mamas, descaradamente ao léu, ali a apanhar frio e sem o aconchego de Camilo, e sujeita como diria Marcelo, a apanhar uma pneumonia  já está tudo bem porque foi adjudicada diretamente por si e pelos seus. 

Até para ser estátua é preciso ter sorte e estátuas pornográficas no cu dos outros é refresco. 

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

A Discriminação Está na Cara

No to discrimination - Wanida Rangcakanok


Por estes dias o Daniel Oliveira escrevia sobre como as cidades cada vez mais, expulsam os pobres que delas não não podem usufruir, e não só na questão da habitação, mas em coisas tão banais como a retirada de bancos em favor das esplanadas:

 "Quando veio a pandemia, foram removidos os bancos e mesas da Praça Paiva Couceiro, em Lisboa, um ponto de encontro para conversas e jogatinas, onde se cruzam jovens, velhos, locais, imigrantes, famílias. Natural. Mas depois, só regressaram 16 dos 48 bancos, não permitindo o uso intenso que tinha. Um grupo de jovens pegou em cadeiras e pôs na praça. Mostrando como há uma relação entre o desrespeito pelo direito ao usufruto do espaço público e o desprezo pela democracia, a Junta da Penha de França, que é PS, chamou a polícia para pôr fim àquele protesto não autorizado. Na última década, multiplicaram-se as esplanadas em Lisboa. É bom, mas temos de garantir que todos têm acesso ao espaço público sem ter de gastar. Com a explosão do turismo, os preços tornaram-se proibitivos nas zonas mais atrativas. Assim dita o mercado e tem de haver espaços livres de mercado. O espaço só é público se não tiver consumo mínimo. Se lá puderem ir os pobres, os ricos e os remediados e, dentro das regras de convivência e da lei, darem-lhe o uso que entenderem. Não é só sendo expulso de casa, com a crise da habitação, que se é expulso da cidade. Também é sendo expulso da rua."

Talvez isso me tenha deixado mais alerta. Reparei nisso nesta semana que passou em que andei a visitar várias cidades. Em Sevilha, com tanto turista de um lado para o outro, reparei que junto à catedral não havia grandes bancos e era ver as pessoas todas sentadas (eu incluído) nos grandes vasos de cimento. Uma família de asiáticos acercou-se do sítio onde eu estava e uma senhora idosa senta-se ao meu lado. Mas o vaso não era lá muito confortável e preferiu ir sentar-se no seu banquinho preto portátil que tinha às costas. Talvez este seja o futuro. Cidades sem bancos, e rapidamente se comecem a vender bancos portáteis para as pessoas se sentarem, isto se entretanto todas as cidades não tiverem sido tomadas pelos bancos das esplanadas.

Estávamos todos à espera de poder entrar no Real Alcázar, até que finalmente, dão ordem para que as pessoas com bilhete para as 16:30 formassem uma linha de entrada. E os asiáticos que me pareciam indonésios colocaram-se à minha frente sob a torreira de calor que fazia. E pareciam-me indonésios porque a menina, sei lá, de vinte anos?, coberta com lenços islâmicos fazia-me lembrar a vocalista da banda Voice of Baceprot.

Achei aquilo tudo muito mal organizado. Era tudo ao monte, grupos inteiros passavam à frente de toda a gente sem se perceber muito bem porquê, a informação não era suficiente e, pior, as duas pessoas com fardas da Prosegur que estavam que estavam a organizar as filas e a verificar as entradas (que posteriormente seriam validadas por outras pessoas através do código QR) pareciam que estavam ali a fazer um enorme favor a toda a gente, nem parecia que ali estavam a trabalhar e a serem pagas para realizar aquela tarefa. Não gostam de trabalhar com turistas? Têm bom remédio, mudem de trabalho.

Duas asiáticas, estas talvez chinesas ou japonesas, passam a fila toda só para pedir informações. A senhora da Prosegur dá-lhes respostas secas, tratando-as como burras. Mas isto não foi o pior. Toda a gente ia mostrando, ou os papeis, com grandes códigos QR ou no formato digital no smartphone. Ela via e deixava seguir, tal como aconteceu comigo. Mas com o jovem indonésio de oculinhos e com meia dúzia de pelos no queixo, foi completamente diferente. Pediu-lhe imediatamente a identificação.

E porquê tudo isso se lá dentro tínhamos até que passar a mochila num raio-X e nós mesmos deixávamos o telemóvel em cima da mesa e tínhamos que passar num detetor de metais? Porquê? Por causa do nome dele? Ou por causa da cara dele?

Um dia ou dois depois aconteceu comigo. Se habitualmente, no Porto ou em qualquer outra parte me tratam como estrangeiro no meu próprio país, então, que fará no Algarve. Umas quantas horas depois de ter pagado o bilhete chego à hora combinada e ao local para preparar-me para embarcar num passeio às grutas de Benagil. A menina que fazia o atendimento e colocava os coletes salva-vidas era toda sorrisos e simpática para os turistas estrangeiros. Eu aproximo-me e falo português para me inteirar dos procedimentos. Pergunta-me o nome e vai ver a lista e de imediato me pede se tenho o comprovativo do pagamento... Mas porquê se em todos aqueles minutos que ali estive não pediu a nenhum estrangeiro? Será que por ser português significa de imediato que sou um aproveitador e que me vou tentar meter num passeio em que não estou inscrito?

A discriminação está na cara. Mas na cara de quem vê com olho de preconceito.