quinta-feira, 29 de setembro de 2022

A Justiça Portuguesa é uma Javardice


Por estes dias ficamos a saber que chamar "javardo" no Twitter a um treinador de futebol valeu 8200€ de multa. 

Já um político e deputado cometer sucessivos atos racistas contra a comunidade cigana e que inclusive já mandou uma outra deputada "para a sua terra" pagou 400€ de multa. 

Mais interessante é que, pela mesma coisa - cometer racismo para com os ciganos - valeu ao Presidente da Junta de Freguesia de Paredes nove meses de cadeia. Ou seja, pelo mesmo crime, um vai para a cadeia mas o outro que ainda fez pior paga 400€ de multa! Justíssimo!

Sim, é verdade que eu não sou jurista, mas diz-me o senso comum - aquele do bom pai de família - que a Justiça deve ser justa. Deve tratar todos por igual. Infelizmente não. A Justiça portuguesa ainda não teve o seu 25 de Abril,  tem os olhos bem abertos e é completamente discricionária e injusta. 

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Quanto Mais Burro, Melhor!

Não sei se já tinha contado aqui que foi por causa do Nonio (que me impedia de ler digitalmente os jornais nacionais) que passei a ler o The Guardian. Entretanto motivado pela vontade de ler os textos da Carmo Afonso no Público, registei-me numa plataforma que me permite ler cerca de sete mil jornais e revistas de todo o mundo. Infelizmente o Público não é um desses jornais, mas comecei a ler outras coisas muito interessantes como o jornal Folha de São Paulo, jornal de grande qualidade, onde escreve, ao domingo, o nosso Ricardo Araújo Pereira.

Um texto de Lúcia Guimarães, hoje, sobre a recente edição de um livro nos Estados Unidos chamou-me a atenção e resolvi partilhar aqui: 


"Quem pensava que América do Sul era o nome de um país?
Quem descreveu o continente africano como uma nação?
Quem disse que o aquecimento global era uma invenção da China para destruir a competitividade da indústria americana?

Foram três republicanos que tiveram o dedo no botão nuclear —pela ordem de asneira, Ronald Reagan, George W. Bush e Donald Trump.

Todos os países têm sua história de políticos palermas que divertem. Mas chega um momento em que a gargalhada é interrompida pelo medo do estrago que os poderosos e estúpidos são capazes de fazer. Um livro lançado nesta semana nos EUA examina a evolução da atual safra de governantes asininos. O humorista Andy Borowitz é o autor de “Profiles in Ignorance, How America’s Politicians Got Dumb and Dumber” (perfis em ignorância, como os políticos americanos se tornaram mais e mais estúpidos). O livro é um exame forense e 100% factual da versão recente da tradição antiintelectual, um aspecto conhecido da história americana.

Borowitz acha que o pioneiro moderno do boçal estelar, há 50 anos, foi Reagan, o ator de filmes B cuja ignorância era tão gritante que sua campanha para governador da Califórnia, em 1966, contratou psicólogos de uma universidade para treiná-lo como um animal de laboratório. Acostumado a decorar falas em filmes, Reagan aprendeu a repetir o que seus instrutores escreviam em fichas e venceu a eleição com uma vantagem de mais de 1 milhão de votos.

O assessor de campanha responsável pelo banho de fatos em Reagan fracassou quando foi convocado a fazer o mesmo pelo então senador Dan Quayle, em 1984. A colunista texana Molly Ivins acompanhou Quayle em campanha e concluiu que o vice escolhido para a chapa de George Bush pai era mais estúpido do que parecia. “Se você implantar o cérebro de Dan Quayle numa abelha, ela começa a voar em marcha à ré,” declarou.

Reagan e Quayle, escreve

Borowitz, representam o primeiro de três estágios da incultura na política: o ridículo, um saudoso período em que líderes podiam ficar envergonhados por dizer besteira.

O segundo estágio —a aceitação— tem como patrono George W. Bush. Ele achava que sua idiotice era benigna e o aproximava do povão. Bush se orgulhava de revelar que não abrira um livro quando estudava na Universidade Yale.

Em 2000, a campanha do republicano espalhou um slogan —“George Bush está concorrendo à Presidência, não a uma vaga em quiz show” — sugerindo que seu adversário, o relativamente pomposo ambientalista democrata Al Gore era quem ficava em desvantagem por ser culto.

Bush mostrou o poder do despreparo intelectual de provocar morte em massa. Dias depois de invadir o Iraque, ele recebeu uma delegação de iraquianos no Salão Oval e, pela primeira vez, ouviu falar que havia xiitas e sunitas no país. Perplexo, exclamou: “E eu pensava que os iraquianos eram muçulmanos!”.

O terceiro estágio da ignorância é a celebração, que assola tanto Washington quanto Brasília. Trump, conclui Borowitz, é profundamente ignorante, mas exibe, como o parvo capitão do Planalto, o que psicólogos chamam de “ilha de competência”: a capacidade de atrair a atenção proferindo estrumes verbais.

No atual estágio, um doutorado em Harvard, como o exibido por trumpistas republicanos, não é impedimento para tentarem convencer eleitores a tomar remédio de cavalo para combater a Covid.

O único antídoto para a nossa era de obscurantismo é votar.

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Obrigado Brasil pela Eleição de Bolsonaro (7) - Bibliotecas


 Como toda a gente sabe as próximas eleições para a presidência do Brasil acontecem daqui por duas semanas. Ao longo destes quatro anos, que passaram num abrir e fechar de olhos, fui sempre agradecendo aos brasileiros por terem eleito Bolsonaro, o candidato de extrema-direita, porque, de facto nos podemos rir da desgraça alheia e ver como a realidade ultrapassa sempre a ficção. 

Já em pré-campanha eleitoral, Bolsonaro, acusou Lula da Silva, o outro candidato concorrente, e atenção que isto é mesmo verdade!, que se ele ganhar as eleições, os clubes de tiro vão virar... essa coisa horrível das bibliotecas, onde as pessoas lêem e ficam mais cultas, para não votar num qualquer idiota chapado. 



domingo, 11 de setembro de 2022

Conversas Improváveis (72) - Luta de Classes: O Padre e o Coveiro

 Desta última vez que fui com a minha mãe ao cemitério visitar a moradia onde vivem os meus avós e o meu pai, acabamos como é normal a falar também com algumas pessoas que por ali estavam, ainda por cima porque tinha morrido uma pessoa cá na aldeia, e até falamos com o novo coveiro e a senhora que também limpa o cemitério. 

O cemitério é um reflexo da sociedade em que vivemos. A permanente ostentação e opulência mesmo depois de mortos. Morre-se, enterra-se e fica um monte de terra com uma cruz. Mas isso não é suficiente! Tem que se meter uma grande pedra por cima (se calhar têm medo que o morto fuja, não sei!) e colocar umas estatuetas grandes e caras!, para mostrar que não é qualquer um. E o parecer. Parecer que gosta muito de quem morreu, indo muitas vezes ao cemitério colocar flores e velas, mesmo que em vida se tratasse a pontapé ou ignorasse completamente (e penso, por exemplo, como os filhos do meu padrasto o tratarão depois de morrer). 

Até que a conversa chegou a um ponto em que se falou do valor que o padre cobra para fazer o enterro (e não faço ideia se aumentou por causa da guerra na Ucrânia!) mas deve andar entre 100 e 150€. 

O coveiro que é alto e corpulento e mais jovem do que eu diz: 

"O padre vem aí e leva cento e tal euros e eu que tenho que dar cabo do corpo a trabalhar levo uma miséria".

sábado, 10 de setembro de 2022

Geração Mais formada de Sempre é a Primeira Menos Inteligente Que os Pais


Consulta de infeciologia. O médico, que é um bacano e muito boa onda vem à porta chamar, vestido à civil, sem a bata vestida. Pesa-me, pergunta se está tudo bem e vamos conversando. Conversa vai e conversa vem e acabamos a falar de leitura. 

Manifesta preocupação por causa das filhas, que, apesar de lerem, principalmente a mais velha de dez anos, estão constantemente cercadas de distrações. E talvez por isso, continuou, esta é a primeira geração que será menos inteligente que a dos seus pais. 



domingo, 4 de setembro de 2022

Quem é Quem: Sul Americana e Sul Europeu

Um dos braços é meu, que não vou há praia há não sei quantos anos ficar feito lagarto exposto ao sol. O outro bracinho é de uma sul americana, duma terra que faz 50º à sombra, com muita praia e corpos expostos semi-nus.  

Há um bracinho branco e um bracinho moreno. Quem é quem?

sábado, 3 de setembro de 2022

O Genocídio dos Portugueses em Angola


Todos os fazemos mas não deveríamos. Rostos, formas de vestir, tons de pele. Todos, uns mais do que outros julgamos aparências. Se calhar também julgamos os livros pela capa. E não deveríamos. 
"Angola! Angola! Testemunho sobre o problema colonial" é um livro de bolso que quem olha não dá cinco mil réis. Mas à medida que começamos a ler percebemos o porquê dos alfarrabistas o venderem a vinte ou vinte e cinco euros. 

Depois de ter ficado horrorizado com o livro Crimes de Guerra no Vietname vá lá saber porquê, e quando me preparava para ler o "Cem anos de solidão", eis que outro livro me salta para as mãos vindo da estante. 

Neste livro de José Pires ficamos a perceber todo o racismo estrutural da sociedade portuguesa. Mais importante ainda, percebemos o porquê de, ainda hoje e passados cinquenta anos da guerra colonial, ainda hoje o tema parece que é tabu. E se nos horrorizamos com guerras passadas e presentes, percebemos que somos todos iguais. Não há guerras meiguinhas. 

"A violência existe em qualquer guerra. Na guerra de guerrilhas, devido ao seu carácter de guerra intermitente (quer dizer ora se luta, ora se vive em tensão sempre à espera de ataques), a violência torna-se mais prolongada, mais brutal e mais odiosa. 

Muito antes de eu pisar o solo de Angola ouvira algumas descrições massacres feitas por meu pai que regressara havia pouco. Contava que para aterrorizar os negros faziam uma escolha entre os que trabalhavam ali, colocavam-nos em fila junto às valas abertas pelos "bulldozers", matavam-nos com rajadas de metralhadoras e a seguir enterravam-nos uns vivos outros mortos, com a ajuda dos mesmos "bulldozers". Estas razias periódicas faziam com que todos os outros tivessem medo e não ousassem sequer levantar os olhos contra os capatazes e outros brancos que ali se encontravam. "É que, dizia o meu pai, não tínhamos confiança em preto nenhum". Para mim a história da guerra colonial começou aí. Fiquei a saber que a guerra em Angola era uma longa história de massacres, muito semelhante a um genocídio. 

Não conheço caso nenhum em que fosse patente o mínimo de respeito devido a um prisioneiro. Quando aparecia um prisioneiro, o pessoal comentava: "Já sabe o destino que leva". Isto queria dizer que depois de lhe tirarem as informações consideradas úteis seria morto. 

(...)

Quando isto aconteceu lembrei-me dos relatos que ouvi acerca dos dois primeiros anos de guerra. Apanhavam os negros que suspeitavam, mmetiam-nos no avião Nord Atlas dizendo que iam prestar declarações a Luanda; chegados ao mar alto abriam as portas e os prisioneiros eram todos lançados ao mar. Alguns corpos davam à costa mas o caso era abafado e ninguém sabia de mais nada. 

(...)

Mesmo sem guerra, a guerra tornou-se para mim real, tão real que mesmo sem ela existir eu a detestava em todas as suas manifestações. Já em Portugal muitos rapazes estavam marcados por esses atos de violência pois também eles tinham passado por estes sítios e em altura de destruição mais acesa. 
O Jaime acompanhou-me, à saída do instituto, quando lá dentro eu lhe tinha dito que estava mobilizado para Angola. Queria contar-me a sua história (...)

"Vou contar-te uma história que nunca contei a ninguém, nem à minha mulher. Chegámos a uma aldeia onde a população tinha fugido para o mato: havia cabritos, porcos e galinhas à solta, que abatemos a tiro. Mais à frente uma velhota sozinha aquecia uma panela de água para fazer o pirão, o alimento dos pretos. Os soldados quiseram logo matá-la com um tiro; não, disse eu, não vale a pena estragar uma bala. Aproximei-me e despejei-lhe a panela a ferver pela cabeça abaixo. Morreu assim, queimada. Ainda hoje sinto isto; não imagino como fui capaz de fazê-lo!!".

(...)

A instrução que lhes fora ministrada preparava-os para isto. Não é pois para admirar que um soldado comando tenha declarado no hospital que eles têm que matar nem que seja para treinar; para isso chegaram a atirar crianças ao ar e atravessá-las com as baionetas das espingardas. Segundo o alferes comando que prestou serviço três anos após o início da guerrilha no Norte de Angola, aquela tropa especial era preparada por um mercenário italiano que pertencera à legião estrangeira durante a guerra da Argélia. 

Para embrutecer aqueles soldados este nazi sujeitava-os a um exercício absolutamente indigno da natureza humana. Consistia em meter uma velha dentro de um bidão, ensopá-la de gasolina e atear o fogo por meio de um tiro com bala incendiária; quem hesitasse em disparar a bala incendiária não poderia ser verdadeiro comando. 

Em Mussengue um cabo comando ficara espantado quando em plena batalha, num terreno de areia e pequenos arbustos, e no meio do tiroteio, uma velha ressequida se ergueu e gritou: Viva o M.P.L.A. Foi imediatamente varada por uma rajada de de metralhadora ; e aquela voz calou-se para sempre.  Este cabo confessou-me que ficara impressionado com tanta coragem. 

A besta humana tinha para mim muito de incompreensível. Verifiquei que os assassinos mais degradados têm sempre uma grande estima por animais, sobretudo por cães; já Hitler tinha o seu cão de estimação! Entre os soldados havia igualmente este interesse pelos cães. Certa vez tornou-se necessário matar um cão que andava a espumar e rosnava às pessoas; com medo de que aquilo fosse raiva quis abatê-lo. Não imaginam o sussurro de pedidos que se levantaram para que poupasse o pobre animal. E não matei o bicho. À tarde chegou ao quartel um grupo do GES que apanhara dois zambianos, junto à fronteira, os quais caçavam em território angolano. Um deles tentara fugir e levara um tiro mesmo em plena face; o queixal inferior ficou solto e no buraco aberto pela bala quase cabia um punho. A carne assim destruída começava a gangrenar e a cheirar mal. Os soldados juntaram-se à volta do gerido, e às gargalhadas, diziam: "Olha como o tipo está; estás lindo, estás!" Aquilo revoltou-me: onde se encontraria a humanidade destes homens do povo, tão explorados na sua terra como os moços negros aqui? Por vezes encontrava-a e fazia tudo para avivá-la pois sabia que fora o sistema militar que desumanizara estes homens. 

 Angola! Angola! Testemunho sobre o problema colonial - José Pires (1975)  (escrito antes do 25 de Abril de 74)

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Quem é a Mulher da Casa Abandonada?


 Há coisa de um mês comecei a ler o jornal brasileiro Folha de São de Paulo. E posso dizer que muito me surpreendeu na qualidade pois dificilmente haverá em Portugal jornal que se compare. Mas não é para falar da qualidade dos jornais portugueses que decidi escrever, mas sim para deixar uma sugestão, um documentário, precisamente, da Folha de São Paulo intitulado: "A mulher da casa abandonada".

São sete episódios que se podem ouvir no Youtube

Quem é a mulher que vive sozinha num casarão, uma mansão de milhões em ruínas, caindo aos pedaços, numa das zonas mais ricas da cidade que o jornalista encontra na antevéspera de Natal protestando com os funcionários públicos que estão a deitar uma árvore abaixo? 

Mas esta mulher culta e rica que dá pelo nome de Mari e que barra a cara com uma pasta branca, e que, além do nome, oculta uma história verdadeiramente macabra...