No início da pandemia as televisões passavam filmes sobre vírus (eu mesmo acabei por ver três do género) e muitas pessoas que gostam de ler procuravam e liam livros como "A peste" de Albert Camus.
No que diz respeito à minha leitura as coisas não andam nada famosas. Depois do Altruísta de Bernard Shaw, li "Vistas do meu quinteiro" de Hélder Pacheco (muito bom) e interrompi "A origem da família, da propriedade privada e do Estado (Engels) porque um outro livro da estante chamou-me dizendo: "olha aqui crimes de guerra cometidos pelos países de bem! Não queres ler?" e eu peguei nele, folheei e pensei: "porque não? Afinal, que é que eu sei sobre a guerra do Vietname além das mentiras que os americanos contam nos filmes?
Ler este livro foi interessante por vários motivos porque em boa verdade eu pouco ou nada sabia do que é o Vietname (e ainda pouco sei depois de lido o livro). Mas foi importante entender o contexto que levou a que, primeiro os franceses e depois os americanos tenham invadido o país durante décadas no século passado. Que povo vietnamita é este que durante o século XX primeiro resistiu à invasão japonesa, depois à invasão francesa e por último à invasão americana? E por último perceber como se movem os americanos.
"O facto fundamental que se pretende demonstrar nesta obra é o seguinte: a guerra do Vietname é da responsabilidade dos Estados Unidos".
Ler como e porquê os americanos terem invadido o Vietname é perceber como têm aplicado a sua política imperialista de guerra em dezenas de outros países. E é sempre igual. Primeiro tenta-se decapitar o poder, mesmo que tenha sido democraticamente eleito pelo povo. Seguidamente coloca-se lá um fantoche no poder que faça aquilo que lhe mandam para que os recursos do país sejam sugados e os interesses americanos alimentados. E, se não vai a bem, então vai a mal, com recurso à guerra, custe o dinheiro que custar, morram os soldados americanos que tiverem que morrer.
E ler sobre os horrores praticados pelos americanos na guerra do Vietname leva-me mesmo a perguntar se não fizeram mesmo pior que Hitler. Hitler, todos sabemos, aconteceu na Europa, foi muito mau, matou seis milhões de judeus (e de outras minorias) já os americanos são os salvadores do mundo e todas as mortes que infligem, mesmo com recurso a duas bombas atómicas, por mais macabras que sejam, são sempre praticadas por um país de pessoas de "bem", de quem todos nós europeus somos "aliados" e que exportam o glamour e manipulação dos filmes. São sempre guerras justificadas, porque há maus e os polícias do mundo só intervêm para o bem comum! Mas não se aprende sobre os americanos e sobre as dezenas de guerras que fizeram no mundo simplesmente a ver os filmes do Rambo. É um bocadinho mais complexo do que isso.
"Bertrand Russel foi uma das primeiras pessoas que, no Ocidente, protestaram contra esta vergonhosa agressão. Neste livro, relata-nos ele a sua crescente intromissão na luta, pondo a nu a evolução do seu pensamento à medida que se processava a "escalada" na guerra.
Mas quem foi Bertrand Russel, autor deste livro?
"Dificilmente se encontrará um filósofo que tenha sido tão conhecido em vida como Bertrand Russel, embora este facto se deva não tanto aos seus trabalhos científicos como à sua preocupação constante com os tremendos problemas de âmbito universal que preocupam a nossa geração.
Voltando ao livro e às atrocidades dos "países de bem" aqui deixo alguns pequenos excertos, porque os acontecimentos são muitos e só lendo o livro para se perceber todo o enquadramento.
"Do mesmo modo, o Viet Minh depunha uma certa confiança no Governo de coligação socialista-comunista em França. Entre 1945 e 1947, o Viet Minh tentou negociar com a França a independência nos termos mais moderados.
O presidente Ho Chi Minh assinou um acordo com a França, em Março de 1946, que dizia explicitamente: "O Governo de França reconhece a República do Vietname como Estado livre com Governo e Parlamento, exército e finanças próprios, constituindo parte integrante da federação da Indochina, no âmbito da União Francesa".
Os franceses ignoraram todas as promessas feitas ao Viet Minh e, em contrapartida, restabeleceram rapidamente o seu poder, enviando dezenas de milhar de soldados. O respeito dos franceses pelo modus vivendi era uma farsa. Numa demonstração final de força, bombardearam Haiphong, a 23 de Novembro de 1946. Morreram milhares de civis inocentes. Não era possível qualquer solução pacífica.
O auxílio americano não só possibilitou a guerra como também teve influência considerável sobre a maneira como ela foi conduzida.
A guerra corria mal para os franceses. Uma vez que ela era dirigida pelo Ministério das Colónias, mais do que pelo Ministério da Defesa, era impossível, de acordo com o estipulado na Constituição Francesa, mandar recrutas para a frente de combate na Indochina.
Por alturas de 1954, a França havia introduzido mas de 400 mil homens na Indochina. Segundo Jules Moch, delegado francês nas Nações Unidas, registavam-se 92 mil mortos e 114 mil feridos. O custo da guerra ascendia a cerca de 7 biliões de dóllars. Os franceses mostravam-se cada vez menos dispostos a continuar a guerra. A cena estava pronta para a intervenção directa dos americanos.
Interesses dos Americanos no New York Times a 12 de Fevereiro de 1950:
e em 1951 um conselheiro do Departamento de Defesa dos Estados Unidos declarou:
"Temos explorado apenas em parte os recursos do sudeste asiático. Não obstante, esta zona da Ásia forneceu 90% da borracha mundial, em bruto, 60% do estanho e 80% do óleo de copra e de coco. Possuiu apreciáveis quantidades de açúcar, chá, café, tabaco, sisal, fruta, especiarias, resinas e gomas naturais, petróleo, ferro e bauxite".
Onde quer que que a Grã-Bretanha, a França ou a Itália se tenham envolvido numa difícil guerra colonial, a América apareceu em socorro da potência em questão, expulsando gradualmente - graças à sua superioridade financeira e militar - os imperialistas anteriores e substituindo os primitivos impérios coloniais por Estados-fantoches da sua lavra.
As atividades americanas nestas esferas só são possíveis em consequência da superioridade da América em relação à Rússia, no que diz respeito a armamentos. O governo soviético apercebeu-se, no decurso da crise cubana de 1962, de que a Rússia - com certeza - e a América - provavelmente - seriam destruídas se houvesse uma guerra. Foi isto que permitiu aos americanos fazerem coisas que eram inaceitáveis para os russos - como, por exemplo, a guerra no Vietname do Sul. Não só a América mas todo o Ocidente não comunista podiam fazer um jogo perpétuo de "à beira da guerra", no qual a Rússia tinha sempre que fazer macha atrás.
Gradualmente, viemos a saber que as tropas americanas se comportaram no Vietname do Sul, de tal maneira que ninguém julgaria que tropas civiizadas fossem capazes. Utilizaram napalm, que se cola à pele e provoca dores indescritíveis. Utilizam gases para expulsar dos respetivos esconderijos os "Vietcongs". Fazem ataques aéreos contra civis. Quando capturam civis, torturam-nos. Segundo o New York Times de 3 de Outubro de 1965, haviam sido contados 170 mil civis mortos, até ao princípio de Outubro; 800 mil mutilados em consequência de torturas; cinco mil queimados vivos, desventrados ou degolados; 100 mil mortos ou estropiados por ação dos produtos venenosos; 400 mil presos, torturados selvaticamente. Um dos métodos de tortura empregados pelas tropas americanas é a eletrocussão parcial ou "frigideira", como lhe chamou um conselheiro americano, consistindo em ligar fios elétricos aos órgãos genitais masculinos ou aos mamilos das prisioneiras "Vietcongs" e fazer depois descargas elétricas. outras técnicas destinadas a forçar os presos a falarem ou implicam o assistir ao corte de dedos, orelhas, órgãos sexuais ou extração de unhas a outros presos. Uma série de orelhas presas por um fio servem de ornamento à parede de uma instalação governamental. Estes pormenores foram referidos pelo New York Herald Tribune (que não é um jornal subversivo), em 21 de Julho de 1965.
Em 1 de Julho do mesmo ano, a agencia de notícias americanas Associeted Press comunicou:
"Os gemidos das mulheres e o fedor dos corpos queimados saudaram as tropas, à sua entrada em Bagia". Um oficial da Força Aérea dos Estados Unidos declarou: "Quando estamos apertados, descarregamos sobre toda a área. Matamos mais mulheres e crianças do que Vietongs, mas as tropas governamentais não chegam e esta é a única solução".
Podia prosseguir indefinidamente na apresentação de citações deste género. Abriram a barriga a mulheres grávidas e os respetivos nascituros foram expostos publicamente. Todavia, a narração de tais factos é repugnante. Não sou capaz de contar tudo - nem vós soi capazes de escutar tudo.
Trata-se de um imperialismo predatório e em nenhum lado foi mais cruel e atrevido do que no Vietname. O imperialismo americano tem recorrido no Vietname, a toda a espécie de atrocidades, desde o emprego de produtos químicos e gases, armas bacteriológicas e bombas de fósforo, napalm, e de estilhaços, até ao esventramento, à mutilação, ao trabalho forçado, aos campos de concentração, à decapitação, às torturas requintadas. Clínicas, sanatórios, hospitais, escolas e aldeias têm sido objeto de bombardeamentos inexoráveis. E, no entanto, o povo do Vietname continua a resistir, após vinte e cinco anos de luta contra três grandes potências industriais.
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