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domingo, 20 de abril de 2025

Diz-me Quem São os Teus Quatro Maiores 'Influencers' e Dir-te-Ei Quem És


 Poderia ter escolhido muitos outros. Mas acabei por escolher (dois homens e duas mulheres) uma historiadora, um jornalista, um psiquiatra, uma cronista. 

Num tempo, e que já não é de agora, em que me mostram constantemente vídeos de artistas idiotas que nem conheço e que são seguidos por milhões de portugueses, lembrei-me de refletir um pouco sobre as figuras mediáticas que eu mesmo sigo e ouço com atenção. 

Escolhi obviamente o Júlio Machado Vaz que ouço desde criança na rádio e foi uma espécie de guru para mim e continuo ainda a ouvir n' O Amor é ou no Old Friends; escolhi o jornalista e comentador político Daniel Oliveira que também me pareceu uma escolha óbvia porque é um dos analistas da minha preferência, desde os tempos do Eixo do Mal. Já a escolha das duas mulheres, são amores mais recentes. Comecei a apanhar a Raquel Varela primeiro na rádio e depois nas redes sociais, e a Capicua, escolhi-a não pela música (que só ouço na rádio) mas pelas suas crónicas, sempre muito acutilantes, no Jornal de Notícias. 

Infelizmente esta quatro figuras não são os maiores 'influencers' de Portugal, seguidos por milhões. É pena, talvez a canalha pudesse aprender alguma coisa com eles. 

quinta-feira, 13 de julho de 2023

Amor Contactless


Uma das notícias desta semana é que o nosso cartão de cidadão vai passar a ser contactless, sem contacto, basta aproximar e já está, tal e qual os cartões multibanco (e nunca foi tão fácil comprar, pagar e ficar sem dinheiro na conta!) 

Tudo está cada vez mais rápido, mais fácil, mais descartável. Tudo está cada vez mais contactess.

A sociedade humana evoluiu tanto e estamos tão modernos que também as relações humanas, quer sejam de amizade ou amor, também elas passaram a ser contactless. Sem contacto, sem afeto, sem toque, sem conversa, sem presença. Contactless.

Bem vejo à minha volta. Não se conversa, mete-se os fones nos ouvidos e está cada um no seu mundo virtual a ser escravo do divertimento muitas vezes idiota.

Ainda por estes dias o Júlio Machado Vaz dizia que as queixas dos casais no que se refere à intimidade evoluíram do "ela fica a ler na cama" para "ele fica a ver televisão" para "fica cada um na cama a olhar para o telemóvel. 

A ditadura do divertimento matou as relações humanas. E o amor passou a ser contactless. 

sábado, 27 de maio de 2023

Há uma Baixíssima Tolerância ao Sofrimento

Entrevista publicada hoje no Jornal de Negócios a Júlio Machado Vaz. O artigo só está disponível para assinantes e, porque é muito bom o que é dito, aqui fica para mim para memória futura e para quem quiser ler. 


 Quando admitiu numa entrevista que tinha estado deprimido, o psiquiatra Júlio Machado Vaz recebeu telefonemas de colegas e amigos preocupados, que lhe disseram que tinha cometido um erro ao expor-se dessa forma. Corria o risco de perder doentes. Não aconteceu. Pelo contrário. A sua agenda está totalmente preenchida. Hoje, percebe melhor os doentes. Algo fundamental na sua profissão. Afinal de contas, todos querem ser compreendidos, mas para isso é preciso tempo. Algo que os médicos de medicina geral e familiar do SNS não têm. Assim, “é mais fácil medicar” as pessoas. Esse é um dos motivos por que Portugal é um recordista no consumo de psicofármacos. Em muitos casos, está a medicar-se a tristeza, um sentimento que precisa de ser vivido e não “apagado”.

Foi difícil para si, enquanto psiquiatra, admitir numa entrevista que esteve deprimido?

Falei nisso com a maior das naturalidades numa entrevista há mais de 20 anos. Se bem me lembro, o assunto surgiu quando estava a explicar a necessidade de destrinçar a tristeza da depressão e no problema que se tem vindo a agravar de medicalizarmos a tristeza, um sentimento que não é agradável, mas que é natural. Só que, nessa altura, não havia redes sociais, por isso não teve as mesmas repercussões que agora, quando voltei a falar no assunto numa entrevista à Fátima Campos Ferreira, no programa “Primeira Pessoa”, na RTP. Houve colegas meus e amigos que ficaram assustados. Disseram-me que corria o risco de perder doentes e que a minha clínica privada, provavelmente, ia falecer. (risos) Fiquei a pensar que, se calhar, juntei à naturalidade a ingenuidade. Eles podiam ter razão.


E tinham?

Não. Tive mais procura e ainda hoje há pessoas que marcam consulta e depois, quando chegam ao consultório, dizem: “acho que o senhor vai perceber melhor a maneira como me sinto”.


O facto de ter passado por essa experiência aproximou-o mais dos seus doentes?

Sim. Não é uma experiência nada agradável. Dispensava bem ter estado deprimido. Mas que me deu uma visão diferente das coisas, deu. Acontece a pessoa na consulta tentar explicar-me o que sente, a apatia, a dificuldade em “arrancar” de manhã e eu simplesmente dizer: “às vezes, até abrir a persiana custa, não é?” A pessoa fica surpreendida e diz: “É exatamente isso!” Mas, afinal, antes de tudo o resto, qual é o grande objetivo da psiquiatria e da psicologia? É fazer com que o outro se sinta compreendido. É por isso que fico preocupado quando oiço cada vez mais as pessoas dizerem que foram a um psiquiatra que os medicou, marcou consulta para daí a três ou quatro meses e que lhes deu o nome de um psicólogo porque eles precisam de falar da sua vida. Se a psiquiatria só confia na medicação e deixa a relação com o doente para os psicólogos, fica terrivelmente empobrecida. As pessoas precisam de sentir-se ouvidas. Mas vamos ser justos. Não estou a falar só da psiquiatria. A primeira linha da psiquiatria são os médicos de medicina geral e familiar, que têm às vezes uns miseráveis minutos para falar com as pessoas, que têm listas de utentes de 1900 pessoas, etc.


A saúde mental é o parente pobre do SNS? Há vários médicos e psicólogos a dizer que a situação é muito preocupante porque o sistema público não consegue responder às necessidades que são cada vez maiores.


Estive pouco tempo no SNS. Fui muito mais um professor universitário do que um médico e depois um psiquiatra em funções. Mas não é preciso ter 40 anos de SNS para saber que houve sempre um olhar parcimonioso em relação à saúde mental. Aquilo que nós [profissionais de saúde mental] ambicionamos é que a pessoa, ao sentir-se entendida, consiga dar mais uns passinhos na perceção do que está a acontecer consigo. Que fatores externos estão a contribuir para o “burnout”, para a depressão, para a ansiedade, etc. Esse é o primeiro passo para modificar as coisas. Algumas coisas estão completamente fora do nosso controlo, mas outras estão. E, portanto, temos de mudar de vida. Não podemos pedir isso às “pastilhas”. A Organização Mundial de Saúde tem vindo a passar a mensagem de que tem de haver uma abordagem holística da saúde da pessoa no seu todo. Hoje não passa pela cabeça de ninguém dizer que há doenças exclusivamente físicas ou exclusivamente psicológicas. E sabemos, cada vez mais, que as pessoas com depressão têm o sistema imunológico mais fragilizado. Mas, voltando ao SNS, mesmo que um colega de medicina geral e familiar decida encaminhar um doente para uma consulta de psiquiatria, isso pode significar meses de espera, o que é completamente inaceitável.

Houve sempre um olhar parcimonioso em relação à saúde mental.


Essa abordagem holística tarda em ser implementada?

O que é trágico é que quando surgiu a pandemia cavou-se um fosso ainda maior entre os recursos dados a uma medicina considerada mais “respeitável” e a saúde mental. Recentemente, o professor Miguel Xavier, que é o diretor do Programa Nacional de Saúde Mental, disse que é necessário duplicar o orçamento para a saúde mental. Ele reforçou que é preciso, no mínimo, duplicar os psicólogos nos cuidados de saúde primários. O bastonário da Ordem dos Psicólogos entoa a mesma canção há anos e anos. Depois, tivemos o professor Caldas de Almeida [ex-coordenador nacional para a saúde mental] a dizer numa entrevista ao Expresso que as questões da saúde mental também estão ligadas às questões sociais. Os pobres não sofrem da mesma maneira. E também referiu que aqueles que ainda não eram pobres estão a sofrer horrores. E é verdade. A classe média e média baixa, de repente, começou a ver-se deslizar para situações que eram impensáveis. No fundo, é a velha questão do fosso que existe entre os que têm muito e os que têm pouco.



Quando é que a tristeza deixa de ser normal?

Quando “enquista”, se prolonga e sobretudo nos impede de fazermos a nossa vida normal e de conseguirmos ter momentos de prazer. Aí é preciso parar e avaliar. Há situações em que o que é preocupante é não ficar triste. Por exemplo, alguém que amávamos deixou-nos ou morreu, o nosso negócio foi à falência... Viver essa tristeza não significa que fiquemos paralisados por ela. A pouco e pouco, a pessoa que perdemos mantém-se viva dentro de nós, mas não nos impede de seguirmos caminho. Se, pelo contrário, passamos a estar obsessivamente colados a essa imagem psicológica interna e estamos paralisados naquilo que é o nosso quotidiano, a probabilidade de estarmos a começar a lidar com um plano inclinado para uma depressão é muito grande.


Há agora, depois da pandemia, uma maior literacia sobre saúde mental?

Há uma iliteracia que se desenha sobre um pano de fundo de iliteracia global. Neste momento, ainda se junta um outro condimento que torna a situação mais complicada, que o facto de termos o “doutor Google” à disposição. As pessoas vão para a internet angustiadas porque têm medo de ter esta ou aquela doença, a informação que lá consta está longe de ser toda de boa qualidade e depois há uma tendência para ir buscar as piores hipóteses. Uma coisa que acontece muito é as pessoas chegarem ao meu consultório já com o diagnóstico feito. O mais clássico é a doença bipolar. A pessoa chega e diz que acha que já sabe o que tem. Diz: “Acho que sou bipolar porque tenho dias em que estou bem disposto e outros em que estou mal disposto”. Isto não tem nada a ver com ser bipolar. A iliteracia, de mão dada com a incapacidade de triar informação, num mundo que está cheio de notícias falsas, é algo que é muito complicado.


O facto de o SNS não estar a dar resposta, pode estar a contribuir para em Portugal haver um elevado consumo de psicofármacos?

Sim, mas não é a única razão. Nesta sociedade há uma tolerância baixíssima aos sentimentos negativos, ao sofrimento. Existe uma enorme nostalgia da “pastilha” que resolve tudo. Há pessoas que nos vêm consultar que ficam completamente desiludidas se não levarem uma receita. Mas o mais importante é do lado dos médicos. A consulta de medicina geral foi completamente espartilhada em termos temporais. Há uma sobrecarga de variáveis que os médicos têm de controlar, de campos de computador para preencher, etc. Começaram a surgir queixas dos dois lados da secretária – dos médicos e dos doentes. Os utentes dizem: o médico nem olhou para mim na consulta, esteve sempre a olhar para o computador. O que é verdade. E os próprios médicos também se queixam porque isto compromete a relação médico-doente, que é a base de tudo. As pessoas não se sentem ouvidas e muito menos escutadas, e do outro lado da secretária os profissionais de saúde sentem uma pressão brutal para apresentar números. Neste tipo de situação e com esta pressão, é muito mais simples receitar medicamentos. Mas há mais um fator. A indústria farmacêutica também exerce pressão sobre os médicos. Não vamos iludir-nos. Sempre exerceu. Mas, na minha opinião, o que mais contribui para os números recorde no consumo de psicofármacos é o facto de não haver as condições ideais para consulta. Não há tempo para falar com as pessoas.


No primeiro semestre de 2022, os portugueses compraram 10,9 milhões de embalagens de ansiolíticos, sedativos e antidepressivos. Estando tanta gente medicada, que implicações isto tem tanto para os próprios como para nós, enquanto sociedade?

Em primeiro lugar, isso não é um bom sinal em termos de sociedade. Uma das coisas que esta sociedade não tem sido capaz de impedir é o isolamento progressivo de cada vez mais pessoas. O que é terrível para a saúde mental. Por outro lado, o facto de haver mais pessoas que estão medicadas, traduz-se em riscos. Nós, sobretudo depois de uma boa jantarada, estamos sempre a pensar se aparece a brigada de trânsito. Se a brigada aparecer e, além de dosear o álcool, for dosear ansiolíticos, antidepressivos, etc.…, apanhamos todos um susto enorme. Há, ao volante ou a atravessar a rua, milhares e milhares de pessoas cujos reflexos estão lentificados porque estão medicadas. E, além disso, grande parte desses medicamentos provocam dependência. Aparecem-nos pessoas que dizem que tomam aquela medicação há 15 ou 20 anos. Aquela “pastilha” já faz parte da sua rotina. Outras dizem: sinto-me embotado em termos de sensibilidade ou, quando tomam medicações mais pesadas, dizem que se sentem embrutecidos, a cabeça não funciona com a clareza que desejavam, etc. Haverá sempre pessoas que têm de ser medicadas, algumas sem fim à vista. Mas o que temos neste momento são pessoas que, por vezes, são medicadas quando não deviam ser. A melhor maneira de abordar a situação, pelo menos naquela altura, não é essa. Na verdade, muitas vezes o que as pessoas sentem é um enorme vazio dentro de si. Uma rede social de apoio, por exemplo, é algo com um efeito terapêutico brutal para as pessoas. Nomeadamente para os mais velhos, mas não só.


De que é que as pessoas se queixam no seu consultório?

Se a brigada de trânsito aparecer e, além do álcool, dosear ansiolíticos e antidepressivos, apanhamos todos um susto enorme.

Há um desencanto nas pessoas com aquilo que as rodeia.

Há de tudo. Uma das queixas que mais tem aumentado é o desencanto com o que as rodeia. As pessoas dizem-me: ontem desliguei a televisão porque passaram horas a cobrir isto ou aquilo. Estamos numa situação política muito pouco agradável. Há problemas que, obviamente, têm de ser abordados, investigados e esclarecidos. Mas é uma espécie de telenovela que está a anos-luz das preocupações reais da população. Neste momento, o português médio está preocupado com o desemprego. A precariedade laboral é terrível. Há pessoas que dizem que não sabem se para o mês que vem ainda têm emprego. Também existe uma preocupação com as condições de vida e o receio do que o futuro pode trazer. Uma pessoa cuja prestação da casa aumentou 80 ou 90 euros e, ao mesmo tempo, leu que no primeiro trimestre os bancos lucraram mais de 950 milhões de euros, como é que se sente? Daí o desencanto. As pessoas estão céticas e, muitas vezes, de uma forma injusta acabam por meter tudo no mesmo saco. Dizem-me que deixaram de acreditar nos políticos. Quando se ouve as pessoas dizer “é tudo igual”, é muito mau. Agora, indo mesmo para a clínica, sem surpresa, aquilo que eu tenho encontrado mais são síndromes depressivo-ansiosos.


As questões económicas são determinantes para a saúde mental?

O agravar do fosso entre pobres e ricos não só tem consequências em termos sociais, porque as pessoas ficam revoltadas, mas tem obviamente consequências ao nível da saúde mental. Há artigos a dizer que em Portugal pode demorar quatro gerações para sair da pobreza e chegar à classe média. Quatro gerações? Isto é obsceno! As políticas de saúde, cada vez mais, têm de ser multidisciplinares. Não podem estar concentradas só no Ministério da Saúde. A Segurança Social, o Ministério da Educação e a própria arquitetura das cidades, que se tornaram selvas de concreto, têm de estar envolvidos.


Ainda existe um estigma sobre a doença mental. Haver figuras públicas a admitirem que tiveram uma depressão ou que têm transtorno obsessivo-compulsivo, por exemplo, contribui para diminuir o estigma?

Contribui. Pessoas com prestígio social, cujas intervenções são seguidas por muita gente, que são bem-sucedidas na vida (seja lá o que isso signifique), ao admitirem que sofrem disto ou daquilo, faz com que as outras pessoas percebam que não é impossível obter determinadas coisas nesta sociedade mesmo tendo este problema.

sábado, 7 de janeiro de 2023

A Americanização dos Serviços de Saúde Europeus em Curso


 Os governos conservadores sucedem-se no Reino Unido, a descapitalização dos serviços de saúde avança e o caos instala-se com centenas de mortos todas as semanas. As pessoas não conseguem consultas, automedicam-se, recorrem à internet e começaram as greves dos profissionais como nunca se viram. 

Nesta mesma semana em que saem notícias do caos da saúde britânica (esta notícia li-a no La Vanguardia)  abordou-se também no primeiro Old Friends do ano da Antena 1 a temática da saúde e, relembrar que os dois intervenientes são Júlio Machado Vaz e Sobrinho Simões são dois médicos e, como tal, com opiniões avalizadas sobre o tema. Aqui ficam alguns excertos bastante reveladores:

"Os serviços nacionais de saúde na Europa estão em risco de colapsar e não é por causa da Covid. É por questões de subfinanciamento e falta de pessoal. Nós não podemos dizer à malta: "não envelheçam"!


Em Inglaterra é caótico.
Há numerosas organizações a dizer que os governos conservadores têm tido um sistemático subfinanciamento. Depois a questão dos salários e de fuga de profissionais.

Está a acontecer uma americanização dos serviços de saúde na Europa?
É verdade. Está a acontecer isso que é péssimo pq o sistema americano do ponto de vista da eficiência é péssimo. O sistema é mais caro e muito pior que a Europa. Qualquer país da Europa, mesmo nestes fraquinhos, são melhor que os americanos em termos do custo-benefício. A América é extraordinariamente cara e é obsceno.

Todos nós portugueses ficamos espantados como é que há tantos hospitais privados e continuam a fazer hospitais privados num país pobre. Grande parte da medicina privada portuguesa é paga pelo contribuinte, por exemplo a ADSE.Sou a favor de manter a medicina privada e social mas não pode é ser à nossa custa.

Se há um tipo que tem um cancro e vai para uma instituição privada e nós já sabemos que se demorar mais de X semanas ele vai chegar ao teto e eles mandam-no para casa para um hospital público. Eles ganharam durante muito tempo com medicamentos caríssimos e ganharam uma vantagem económica enorme para os privados e depois os chaços vão para o público.

Acontece o mesmo com os partos. Se as crianças nascem bem é um sucesso e foi por cesariana e toda a gente fica felicíssima. Se por ventura ao terceiro dia a criança está mal, é pá chama-se o INEM e eles levam para o hospital público. E estes custos caem depois só no público.

domingo, 27 de março de 2022

Nada Substituiu o Toque Humano


"A solidão é um problema de saúde pública de tal forma que, pelo menos que eu saiba, a Inglaterra e o Japão já têm ministros para a solidão (ou ministérios)". (Júlio Machado Vaz)

Andei muitos anos à espera de ter fibra ótica aqui para poder ter televisão. Agora que finalmente chegou já não me apetece. Porque tantos são os anos que já me habituei a não ver televisão que já não sinto falta. Ainda parei por momentos a olhar para o folheto com os preços e os canais e a internet mas, a verdade é que eu acho que já nem saberia ver televisão. Então caguei e irei continuar sem televisão por cabo e sem ver as séries que toda a gente quer ver e parece que o mundo vai acabar se não estiver a par.

E muitas vezes é isso que acontece. Deixamos de sentir falta daquilo que não temos. 

A pandemia não foi propriamente favorável para quem está solteiro. Estados de Emergência atrás dee Estados de Emergência e confinamentos atrás e distanciamentos. E depois, a verdade é que o contacto virtual diário é muito confortável, mas adaptando uma expressão muito usada na pandemia, acho que "apenas transmite uma falsa sensação de proximidade".

E por estes dias fiquei a pensar. 

Sentei-me na cadeira. A desconhecida perguntou-me o meu nome completo. Lá respondi. E entretanto começou a deslizar a sua mão pelo meu braço e isso foi uma novidade. E por momentos até me segurou a mão. Juntou os dedos e foi fechando a mão... segundos antes de me espetar uma agulha no braço para retirar sangue.

Algumas campainhas tocaram. Porque nada substituiu o toque humano. 

terça-feira, 17 de agosto de 2021

Qualquer dia Estamos a Acabar uma Relação com um Emoji


 A propósito das afirmações de Cristophe Clavé, que relaciona o empobrecimento da linguagem com o emburrecimento coletivo (temos primeira vez uma geração com um QI inferior ao dos pais) aqui deixo alguns excertos do programa "O Amor é" da Antena 1 com Júlio Machado Vaz e Inês Menezes. 

"Ao simplificarmos cada vez mais a linguagem é inevitável que, atrás da linguagem vá também o processo de pensamento.

Vou-lhe dar um exemplo, que por caso me irrita bastante. Eu gosto muito de adjetivos e, hoje em dia, assistimos, quer na televisão, quer nas redes sociais, hoje em dia parece que só temos um adjetivo que é o "incrível". O incrível dá para tudo. Não quer dizer que eu não o use, porque eu também o uso, mas, tudo está resumido ao incrível e isso terá a ver com este empobrecimento da linguagem, com esta preguiça. Nós não vamos procurar outra forma de adjetivar, serve-nos o incrível. 

Quer ver um verbo? "Amei".  Uma pequena notícia? Amei. O filme não-sei-quê? Amei. E neste aspeto até há outro risco, que é, a banalização das palavras. O verbo amar, para mim, está muito relacionado com pessoas e com sentimentos por pessoas. 

"Menos palavras e menos verbos conjugados significam menos capacidade de expressar emoções e menos capacidade de processar um pensamento. Estudos têm mostrado que parte da violência nas esferas pública e privada decorre diretamente da incapacidade de descrever as emoções em palavras" (Christophe Clavé)

Se nós não conseguimos articular (antes de dizer as palavras nós pensamos). Numa discussão estamos a elaborar um argumento. Se a poupo e pouco isso se vai tornando cada vez mais difícil nas nossas cabeças, antes de as escrevermos ou dizermos, isto vai empobrecer a nossa capacidade de argumentar. Perante essa incapacidade de argumentar, uma das pseudo-soluções é a emoção tomar o lugar do processo de pensamento. E então o que acontece é que, com meia dúzia de palavras, o que nós acabamos por verificar é que desaguamos no conflito, as posições são rígidas, tão mal explicadas, as pessoas não têm maleabilidade. Veja por, por exemplo, à medida que nós vamos tendo mais dificuldade de criar aquilo que é dito - e não é só a palavra pura e dura - é a maneira como a palavra é dita. Nós vamos perdendo a capacidade de discernir, de vez em quando, entre o insulto e o humor. E isso pode ser catastrófico num diálogo. 

As nuances da linguagem. Há palavras muito próximas. Quem tem muito bom vocabulário tem a capacidade de fazer um autêntico degradé no seu léxico, e isto é, muito enriquecedor, para a pessoa, porque tem ao seu dispor uma paleta, não de cores, mas de palavras, para traduzir o que sente, muito mais rica, mas também para quem ouve. 

O Empobrecimento da Linguagem / O Amor é - Antena 1

domingo, 11 de novembro de 2018

O Grande Feito de Donald Trump - E Quem São os Fanáticos Defensores Trump?

"Por exemplo, em relação a Trump eu acho que isso joga a favor dele, sabe? Porque, em entrevistas que eu por vezes oiço, a opinião das pessoas, e nomeadamente atendendo aquilo que são os pré-conceitos, joga a favor dele. Porquê? Por que é a estratégia da vitimização de, lá estão todos aqueles intelectuais de pacotilha, na CNN, no New York Times, etc, a atacar o "coitadinho", só porque ele não é um deles, só porque ele foi contra os interesses estabelecidos, que foi, se quiser, o grande feito dele. É que, pertencendo ele à alta finança americana, estando ele a vida inteira às cotoveladas com os políticos e os financeiros mais poderosos, ele conseguiu passar a mensagem de "eu sou contra o sistema (e como ele próprio disse): eu vou drenar o pântano de Washington".  A partir dessa altura, ele é o campeão dos desfavorecidos que, é tristemente irónico num tipo que nós sabemos que ainda por cima tem uma trajetória em termos de fortuna pessoal que não foi propriamente feita à custa de justiça para com os seus próprios trabalhadores(...)

Nós estamos a falar de um homem que mandou fazer Photoshop na cerimónia de investidura, para parecer que estava mais gente do que estava, para poder dizer que tinha sido a maior cerimónia. Está a ver a fragilidade de narcisismo desta pessoa?




Fascinante, para quem trabalha na área que eu trabalho é como, o núcleo duro de apoiantes de Trump, que dizem, vezes sem conta às televisões "estou-me nas tintas para isso tudo; mesmo que seja verdade o que dizem dele eu continuo a votar nele" quem são?

Os brancos. Homens. Os frustrados profissionalmente. E os com pouca educação. 

Ou seja, gente em que há um ressentimento muito grande. E às vezes com razão. A vida foi madrasta percebe? E as fake news sobre o Obama a dizer que ele tinha nascido no Quénia e que portantanto não se podia candidatar? E os sociólogos que estavam cheios de razão "Hillary Clinton não é uma boa candidata nas suas permanentes ligações à alta finança (como o próprio Trump, não é?), mas não é só isso que está em jogo. Nos Estados Unidos um homem negro vá que não vá, agora uma mulher, seja de que cor for, nem pensar"! Não estão preparados para isso. 

A espada de Dâmocles - O Amor é / Júlio Machado Vaz


quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Traição e Quebra de Confiança nos Tempos Modernos

... "E agora aqui, lá vem outra vez a velha história Inês: o que é trair?
Cobiçar uma terceira pessoa é já trair ou não?
Bom, repare como todo esse conceito da traição também mudou com as redes sociais. 
Nem mais.
Repare, se nós passamos várias horas da noite a trocar mensagens com alguém, enquanto o nosso marido (ou mulher) está a dormir, isso não é já traição?
- Que é que acha?
Até pode ser o início duma bela amizade, se for ainda bem. Mas, quando os nossos estão na nossa cama, e nós estamos entretidos com alguém novo a conversar, eu diria que já há aí um....fosso, não é?
Tiremos a palavra traição, porque na minha opinião a traição é uma palavra que continua muito agarrada à carne...
- Sim, ao sexo. Quando nós demonstramos interesse por outra pessoa... vamos pensar no interesse não é?...
E digamos assim. Será ou não consensual dizer que há quebra de confiança? Eu acho que há. 
O outro não sabe Inês. Ou você conta-lhe? Se você lhe conta não há problema nenhum. 
Pois....julgo que não.
Não contam. Se não contam é por alguma razão. Porque uma pessoa pode dizer "oh pá tu não imaginas o fulano interessante da Nova Zelândia com quem eu estive a conversar ontem à noite. Ponto final parágrafo. Disse tudo. Agora, quando isso é escondido...
Quando ainda é Nova Zelândia é um sossego porque está muito longe!
Cuidado! Aí há efeito de género. É um sossego sobretudo para os homens. Porque os homens continuam muito agarrado ao físico. Ao que acontece no concreto. 
No imediato também...
Nas mulheres não há assim tanto sossego. As mulheres podem ficar irritadíssimas, mesmo sendo na Nova Zelândia e não havendo nenhuma passagem de avião marcada. E outra coisa, em que hoje em dia você encontra, entre aspas, um comportamento masculino é, mulheres que têm relações extra-conjugais a dizer "mas o meu casamento é muito feliz". Isto era paleio de homem....

As mulheres são mesmo emocionalmente diferentes dos homens? O Amor é / Antena 1



domingo, 18 de março de 2018

Não Basta Gostar

"Não. Há pessoas que ainda gostam uma da outra (eu sei que isto faz muita impressão a determinadas mentes) mas é assim, há pessoas que ainda gostam uma da outra, e chegam à conclusão que não conseguem viver juntas. Estou completamente disponível para aquele argumento, "mas se gostassem mais, tentavam mais". Eu lamento muito mas, do que a experiência me diz (o que é muito pouco romântico) é que não basta gostar. De vez em quando, nós temos maneiras de estar na vida, que tornam a convivência impossível." 
(Júlio Machado Vaz)

"Criar um filho com o "Ex" - O Amor é / Antena 1




domingo, 4 de março de 2018

As Médias Altíssimas Não Provam Rigorosamente Nada

"Quando as pessoas iniciam um curso de medicina, deveria ou não deveria haver mais algum critério, que não apenas uma média altíssima? As pessoas podem ter a opinião que quiserem. Um facto é indiscutível. As médias altíssimas não provam rigorosamente nada da capacidade daquela pessoa para aquilo que eu considero o fulcro de qualquer relação de ajuda, neste caso a medicina, a sua capacidade para estabelecer uma relação de ajuda. Nada. Lembra-se de eu lhe dizer, num registo paralelo, que uma vez as três médias de 18 do meu curso iam calmamente no corredor do Hospital de São João e, de repente, uma pessoa teve uma crise epilética à nossa frente. E as três médias mais altas ficaram petrificadas. E um colega nosso, que se bem me lembro se deve ter formado com uma média de 11, 12 ou 13, imediatamente tomou as medidas necessárias para ajudar aquela pessoa. Uma coisa é ter notas altas nos exames, outra coisa é estar à cabeceira da cama do doente, ter o doente à nossa frente, etc. E portanto, é bom dizer que há quem defenda, que deveria haver uma avaliação mais diversificada, mais complexa, dos candidatos para medicina.

(Júlio Machado Vaz)

Dar Más Notícias / O Amor é / Antena 1



segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Certezas & Gavetas

"Olhe, em áreas como a igualdade, os direitos das minorias, etc. O movimento que muitos de nós pensaram e desejaram que seriam um movimento sem passos atrás, tenho dúvidas... É evidente que, com alguma frequência, disfarçado pelo politicamente correto, mas (...) olhe, por exemplo, em relação às homossexualidades, se a Inês pensa que eu só oiço reticências ou pontos de exclamação escandalizados das gerações mais velhas, está completamente enganada. Eu oiço de gente muito mais nova as velhas frases "tudo bem, mas então façam essas coisas em casa deles... não à vista de todos". Eu ainda oiço gente, e isto é doloroso para alguém com o trajeto que eu tenho. Eu ainda oiço gente de dezoito, dezanove, vinte anos, empregar palavras como "que nojo" ou "que vergonha" em relação a outras pessoas. 


Via Pinterest

Olhe, quer ver outro exemplo clássico? É assim. "Não tenho nada contra os gays, etc, mas, que necessidade é que eles têm de fazer uma parada e isto e aquilo...?" Uma pessoa não tem obrigação nenhuma de gostar de paradas, aliás de gays, ou sem serem gays. Por exemplo (fora da questão da orientação sexual) eu, por exemplo, por vezes sentia-me envergonhado com o que observava nas paradas das queimas das fitas, porque de repente, havia uma parcela da população, que podia passear-se pela cidade, bêbaba como um cacho (ou pelo menos a maior parte) porque era estudante universitário e porque se estava naquela semana. E espetáculo não era edificante. Mas o que  é curioso, é que as pessoas dividem isso, espontaneamente, pela orientação. Como se aquilo, aquele tipo de espetáculo, só pode ser feito pelos gays. Os heterossexuais são incapazes e fazer aquilo. O que não é verdade. E depois esta questão de homogeneizar toda uma população é outro erro. Eu conheço gays que não apreciam nada as paradas de orgulho gay, e que alguns até dizem assim: "eu compreendo a intenção", outros até dizem "eu compreendo que em determinada altura isto foi a única forma de nós, verdadeiramente, metermos a realidade pelos olhos dentro das pessoas, mas hoje em dia acho que esse ponto está ultrapassado e portanto não seria necessário .É uma opinião legítima, portanto, logo aqui você vê como a vida é complicada, que é, passa uma parada gay, e você tem a assistir heterossexuais em alguns dos quais estão divertidíssimos, heterossexuais que estão escandalizados, e tem gays que stão a olhar para aquilo e, eventualmente, a pensar a célebre frase do Herman José "não havia necessidade". E é esta diversidade absoluta que existe, que as pessoas negam porque nós temos uma nostalgia espantosa, de ter certezas e de ter gavetas. 



domingo, 17 de setembro de 2017

Como Surge a Simpatia pelo Discurso Xenófobo e Racista

"O que é que nós temos vindo a verificar?
Nós temos vindo a verificar que tem vindo a atingir o poder ou a ficar muito perto de o atingir, gente, com um discurso, de uma violência, duma xenofobia extraordinária. E nós muitas vezes interrogamo-nos: mas como é que isto é possível?
E temos muito a ideia que, aquela gente, só pelo seu carisma, convencem as pessoas disto e daquilo. É infinitamente mais complicado. Porque o que acontece é que, o maior sucesso dessas pessoas é, no meio de outras, que têm um mal estar larvar, que encontra - digo eu - uma falsa resposta nas promessas dessas pessoas. 


As pessoas sentem-se rejeitadas. As pessoas têm falta de emprego. As pessoas sentem-se ameaçadas num processe que é clássico, o ser humano pelos outros, que é: a vida corre-me mal, de quem é a culpa? É muito mais fácil que a culpa seja de um tipo que tem uma cor diferente. E agora aparece alguém, que vem confirmar digamos assim, essas nossas teorias e diz: se nós nos livrarmos do Outro, nós voltamos ao paraíso perdido. Que é outra das táticas, que é dizer, antigamente é que era bom. E portanto, não é nada de admirar, que haja terreno fértil, para que determinadas ideias (muitas vezes nem são ideias, são puramente slogans) possam medrar, e levar a que se ganhem eleições.

Júlio Machado Vaz / O amor é... / 16/9/2017

domingo, 2 de julho de 2017

Monogamia ocorre em Menos de 5% dos Mamíferos... e nem os Arganazes são fieis!

"O amor monogâmico acontece em algumas aves (como o mandarim) e em menos de 5% das espécies dos mamíferos. Entre elas, claro, estão os seres humanos, os castores, as lontras, os lobos e os arganazes-do-campo. 

E eu admiro extraordinariamente a sua fé nos seres humanos... para os pôr nesta lista com essa tranquilidade toda!


Arganazes-do-campo  (Todd Ahern)

Eles (os arganazes-do-campo) assim que acasalam, os machos e as fêmeas preferem sempre a companhia do se parceiro, andam sempre lado-a-lado e zelam muito pelos seus filhos. 

Mas repare uma coisa que disse, que é importante: assim que acasalam. Tem de haver acasalamento. Agora vamos pela estrada do costume nestes trabalhos, que é: e como é com os humanos?
A transposição imediata é dizer assim: a primeira pessoa com quem nós tivermos relações sexuais, nós ficamos com ela em relação monogâmica até ao fim da vida. 

O que acontece é que, como nós já dissemos (e neste artigo não vem mencionado e na minha opinião devia) é que mesmo nos arganazes monogâmicos, aquilo que se verifica é uma "monogamia social, porque pela análise genética dos bebézinhos arganazes, chegou-se à conclusão que em famílias monogâmicas, havia crias que não eram daquele pai. Ou seja (...) muitos deles são socialmente monogâmicos, mas sexualmente não são monogâmicos.  

O Amor é... (Diário)  - Júlio Machado Vaz


segunda-feira, 29 de maio de 2017

Depressão: o confronto com o inevitável

O último programa "O Amor é" da Antena 1, que ouvi ontem, versou sobre um artigo que saiu a semana passada no El País, e que refere que dois milhões e meio de espanhóis sofrem de depressão, e que a depressão em 2030 será a primeira causa de incapacidade no mundo. Já o programa  caminhava para o fim, quando retive estas palavras do mestre, e que eu mesmo digo tantas vezes:

"O que não se pode esperar é que, seja qual for a pastilha, vá alterar essas condições, que estão a pôr-lhe a cabeça num torno, ou que modifiquem formas de funcionar que se tornaram em si reflexas e que fazem com que a sua vida não corra bem, e que você se prejudica a si mesma. Não pode pedir isso à pastilha. Em contrapartida,numa psicoterapia pode descobrir isso e pode modificar maneiras de funcionar. O que não é fácil. 

Porque, por exemplo, para essas pessoas (na maior parte das vezes) de uma forma inconsciente, por incrível que lhe possa parecer, a situação que, neste momento as atormenta é má, mas a resolução dessa situação é ainda mais ameaçadora. 

Vou-lhe dar um exemplo clássico (que mostra bem como estou num dia sem réstia de imaginação!) : se aquela pessoa está deprimida por a sua vida conjugal ou a sua relação estar de pantanas, e ela sofre forte e feio, mas se a pessoa, durante a psicoterapia, começa, consciente ou inconscientemente, a aperceber-se que a única maneira de resolver aquilo é a separação, a pessoa pode desaparecer da psicoterapia. Porque a hipótese da separação, é ainda mais aterradora do que a maneira como sofre. 
Ou por questões religiosas, ou porque na família nunca ninguém se divorciou, ou porque tem lá um medo, pânico, de ficar sozinha, ou por, uma miríade de razões: é mais ameaçador sair daquele estado, do que nele ficar, e esta pessoa pode, por exemplo, tornar-se deprimida crónica. 

Júlio Machado Vaz 

Para ouvir o programa: A depressão ainda é um tabu

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Admiração pelo Outro

theodysseyonline.com

"Eu acredito piamente, que uma relação amorosa, para durar, tem de incluir uma dimensão de admiração pelo outro. Cuidado. Não idolatria. Mas nós temos de admirar uma ou outra coisa pelo menos no outro."

Júlio Machado Vaz



sábado, 5 de novembro de 2016

Será isto definitivamente o Amor?

Foi por mero acaso que o encontrei de novo, e porque depois de o ter reencontrado não o quis perder, voltei à rotina de ouvir o Júlio Machado Vaz na rádio. E ainda por cima agora não há desculpas, uma vez que se não podermos ouvir a emissão em direto (ou em repetição na rádio) temos ali tudo escarrapachado na no site da Antena 1.

E no programa "O Amor é" da semana passada, a propósito de um poema do Valter Hugo Mãe (sem dúvida que o que trouxe do Chico Buarque - conheço-o bem - é mesmo muito potente!) o professor colocou uma questão muito interessante. Será que, depois de uma separação, quando as pessoas desejam o melhor para o outro, estão a ser realmente verdadeiras ou podem estar um pouco iludidas?

E o que me parece é que, só o simples facto de alguém se separar e desejar o melhor para o outro já não será para todos. Mas tudo dependerá sempre da forma como as coisas acabam. 

Ainda assim, como diz o professor, grande parte das pessoas só pensa em si mesmo, e acha que "se não foste feliz comigo,não serás com mais ninguém". Mas há outras pessoas que pensam assim. Racionalmente querem mesmo o melhor para outro. Mas será que, bem lá no fundo estamos a ver o alcance  do "não deu certo connosco, vai lá ser feliz"? 
Seremos assim tão magnânimos? 



O professor disse que nem quer ir muito fundo quando no consultório confronta as pessoas. Nem é preciso entrar logo de chofre e perguntar "e consegues imaginá-la na cama com outro?", porque normalmente nem é preciso. Basta fazer a simples pergunta:

"... portanto, desejas que um dia destes a encontres, à beira mar, com um fulano ou uma fulana, com o braço por cima dos ombros?"

E na maioria dos casos a resposta é a palidez na cara das pessoas. E de imediato as pessoas refletem, caem em si, e percebem que estavam completamente enganadas. 

"Mas ò professor, eu achava que era mesmo que era o que eu desejava, mas agora pôs-me essa imagem e isso horroriza-me". 

Pois é... quer-se mesmo o melhor para o outro, ainda que só do ponto de vista racional, mas há pessoas que não estão preparadas para levar com isso de frente.

Mas é curioso que, enquanto o ouvia, de imediato as suas palavras, sempre sábias, transportaram-me para o seu livro "Estes difíceis amores", onde descreve precisamente isso, onde também há mar e braço por cima dos ombros:


Eis-nos aqui. Domingo de sol, passeio junto ao mar, esses olhos azuis que o desejo nublava fitam-me transparentes, agressivos de tão risonhos, "como estás". Como estou? E tu que achas vendo-te assim acompanhada? Ele tem bom aspeto, sorriso franco, nada indica o ciúme de paixão mal resolvida da tua parte; sente-se seguro. Esqueceste-me. Pior!, já és minha amiga. Pronto querida, vou ser politicamente correto , "bem". O tempo, o amigo comum que encontraste e me acha cansado, a etiqueta, "este é o ...". Que interessa o nome?, é o teu homem, "muito prazer". Ele sorri, sabe que não sinto a frase, mas compreende, afinal sou o tipo que perdeu a mulher que ele não dispensa, "muito prazer". Um silêncio constrangido entre os dois que resolves com à-vontade, "foi bom ver-te". Era necessário humilhar-me tanto? Uma vontade imensa de te abanar - "sou eu lembras-te?, tinhas a certeza que era o amor da tua vida..." -, acorda!, ainda podemos...

Os dois afastando-se o braço dele sobre os teus ombros, o segredo ao ouvido e esse cabelo, onde me perdia, volteando ao ritmo da gargalhada. Serias incapaz da chacota a meu respeito, é outra a razão, simples e infernal - estás feliz. E uma parte de mim, ainda tímida, quase clandestina, deixa cair os braços e reconhece a derrota e culpa, fica grata pelo que me deste e murmura um "boa sorte" que todo o resto do que sou fita horrorizado. 

Será isto definitivamente o amor?


Estes difíceis amores / Júlio Machado  Vaz / 2002 


sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Preconceitos: O sexo e o envelhecimento

Por estes dias alguém me dizia como ficara quase emocionada quando viu um casal de velhos de mão dada. "Já não há sexo, mas o amor manteve-se até que a morte os separe". Ao que eu manifestei a minha opinião contrária. "Mas quem te diz que já não há sexo"? Sabes lá! Isso é um preconceito muito comum, parece que o sexo é coisa exclusiva dos jovens. Faz-me até lembrar a decisão de um juiz, que apoiado nos seus preconceitos, vinte anos depois, reduziu a indemnização a uma mulher, com a desculpa de que, "depois dos cinquenta anos, o sexo já não é importante". O meu "mestre" mostra-nos que isso não passa mesmo de puro preconceito:

Há dias fui abordado por gente simpática que tenciona introduzir o tema da Sexologia num portal da Internet. Pediram a minha opinião sobre os conteúdos propostos. "Acrescentaria mais alguma coisa"?, perguntam. Respondi  que não vira nada sobre sexualidade e envelhecimento. Deram uma vista de olhos ao índice e concordaram, surpreendidos. Um pôs hipótese que reputo de verdadeira: "no fundo estamos sempre a pensar nos utilizadores mais jovens". E ainda bem!, eles precisam de boa informação e espaços de conversa, lixo já existe de sobra. Mas o esquecimento é natural, vivemos em mundo obcecado pelos números que habitam o bilhete de identidade das pessoas; não ser jovem - ao menos de espírito! - começa a estar perigosamente fora de moda. No dia seguinte um certo mail desaguou no meu computador. Uma organização sem fins lucrativos - é bom salientar estes factos! -afirmava ter um projeto para familiarizar os idosos com a Net. Imaginem para que área desejavam a minha ajuda?

Comecemos pelas palavras. Não gosto muito das expressões que nós, os especialistas, vimos divulgando. "Terceira idade", "Segunda metade da vida", "Idosos", quem traça os limites? Até eu já me encontro baralhado. Que estou na segunda metade da vida não tenho dúvidas, mas já vivi as duas primeiras idades? Idoso é um sinónimo caritativo de velho? Mas porquê? a palavra não traduziu sempre um estatuto honroso no passado? Prefiro não esquartejar o nosso caminho e manter pedaços de vida em gavetas fictícias, muitos de vocês já descobriram que alma e articulações não envelhecem de mãos dadas. E não utilizei este verbo por acaso,tudo se torna mais simples se nos pensarmos envelhecendo e não velhos súbitos a partir de um cerro lusco-fusco.

A vida é uma caminhada e, a menos que existam problemas de saúde física ou psicológica, a sexualidade mantém-se fiel até ao fim, está-nos em sangue e sonhos.

Passemos ao título da crónica. Amantes. Triste sociedade esta que, de todos os significados presentes no dicionário, em geral apenas recorda o de "pessoa que mantém relações ilícitas com pessoa de outro sexo". Ignorando outras que recordam paixões e namoros, dir-se-ia que aceitamos, resignados, que palavra orgulhosa de Abelardo e Heloísa, Romeu e Julieta ou Cyrano e Roxanne se veja exilada para o reino do mexerico, " sabes com quem anda fulano"? Para não falar do "outro sexo", até o ilícito é negado aos homossexuais!
Imagino leitor impaciente: "está bem, homem leve a taça! Mas chamar-lhes clandestinos? Isso não é conversa do tempo  da outra senhora"? Há clandestinidades que não dependem da existência de polícias políticas, o silêncio ou o escárnio chegam. Já repararam que ninguém se escandaliza com uma eventual repressão da sexualidade dos mais velhos?
E no entanto... Quando projeto um diapositivo com dois a beijarem-se, escuto risos abafados pelo anfiteatro. Se paro e indago a razão, um dos meus meninos arranja coragem para dizer: " Ó Dr,, acha natural com aquela idade? Por acaso acho, mas o mais grave é que os próprios interessado absorvem a mensagem. Ainda há pouco alguém me dizia que iniciara uma relação e hesitava na palavra para a definir. E eu arrisquei: "não será um namoro"? Resposta clássica: "Se eu tivesse menos trinta anos seria, agora..."
Não há maior clandestinidade do que a auto-imposta. Envergonhados, vivemos os afetos escondidos de nós próprios. Amargos, consideramos que chegou o tempo da reforma e saudade. Quando a palavra paixão nos aguilhoa, enviamo-la para o exílio ternurento dos filhos e netos à volta do almoço de domingo. E contudo, nada obriga a que nos sentemos à mesa com o erotismo perdido nas brumas da memória.

Regressemos à relação entre sexo e envelhecimento. Antes de mais, para referir que o aconselhamento sexual nesta área é cada vez mais procurado. Seguramente porque as populações envelhecem, as estatísticas e as dores de cabeça governamentais não mentem. Mas também porque alguns mitos se resignam a ser apenas isso - mitos.
Tomemos o exemplo de um inquérito levado a cabo pelo Conselho Nacional Americano para o Envelhecimento. Das mil pessoas de ambos os sexos entrevistadas, todas com mais de cinquenta anos, 60% estavam satisfeitas com as suas vidas sexuais. Cerca de 61% diziam ser o sexo tão bom ou melhor que na juventude e 70% tinham relações sexuais pelo menos uma vez por semana. Não menos elucidativo, das que afirmavam ser o sexo raro ou inexistente, 34% responsabilizavam pelo facto, doenças variadas, a perda do parceiro ou efeitos colaterais das medicações. As queixas sexuais referidas eram semelhantes às dos mais novos, embora a frequência de coito e masturbação fosse menor. Os indivíduos para quem a atividade erótica fora satisfatória no passado continuavam a destacar-lhe a importância, demonstrando como é falso o mito segundo o qual existiria o risco de nos "gastarmos sexualmente" enquanto jovens e depois, velhos falidos servimos apenas para mimar netos, vencer campeonatos de sueca ou tricotar junto à lareira.

Mas se os mais velhos partilham interesses com os jovens, o mesmo se verifica, infelizmente com as angústias. As alterações da função sexual, relacionadas com o envelhecimento são-lhes desconhecidas e por isso mais assustadoras, não são apenas os adolescentes a precisarem de - pelo menos! - informação de boa qualidade. E imaginem (os que por lá não passaram) a angústia de quem fica sozinho e não acredita poder ainda despertar o desejo que fala através de um olhar maroto ou do convite hesitante para jantar. Há gente que sufoca sob uma solidão sofrida e não escolhida, simplesmente porque o espelho confirma os seus receios, "credo!, quem me pode achar piada"? Os adolescentes dizem o mesmo, a insegurança não tem idade.

Excertos de Amantes Clandestinos I e II de Júlio Machado Vaz

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Os amigos-sósia

"Não vejo a amizade como algo que implica o ombro a ombro sistemático. Passo meses sem falar com o meu melhor compincha, quando acontece ambos nos penitenciamos. Sobretudo agora!, sendo médicos temos acesso a tudo o que é má notícia - "soubeste do fulano"? - e os anos tendem a empurrar as surpresas para a face triste da moeda. Por isso de imediato surgem juras de encontro imediato, conversa longa e despautério alimentar. Nesses longos intervalos deixamos recados no telemóvel um do outro a pretexto de ninharias e esprememos os respetivos herdeiros que, risonhos e escandalosamente crescidos, em nós tropeçam durante uma caminhada soalheira junto ao mar - "diz ao malandro do teu pai para me telefonar".

Este aparente desapego não traduz menor exigência. A profissão ensimou-me que somos bem menos complacentes para com os amigos do peito do que para os amantes. A paixão amorosa é muito violenta, mas pedi-mo-lhe o céu na terra e não solidariedade à flor do chão. Os apaixonados estão prontos a fugir do mundo ou a bater-se contra ele, os amigos são capazes de o transformar, armados de sólida intimidade entre pessoas reais, a abarrotar de defeitos graves e virtudes frágeis. O amante devolve-nos a imagem do que somos nos seus olhos, por definição enganados e mentirosos, "quem feio ama..."; o amigo é uma mistura de espelho, cruel de tão límpido, grilo falante impiedoso, e cúmplice até à morte.



No consultório, quando rebusco a vida social de um cliente, ouço muitas vezes quem tem "montes de amigos". Ao pedido de precisão - "amigos ou conhecidos?" - a resposta costuma vir, sorridente, depois de curta reflexão "amigos, amigos, poucos, os outros são conhecidos". Porque a amizade é exigente, seria exaustivo praticá-la a torto e a direito, mesmo admitindo que muita gente a merecia. Curiosamente, alguns só consideram amigos os da infância, o tempo que passou sem trazer a ferrugem da relação e a nostalgia de uma idade do ouro sem rasteiras de adultos conferem a duas ou três pessoas o direito de serem consideradas acima de qualquer suspeita.

Sou menos dogmático, acho que surpresas tristes podem surgir de qualquer lado. Algumas pessoas, por exemplo, necessitam da carne e do osso para alimentarem a amizade, a separação não lhes mata o carinho na cabeça, mas faz morrer os pequenos gestos ternurentos que o impedem de se tornar apenas uma recordação. No meu caso, os anos foram limando o orgulho estúpido que cala o protesto, não tenho dúvida em rosnar contra tal desleixo. Porque é disso que se trata - de um desleixo, sempre à mão na prateleira dos assuntos não prioritários. E perante o rotundo fracasso dos avisos, eu e muitos de vocês arranjamos desculpas esfarrapadas, porque nos custa admitir o abandono e a necessidade de pôr tudo em pratos limpos.

Um dia fala-se com alguém ao telefone e o desleixado percebe que somos nós, rouba o aparelho a quem ligou , "quando é que podemos conversar"? O espanto do lado de cá, "aconteceu alguma coisa"? A voz dele soa ofendida "não posso ter saudades de falar contigo?" Claro que pode! Combina-se dia e hora sem grande esperança, quem faz do atraso ponto de honra não muda. Com efeito. Torço planos feitos e espero, vale a pena. Ao fim de cinco minutos a surpresa ( ou não?) - a fúria de me ver traduz uma "saudade instrumental", sou necessário para resolver dificuldades surgidas em planos que me são alheios. O diálogo continua, plácido e urbano, até à despedida, mais correta do que calorosa. Por que não disse umas verdades? Por já não valer a pena? Ainda na esperança de rever a magia passada?

Se já vos aconteceu, sabem por que foi - tratou-se de uma derradeira homenagem. Aquele homem é um perfeito sósia do amigo muito amado. Que finalmente admito ter morrido sem ser cadáver. Promoverei este a conhecido, sem ressentimentos ou expectativas. Poderemos sempre discutir futebol."

Do livro  Estes Difíceis Amores  de Júlio Machado Vaz

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O mestre

Andava eu este domingo nas traseiras da casa, sozinho, nos meus trabalhos de fim-de-semana, quando fui ligar um pequeno rádio, outrora despertador, para ouvir qualquer coisa, e enquanto passava pelas emissoras, de repente ouço a voz do Júlio Machado Vaz. De imediato sintonizei a estação, coloquei o volume no máximo, para que conseguisse ouvir, e lá fiquei a ouvi-lo ao longe enquanto trabalhava.

Sempre tive o hábito de ouvir rádio, hábito que terei herdado de meu pai. E na maior parte das vezes, prefiro ouvir algo que possa aprender, que propriamente ouvir a musiquinha, muitas vezes de qualidade duvidosa que passam.

Teria eu uns quatorze ou quinze anos, quando também certo dia, descobri um programa na rádio, com um senhor a falar "daquilo". Naquele tempo sexo era tema tabu, e seria este mesmo senhor, que anos mais tarde, teria mesmo o primeiro programa a falar abertamente sobre sexo na televisão, o Sexualidades, que também rapidamente acabou de ser recambiado para um horário impróprio à maioria das pessoas, que, ou tinham de estudar ou trabalhar, porque isto de se falar de sexo na televisão era uma pouca vergonha!



Naquele programa da rádio Nova, o "Sexo dos Anjos", aprendi muita coisa. Há muitos anos que se fala da necessidade de haver a disciplina de educação sexual nas escolas, nem faço ideia se já existe ou não, mas estou em crer que o "Sexo dos Anjos" foi a minha disciplina de educação sexual, ministrada pelo professor Júlio Machado Vaz.

Mas não se pense que o programa falava só sobre sexo. Falava de sexo sim, mas abordava de tudo um pouco. Amor e relações, cenas de filmes, livros, até de futebol se falava, principalmente do Benfica claro, a perdição do professor que nasceu no Porto, e ainda respondia às cartas dos leitores. 



E foi ainda sem ter nenhuma experiência no campo sexual, que aprendi pela boca do sexólogo e psiquiatra, que as mulheres não são como os homens. Enquanto os homens são a gasolina, elas são a gasóleo, e é preciso saber esperar, aquecer-lhes bem o motor primeiro, e não fazer arranques demasiado rápidos, para que consigamos retirar dali a melhor performance possível. 

"É preciso saber em que botões carregar!"

Pois é, mas ó professor, olhe que eu na prática vim a aprender que nem sempre é assim! Nem sempre podemos generalizar como bem sabe, e melhor que eu. E eu entretanto aprendi, que nem sempre é com muitas delicadezas que lá chegamos. Às vezes, o que algumas querem mesmo, é que não percamos muito tempo com demasiadas atençõezinhas, querem mesmo é que lhes saltemos para cima, façamos arranques bem rápidos e violentos e deixemos o ponteiro sempre colado com as rotações no vermelho!

Mas ao ouvi-lo este domingo, como que fui transportado no tempo, para aqueles outros domingos, em que o ouvia, sempre, religiosamente, e apreendia os seus ensinamentos. Naqueles tempos o Sexo dos Anjos deu-me muita teoria. A prática, essa chegaria bem mais tarde.