Por estes dias alguém me dizia como ficara quase emocionada quando viu um casal de velhos de mão dada. "Já não há sexo, mas o amor manteve-se até que a morte os separe". Ao que eu manifestei a minha opinião contrária. "Mas quem te diz que já não há sexo"? Sabes lá! Isso é um preconceito muito comum, parece que o sexo é coisa exclusiva dos jovens. Faz-me até lembrar a decisão de um juiz, que apoiado nos seus preconceitos, vinte anos depois, reduziu a indemnização a uma mulher, com a desculpa de que, "depois dos cinquenta anos, o sexo já não é importante". O meu "mestre" mostra-nos que isso não passa mesmo de puro preconceito:
Há dias fui abordado por gente simpática que tenciona introduzir o tema da Sexologia num portal da Internet. Pediram a minha opinião sobre os conteúdos propostos. "Acrescentaria mais alguma coisa"?, perguntam. Respondi que não vira nada sobre sexualidade e envelhecimento. Deram uma vista de olhos ao índice e concordaram, surpreendidos. Um pôs hipótese que reputo de verdadeira: "no fundo estamos sempre a pensar nos utilizadores mais jovens". E ainda bem!, eles precisam de boa informação e espaços de conversa, lixo já existe de sobra. Mas o esquecimento é natural, vivemos em mundo obcecado pelos números que habitam o bilhete de identidade das pessoas; não ser jovem - ao menos de espírito! - começa a estar perigosamente fora de moda. No dia seguinte um certo mail desaguou no meu computador. Uma organização sem fins lucrativos - é bom salientar estes factos! -afirmava ter um projeto para familiarizar os idosos com a Net. Imaginem para que área desejavam a minha ajuda?
Há dias fui abordado por gente simpática que tenciona introduzir o tema da Sexologia num portal da Internet. Pediram a minha opinião sobre os conteúdos propostos. "Acrescentaria mais alguma coisa"?, perguntam. Respondi que não vira nada sobre sexualidade e envelhecimento. Deram uma vista de olhos ao índice e concordaram, surpreendidos. Um pôs hipótese que reputo de verdadeira: "no fundo estamos sempre a pensar nos utilizadores mais jovens". E ainda bem!, eles precisam de boa informação e espaços de conversa, lixo já existe de sobra. Mas o esquecimento é natural, vivemos em mundo obcecado pelos números que habitam o bilhete de identidade das pessoas; não ser jovem - ao menos de espírito! - começa a estar perigosamente fora de moda. No dia seguinte um certo mail desaguou no meu computador. Uma organização sem fins lucrativos - é bom salientar estes factos! -afirmava ter um projeto para familiarizar os idosos com a Net. Imaginem para que área desejavam a minha ajuda?
Comecemos pelas palavras. Não gosto muito das expressões que nós, os especialistas, vimos divulgando. "Terceira idade", "Segunda metade da vida", "Idosos", quem traça os limites? Até eu já me encontro baralhado. Que estou na segunda metade da vida não tenho dúvidas, mas já vivi as duas primeiras idades? Idoso é um sinónimo caritativo de velho? Mas porquê? a palavra não traduziu sempre um estatuto honroso no passado? Prefiro não esquartejar o nosso caminho e manter pedaços de vida em gavetas fictícias, muitos de vocês já descobriram que alma e articulações não envelhecem de mãos dadas. E não utilizei este verbo por acaso,tudo se torna mais simples se nos pensarmos envelhecendo e não velhos súbitos a partir de um cerro lusco-fusco.
A vida é uma caminhada e, a menos que existam problemas de saúde física ou psicológica, a sexualidade mantém-se fiel até ao fim, está-nos em sangue e sonhos.
Passemos ao título da crónica. Amantes. Triste sociedade esta que, de todos os significados presentes no dicionário, em geral apenas recorda o de "pessoa que mantém relações ilícitas com pessoa de outro sexo". Ignorando outras que recordam paixões e namoros, dir-se-ia que aceitamos, resignados, que palavra orgulhosa de Abelardo e Heloísa, Romeu e Julieta ou Cyrano e Roxanne se veja exilada para o reino do mexerico, " sabes com quem anda fulano"? Para não falar do "outro sexo", até o ilícito é negado aos homossexuais!
Imagino leitor impaciente: "está bem, homem leve a taça! Mas chamar-lhes clandestinos? Isso não é conversa do tempo da outra senhora"? Há clandestinidades que não dependem da existência de polícias políticas, o silêncio ou o escárnio chegam. Já repararam que ninguém se escandaliza com uma eventual repressão da sexualidade dos mais velhos?
E no entanto... Quando projeto um diapositivo com dois a beijarem-se, escuto risos abafados pelo anfiteatro. Se paro e indago a razão, um dos meus meninos arranja coragem para dizer: " Ó Dr,, acha natural com aquela idade? Por acaso acho, mas o mais grave é que os próprios interessado absorvem a mensagem. Ainda há pouco alguém me dizia que iniciara uma relação e hesitava na palavra para a definir. E eu arrisquei: "não será um namoro"? Resposta clássica: "Se eu tivesse menos trinta anos seria, agora..."
Não há maior clandestinidade do que a auto-imposta. Envergonhados, vivemos os afetos escondidos de nós próprios. Amargos, consideramos que chegou o tempo da reforma e saudade. Quando a palavra paixão nos aguilhoa, enviamo-la para o exílio ternurento dos filhos e netos à volta do almoço de domingo. E contudo, nada obriga a que nos sentemos à mesa com o erotismo perdido nas brumas da memória.
Regressemos à relação entre sexo e envelhecimento. Antes de mais, para referir que o aconselhamento sexual nesta área é cada vez mais procurado. Seguramente porque as populações envelhecem, as estatísticas e as dores de cabeça governamentais não mentem. Mas também porque alguns mitos se resignam a ser apenas isso - mitos.
Tomemos o exemplo de um inquérito levado a cabo pelo Conselho Nacional Americano para o Envelhecimento. Das mil pessoas de ambos os sexos entrevistadas, todas com mais de cinquenta anos, 60% estavam satisfeitas com as suas vidas sexuais. Cerca de 61% diziam ser o sexo tão bom ou melhor que na juventude e 70% tinham relações sexuais pelo menos uma vez por semana. Não menos elucidativo, das que afirmavam ser o sexo raro ou inexistente, 34% responsabilizavam pelo facto, doenças variadas, a perda do parceiro ou efeitos colaterais das medicações. As queixas sexuais referidas eram semelhantes às dos mais novos, embora a frequência de coito e masturbação fosse menor. Os indivíduos para quem a atividade erótica fora satisfatória no passado continuavam a destacar-lhe a importância, demonstrando como é falso o mito segundo o qual existiria o risco de nos "gastarmos sexualmente" enquanto jovens e depois, velhos falidos servimos apenas para mimar netos, vencer campeonatos de sueca ou tricotar junto à lareira.
Mas se os mais velhos partilham interesses com os jovens, o mesmo se verifica, infelizmente com as angústias. As alterações da função sexual, relacionadas com o envelhecimento são-lhes desconhecidas e por isso mais assustadoras, não são apenas os adolescentes a precisarem de - pelo menos! - informação de boa qualidade. E imaginem (os que por lá não passaram) a angústia de quem fica sozinho e não acredita poder ainda despertar o desejo que fala através de um olhar maroto ou do convite hesitante para jantar. Há gente que sufoca sob uma solidão sofrida e não escolhida, simplesmente porque o espelho confirma os seus receios, "credo!, quem me pode achar piada"? Os adolescentes dizem o mesmo, a insegurança não tem idade.
Excertos de Amantes Clandestinos I e II de Júlio Machado Vaz
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