Por estes dias o Daniel Oliveira escrevia sobre como as cidades cada vez mais, expulsam os pobres que delas não não podem usufruir, e não só na questão da habitação, mas em coisas tão banais como a retirada de bancos em favor das esplanadas:
"Quando veio a pandemia, foram removidos os bancos e mesas da Praça Paiva Couceiro, em Lisboa, um ponto de encontro para conversas e jogatinas, onde se cruzam jovens, velhos, locais, imigrantes, famílias. Natural. Mas depois, só regressaram 16 dos 48 bancos, não permitindo o uso intenso que tinha. Um grupo de jovens pegou em cadeiras e pôs na praça. Mostrando como há uma relação entre o desrespeito pelo direito ao usufruto do espaço público e o desprezo pela democracia, a Junta da Penha de França, que é PS, chamou a polícia para pôr fim àquele protesto não autorizado. Na última década, multiplicaram-se as esplanadas em Lisboa. É bom, mas temos de garantir que todos têm acesso ao espaço público sem ter de gastar. Com a explosão do turismo, os preços tornaram-se proibitivos nas zonas mais atrativas. Assim dita o mercado e tem de haver espaços livres de mercado. O espaço só é público se não tiver consumo mínimo. Se lá puderem ir os pobres, os ricos e os remediados e, dentro das regras de convivência e da lei, darem-lhe o uso que entenderem. Não é só sendo expulso de casa, com a crise da habitação, que se é expulso da cidade. Também é sendo expulso da rua."
Talvez isso me tenha deixado mais alerta. Reparei nisso nesta semana que passou em que andei a visitar várias cidades. Em Sevilha, com tanto turista de um lado para o outro, reparei que junto à catedral não havia grandes bancos e era ver as pessoas todas sentadas (eu incluído) nos grandes vasos de cimento. Uma família de asiáticos acercou-se do sítio onde eu estava e uma senhora idosa senta-se ao meu lado. Mas o vaso não era lá muito confortável e preferiu ir sentar-se no seu banquinho preto portátil que tinha às costas. Talvez este seja o futuro. Cidades sem bancos, e rapidamente se comecem a vender bancos portáteis para as pessoas se sentarem, isto se entretanto todas as cidades não tiverem sido tomadas pelos bancos das esplanadas.
Estávamos todos à espera de poder entrar no Real Alcázar, até que finalmente, dão ordem para que as pessoas com bilhete para as 16:30 formassem uma linha de entrada. E os asiáticos que me pareciam indonésios colocaram-se à minha frente sob a torreira de calor que fazia. E pareciam-me indonésios porque a menina, sei lá, de vinte anos?, coberta com lenços islâmicos fazia-me lembrar a vocalista da banda Voice of Baceprot.
Achei aquilo tudo muito mal organizado. Era tudo ao monte, grupos inteiros passavam à frente de toda a gente sem se perceber muito bem porquê, a informação não era suficiente e, pior, as duas pessoas com fardas da Prosegur que estavam que estavam a organizar as filas e a verificar as entradas (que posteriormente seriam validadas por outras pessoas através do código QR) pareciam que estavam ali a fazer um enorme favor a toda a gente, nem parecia que ali estavam a trabalhar e a serem pagas para realizar aquela tarefa. Não gostam de trabalhar com turistas? Têm bom remédio, mudem de trabalho.
Duas asiáticas, estas talvez chinesas ou japonesas, passam a fila toda só para pedir informações. A senhora da Prosegur dá-lhes respostas secas, tratando-as como burras. Mas isto não foi o pior. Toda a gente ia mostrando, ou os papeis, com grandes códigos QR ou no formato digital no smartphone. Ela via e deixava seguir, tal como aconteceu comigo. Mas com o jovem indonésio de oculinhos e com meia dúzia de pelos no queixo, foi completamente diferente. Pediu-lhe imediatamente a identificação.
E porquê tudo isso se lá dentro tínhamos até que passar a mochila num raio-X e nós mesmos deixávamos o telemóvel em cima da mesa e tínhamos que passar num detetor de metais? Porquê? Por causa do nome dele? Ou por causa da cara dele?
Um dia ou dois depois aconteceu comigo. Se habitualmente, no Porto ou em qualquer outra parte me tratam como estrangeiro no meu próprio país, então, que fará no Algarve. Umas quantas horas depois de ter pagado o bilhete chego à hora combinada e ao local para preparar-me para embarcar num passeio às grutas de Benagil. A menina que fazia o atendimento e colocava os coletes salva-vidas era toda sorrisos e simpática para os turistas estrangeiros. Eu aproximo-me e falo português para me inteirar dos procedimentos. Pergunta-me o nome e vai ver a lista e de imediato me pede se tenho o comprovativo do pagamento... Mas porquê se em todos aqueles minutos que ali estive não pediu a nenhum estrangeiro? Será que por ser português significa de imediato que sou um aproveitador e que me vou tentar meter num passeio em que não estou inscrito?
A discriminação está na cara. Mas na cara de quem vê com olho de preconceito.
Sem comentários:
Enviar um comentário