quinta-feira, 31 de março de 2022

Porque é Que Gostei Tanto do Twitter?

 As coisas são como são. Em 2009/2010 começava toda a gente a debandar o Myspace, rede social onde estava, e mudavam-se para o Facebook para plantar alfaces. A esta distância posso dizer que, no Myspace consegui apaixonar-me, fazer várias amizades que chegaram aos dias de hoje, e ainda ganhei bilhetes para concertos e festivais. 

Foi por essa altura, quando toda a gente debandou e ali fiquei sozinho, e quando todos me pressionavam para me registar no Facebook (que não o fiz) que creio que estive dois anos num fórum, um tanto ao quanto deprimente (mas tinha ficado desempregado e tinha tempo) fórum esse onde até tinha umas quantas admiradoras mas depois debandei porque estava de certa forma a ser perseguido por duas ou três personagens que parece que tinham alguma dor de cotovelo de lhes ter tirado o protagonismo. 

Foi no Myspace que conheci alguém por quem me encantei. E foi essa pessoa que teve a ideia de me sugerir a criação de um blog onde escrevesse sobre as minhas "erbices". E três anos estive sem o começar, sempre com a desculpa de não ter o nome certo, quando no fundo sempre achei que não conseguiria fazer nada minimamente decente. 

Mas nesses tempos de 2009/2010, nem depois disso, nunca ninguém alguma vez me disse "tens que te registar no Twitter". Ouvia falar por alto, mas não fazia a mais pequena ideia do que seria. 

Registei-me sim, já depois de ter os blogues e a conta do Youtube, mas no Google+ (para agregar tudo numa só conta) mas, foi uma rede social que, vá lá saber-se porquê (talvez por ter aparecido no momento errado) nunca teve grande aderência por parte das pessoas, mas eu, claro, como resistente, fiquei até ao fim. Até a Google ter encerrado a rede social.

E, vá lá saber-se porquê, no início de 2019, logo no primeira dia do ano, e não se tratou de nenhuma nova resolução, decidi registar-me no Twitter.

Não conhecia ninguém. O que era ótimo. Aliás, uma das razões porque sempre disse que não me registaria no Facebook era porque não estava interessado em cruzar-me com ex-namoradas ou reencontrar gente que se afastou de mim, fossem familiares ou ex-coleguinhas de trabalho. Gostava de estar numa rede social sim, mas que pudesse conhecer pessoas novas, com quem tivesse afinidade.

Mas não é fácil como muito bem escreve a Carmo Afonso no Público. O Twitter não é uma rede social fácil. Não é fácil de ali chegar e logo perceber como funciona, e ganhar seguidores, que quase têm que se conquistar a custo. Mas não desisti às primeiras contrariedades. E muitas vezes nem sequer percebia do que ali andavam a falar, como daquela vez que a Fernanda Câncio começou a amplificar uma brincadeira que todas as mulheres gostavam de beber a sua própria menstruação!

Eu comecei por seguir maioritariamente jornalistas, porque posso assegurar que o Twitter é uma excelente fonte de informação e, por vezes é mesmo ali que as notícias "acontecem". Comecei depois por mandar uns bitaites nas conversas dos outros. E depois a verdade é que: "primeiro estranha-se mas depois entranha-se". 

E uma rede social é aquilo que nós quisermos que ela seja. Sim, o Twitter pode ser, como agora se diz, "tóxico", mas tudo depende também do nosso comportamento. Eu não estou ali para me chatear, ou para andar a insultar os outros ou a discutir com quem não conheço. Estou ali para minimamente me informar (lembrar que nem sequer vejo televisão) e para escrever umas larachas, maioritariamente sobre política, e trocar uma ideias. 

E se o Instagram é a rede social das gajas que abanam o cu e o Facebook foi a rede social "pimba", o Twitter é onde está a elite pensante, e talvez por isso me tenha sentido muito confortável por lá. Porque gosto de pensar. 

Mas, como em tudo hoje em dia, também no Twitter encontramos uma manada de carneiros que gostam de caminhar todos para o mesmo lado e a ditadura do pensamento único. E ai de quem ousar pensar pela sua cabeça, pois logo é linchado. Já me aconteceu uma vez, a propósito de Tomás Taveira e terei perdido alguns seguidores mais sensíveis - mas, por vezes também é bom sacudir a Árvore dos Seguidores, para ver se estão bem agarrados e alguns mais podres poderem cair ao chão - mas tudo bem na mesma. 

Eu gosto do Twitter com as suas muitas virtudes e os seus defeitos. 

Se tenho pena de só lá ter chegado tão recentemente? Tenho. Mas, como comecei por escrever, "as coisas são como são". Se calhar, se em 2010 tivesse ido para o Twitter, hoje teria milhares de seguidores mas não teria criado os blogues, que me são muito queridos, e dos quais não desistirei, apesar de saber que tenho andado muito ausente (fruto do cansaço e ocupação dos últimos meses). 

E já agora, a propósito deste artigo do Público que partilho, é curioso pois não fazia ideia quem era a Carmo Afonso. Segui-a porque tropecei num seu tweet e ela simpaticamente seguiu de volta. Percebi depois que também é argumentista (e em tempos falou-se muito de um filme que ela escreveu mas que eu ainda não vi). E pode-se dizer que é uma das figuras do Twitter português. É muitas vezes olhada como uma ovelha negra e saco de pancada por, tal como outras pessoas (como a Constança Cunha e Sá que também por lá anda) ousar pensar pela sua cabeça e ir além do pensamento único da manada. 

domingo, 27 de março de 2022

Nada Substituiu o Toque Humano


"A solidão é um problema de saúde pública de tal forma que, pelo menos que eu saiba, a Inglaterra e o Japão já têm ministros para a solidão (ou ministérios)". (Júlio Machado Vaz)

Andei muitos anos à espera de ter fibra ótica aqui para poder ter televisão. Agora que finalmente chegou já não me apetece. Porque tantos são os anos que já me habituei a não ver televisão que já não sinto falta. Ainda parei por momentos a olhar para o folheto com os preços e os canais e a internet mas, a verdade é que eu acho que já nem saberia ver televisão. Então caguei e irei continuar sem televisão por cabo e sem ver as séries que toda a gente quer ver e parece que o mundo vai acabar se não estiver a par.

E muitas vezes é isso que acontece. Deixamos de sentir falta daquilo que não temos. 

A pandemia não foi propriamente favorável para quem está solteiro. Estados de Emergência atrás dee Estados de Emergência e confinamentos atrás e distanciamentos. E depois, a verdade é que o contacto virtual diário é muito confortável, mas adaptando uma expressão muito usada na pandemia, acho que "apenas transmite uma falsa sensação de proximidade".

E por estes dias fiquei a pensar. 

Sentei-me na cadeira. A desconhecida perguntou-me o meu nome completo. Lá respondi. E entretanto começou a deslizar a sua mão pelo meu braço e isso foi uma novidade. E por momentos até me segurou a mão. Juntou os dedos e foi fechando a mão... segundos antes de me espetar uma agulha no braço para retirar sangue.

Algumas campainhas tocaram. Porque nada substituiu o toque humano. 

terça-feira, 1 de março de 2022

Estudásses!

Os meus dois colegas de trabalho por vezes vão lanchar ao café, enquanto eu, por norma, fico a comer o previsível e monótono pão com queijo e fruta. Mas esta segunda-feira chegaram, entusiasmados:

"Que cena que perdeste"!

Encontraram no café o Fernando, figura que a televisão, à frente das câmaras tornou popular. 

Ficaram a saber que em Lisboa é onde dá mais dinheiro, mais do que no Porto e Braga dá menos. E segundo o meu colega, ele colocou um saco de moedas em cima da mesa que devia ter ali uns 400 ou 500€. 

E perante o espanto do meu colega ao ver tanto dinheiro, o Fernando vira-se e, calmamente, diz-lhe:

Estudásses!

E tudo isto é tão ou mais irónico porque é o meu próprio colega que passa a vida a usar esta expressão!

A Televisão Matou o Entrudo

Toda a gente está de acordo que o Entrudo já não é o que era. Ou dito de outra maneira, já deu o tinha a dar enquanto tradição comunitariamente assumida como ritual. Nos tempos anteriores à televisão e ao cartão de crédito, pela Quaresma, os homens não podiam dormir com as mulheres. Era pecado. Tal como comer carne, doçarias e outros aconchegos (apenas coisas boas, é evidente). Até às Cinzas era, por ta motivo, um tirar a barriga de misérias para compensação dos quarenta dias seguintes em que reinaram mortificações, lutos, jejuns e abstinências. Só terminando no Domingo de Páscoa. 

Em certos lugares até dividiam os preparativos das folias pelos domingos da conta, magro e gordo. No domingo da conta começavam a despertar para o Entrudo. Arranjavam máscaras e trajes que apareciam nas ruas no domingo magro, quando iniciavam as reinações. Mas o entusiasmo culminava no domingo gordo e na Terça-Feira de Entrudo, em que, podemos dizê-lo valia tudo: enfarinhar quem passava ou enfarruscá-lo com pó de carvão, atirar ovos podres, laranjas, jarros de água, torrões de erva e outros projéteis mais repelentes (por exemplo, líquidos nauseabundos, como urina ou água choca, ou sólidos da mesma origem. E, quando o Entrudo acidadou, atiravam éter aos olhos dos passantes, com grandes bisnagas apropriadas!) Afinal, entrudo que se prezasse era badalhoquismo, glutão e violento - ou não servia para nada.

(..)

Estes Entrudos desbragados e sujos foram - já estão a ver - censurados e proibidíssimos. Mais ou menos como dizer às pessoas: ficais impedidos de enxotar os vossos fantasmas e temores. Passou então a carnavalar-se burguês e cosmopolitamente em bailes de máscaras, atirando serpentinas e confetis e tocando cornetinhas mansas e melancólicas. E, se querem que lhes diga, é melhor assim para não vivermos na ilusão de que o Entrudo - das emoções, do pulsar profundo, dos temores e ódios - de que o Entrudo verdadeiro é possível na era dos satélites.

(...)

Por detrás das antiguíssimas máscaras, folias, barulhos, festejos e comezainas e dos bailes, serpentinas, confetis e outros ritos de novo tipo, escondem-se mil e um actos, de significações encobertas, desconhecidas ou esquecidas por quem as pratica: eliminar o antigo, matar o passado, rejeitar o que - na aparência - pode impedir a renovação vital. Assim, como poderia o Entrudo viver a sua mais autêntica função, numa sociedade em que as magias se tornaram interativas? E como poderia ser real - ao menos para o homem citadino, que da Natureza já só tem a ideia que lhe chega pelo vídeo -, quando até os grandes e velhos símbolos, a lua, as estrelas o céu, o mar, a terra, as trevas e a luz, conjurados e esconjurados sem cessar, ao longo dos séculos, já não são vistos com os mesmos olhos?

Perdidas as ilusões de que ainda mantemos com a realidade alguma relação de simpatia, o melhor é proclamarmos, de uma vez por todas, a morte do Entrudo e seus rituais. Perdida a relação inocente com o fantástico e inimaginável (torrnou-se tão corriqueira e banal que quase nos roubou as utupias), resta-nos afivelar a máscara da auto-suficiência computorizada e escondermo-nos na solidão disfarçada de Carnaval. (Ai estes Entrudos já não são o que eram!) No entanto, no fundo, bem no fundo, todos sentimos que é urgente fazer qualquer coisa para os reinventar. E, se me perguntarem porquê, direi: porque sim. Se mais não fora, porque - avisa poeta Salvador Quasimodo:

Cada um de nós está no coração da terra,

atravessado por um raio de sol.

E subitamente é noite

 

"Vistas do Meu Quinteiro" / Hélder Pacheco (1995)