segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Vidas de Pladur

São curiosas as construções contemporâneas que os arquitetos desenham. Caixotes sem telhados nem beiradas em que ninguém se pode sequer abrigar da chuva. Casas que são caixotes que se aparafusam. Interiores com paredes lisinhas e afagadas. Paredes falsas que abanam se lhes tentamos meter um parafuso; paredes e tetos que se desfazem com a humidade; paredes que se desfazem se lhes tocamos com um bocadinho mais de força e que devem ser o sonho de um qualquer gato urbano-depressivo, afiar as unhas nestas paredes. 

São paredes muito robustas, feitas de cartão e de gesso!, ainda que toda a gente diga que são paredes de pladur, mais ou menos como quando o pessoal compra um casaco na Zara e diz que é um Kispo, porque também neste caso, Pladur é a marca que já se confunde com o objeto e certamente que há diferentes marcas a produzir gesso cartonado. 

Mas se observarmos bem, e eu pensava nisto quando neste fim-de-semana via alguém a meter parafusos numa imensa parede de pladur que abanava por todos os lados!, hoje em dia, nas vidas das pessoas tudo é lisinho e afagado, aparentemente robusto mas vergonhosamente frágil. 

As mulheres (e cada vez mais os homens também) metem estuque na cara logo pela manhã. E o que é a maquilhagem senão um gesso para mascarar, ocultar, colocar uma máscara, esconder, para deixar aparentemente a pele lisinha e afagada? Coloca-se gesso e estuque na cara, pintam-se os cabelos à cor desejada, tal como hoje os arquitetos pintam as portas de madeira, porque hoje em dia já nem a madeira pode ter a cor de madeira, tudo tem de ser camuflado e as portas passaram a ser brancas ou em qualquer outra cor desejada. Tudo menos a cor natural da madeira, porque tudo que é natural passou a ser repugnante. 


As pessoas maquilham-se e pintam os cabelos. Pegam nas espátulas e emassam as rugas, os narizes, as conas e as pirocas. Injetam gesso nos lábios, nas mamas e no cu e duplicam-lhes o volume. Arrancam os pêlos do corpo, tomam banho três vezes ao dia e besuntam-se com anti-transpirantes porque é mais aceitável ter um cancro provocado por metais pesados do que cheirar a humano, porque é vergonhoso ser humano. Hoje é vergonhoso ser ou parecer sequer que se é humano. Todos querem ser humanos de papel, feitos de cartão e de gesso. Os novos humanos são feitos de pladur. 

Os arquitetos também mandam colocar relva artificial. Não dá trabalho cuidar. E é verdinha! E a relva artificial, plástica, muito ecológica e sustentável, tem a qualidade de ainda ser mais verde que a relva natural. E esta é uma das melhores metáforas da vida quotidiana. Hoje em dia tudo tem de ser falso, mas tem de parecer bonito, mais bonito ainda do que se fosse verdadeiramente real. 

Hoje os sentimentos são de pladur. As amizades e os amores são feitos de pladur. São relações são de pladur. Tudo é muito bonito por fora, mas mal tocamos com uma unha na merda do pladur (e eu  não duvido que até a merda seca é bem mais robusta que o pladur) e este desfaz-se imediatamente. Tudo parece tão bonito por fora mas é mesmo só para se ver. Não é para lhe tocar porque não é real. É tudo falso. São autênticas vidas de pladur.

3 comentários:

  1. Concordo, infelizmente concordo...
    Vivemos a desumanização, temos uma sociedade se Photoshop, relações de Facebook, vidas de Instagram... e uma enorme intolerância à nossa humanidade...

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    1. Logicamente que não é tudo para levar à letra. Nada tenho contra as escolhas individuais das pessoas, muito menos, por exemplo, contra a maquilhagem, usada há milhares de anos. Às vezes as minhas liberdades criativas levam tudo a eito, mas a crítica ou metáfora vai direitinha para esta sociedade vazia. Este é daqueles verdadeiros textos à Multirresistente!

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