terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Quando Portugal Ardeu - O Livro Que Deveria Ser Obrigatório Ler


Estou em crer, e não acho que estou a ser pessimista, que a larga maioria dos portugueses não percebe um cu de política e nem se interessa em querer saber. E a metade que ainda vota é mais ou menos como o Fernando, aquele sujeito que se mete à frente das câmaras e que o apelidam de Emplasto: um dia é do Benfica no outro é do FC Porto, consoante aquilo que lhe dá mais jeito, ainda que a ele dá-lhe jeito porque a vida dele é ir assistir aos jogos de futebol e cobrar 2€ por uma fotografia. "Olha, estudásses"! Os portugueses também são do Benfica (PS) ou do FC Porto (PSD), ou doutro clube qualquer emergente, consoante aquilo que as televisões lhe dão a comer, mas que, na verdade, raramente é aquilo que melhor satisfaria os seus interesses, porque, infelizmente, a maior parte da população não tem qualquer consciência de classe. E na eleição seguinte deixa de ser do Benfica e passa a ser do FC Porto e tudo continuará sempre assim indefinidamente. 

Se perguntarmos à maioria dos eleitores o porquê de votar neste ou naquilo partido, será que nos darão uma resposta minimamente válida? Será que sabem o que diz o programa dos diversos partidos ou votam por mera simpatia, pela carinha mais laroca ou aquele artista que aparece mais vezes nas televisões?

Para se saber de política portuguesa é preciso saber de onde vieram os partidos. É preciso conhecer o seu passado,  saber o que foram os 48 anos de ditadura e saber quem lutou e pagou com própria vida o preço da liberdade; é preciso saber em que moldes se deu o 25 de Abril, e quem depois lutou, com atentados à bomba e dezenas de mortos e tudo para que, novamente, se instaurasse uma ditadura de extrema-direita; é preciso saber que posições tomaram os diferentes partidos; quem era a esquerda e de extrema-esquerda, quem era de esquerda e "pelo socialismo" e agora foge dele como o Diabo da cruz; é preciso saber de que lado estiveram os diferentes partidos, quem defendem, que os financia. Para se saber de política, bem mais até que saber de ideologias, é preciso ter memória, é preciso saber o que andaram a fazer no seu passado para facilmente podermos antecipar o que farão no presente apesar de toda a propaganda demagógica que nos querem vender. 

É preciso também ter memória, que, como sabemos, infelizmente anda pelas ruas da amargura. Mas, se não vivemos esse tempo, esses acontecimentos - tal como eu não os vivi - então é preciso querer saber, é preciso interessar-se, é preciso estudar e ler. 

E há muito que queria ler "Quando Portugal Ardeu" de Miguel Carvalho. Foi este verão. Aconselho a todos que, como eu, queiram abrir um bocadinho os olhos sobre o pós 25 de abril e sobre como se comportaram os diversos intervenientes. Mas advirto desde já que se podem escandalizar todos aqueles que comeram a cartilha oficial. 

Sinopse:

"Quem foram as primeiras vítimas mortais da democracia? Por que razão foram assassinados Padre Max, Rosinda Teixeira e Joaquim Ferreira Torres? Quem protegia e que segredos escondia a rede bombista de extrema-direita? Como enfrentou o cônsul dos EUA no Porto o PREC? O que relatam os diários do norueguês baleado no Verão Quente de 1975? Como é que a Igreja mobilizou e abençoou a luta contra o comunismo? O que sabia a PJ sobre o terrorismo político e tudo o que nunca chegou a julgamento? Com recurso a centenas de documentos, entrevistas e testemunhos inéditos, esta investigação jornalística traz à luz do dia histórias secretas ou esquecidas do pós-25 de Abril. Quando Portugal ardeu e esteve à beira da guerra civil."

Introdução:

"Este livro é jornalismo, não é História. 
Fala do "lado B" da revolução. Retrata personagens, recupera relatos e desvenda segredos de uma época de inusitada violência política, entretanto apagada da memória histórica ou das "memórias consensuais" do regime saído da revolução de abril de 1974.
Este apagão não é inocente.
A versão dos vencedores de um determinado período histórico guarda sempre esqueletos no armário com receio de que possam deslustrar o retrato público, os consensos políticos e sociais, e o unanimismo sobre os factos trabalhado ao longo de décadas.
A imposição dessa memória concordante, sem grandes fissuras, sobre a época de maior confronto ideológico, político e social da democracia insere-se, pois, numa estratégia de domínio. "O controlo da memória de uma sociedade condiciona largamente a hierarquia do poder", escreveu o antropólogo social Paul Connerton, no famoso ensaio Como as Sociedades Recordam (...)

Este livro pretendo, por fim, iluminar as trevas de uma época irrepetível, obedecendo a um ponto de vista jornalístico e a um conceito moral de de ver e de memória que recusa as "estratégias do esquecimento" teorizadas por Paul Ricoeur. 
No conjunto dos 18 capítulos, este livro é, na esmagadora maioria, inédito e original, mas também recupera e atualiza relatos, memórias e episódios trazidos a público, em primeira instância na revista Visão. O que vão ler é, pois, a outra história da revolução. Uma narativa que foi sendo obstruída, reciclada ou sujeita a demasiados esquecimentos, mas que sobreviveu até aos nossos dias e se oferece enquanto escrutínio e contraste de versões canonizadas. A construção da democracia não foi apenas isto? É verdade. Mas foi também isto. A História, essa, será sempre o que fizermos dela". 

Só para aliciar algum internauta que por aqui passe, vou transcrevendo algumas das muitas coisas que me chamaram a atenção e tomei nota. Mas o ideal é comprarem o livro e tirarem as vossas próprias conclusões. 
pág.22

"João entrara com nove anos no Seminário de Angra do Heroísmo, desejo dos pais que o queriam ver padre. "Não era apenas por devoção. Era a única maneira das famílias pobres darem estudos aos rapazes e encaminhar o seu futuro", conta a irmã Esmeralda. 

pág.68

"O comparsa "Morgan" era também um dos nomes fictícios usados por Yves Guillou, aliás Guérin-Sérac. Oficial de carreira das Forças Armadas Francesas, o veterano das guerras da Coreia, Indochina e Argélia aperfeiçoara as técnicas de subversão, sabotagem e ação psicológica. Condecorado inclusive pelos EUA, este ex-membro da organização militar secreta francesa OAS seria uma das pontas soltas da CIA na Europa, ocultada na operação multinacional secreta intitulada Stay-behind, composta por células clandestinas ligadas aos interesses da NATO e do Vaticano. Na época da "Guerra Fria" a ordem era proteger - a tiro, à bomba, se preciso fosse - os regimes de direita liderados por forças tradicionalistas, conservadoras e extremistas, e organizar pequenos exércitos para travar o avanço do comunismo.  

pág. 71

"Seria estranho que assim fosse: John Morgan, tarimbado homem dos serviços de inteligência dos EUA, passara pelo Brasil e pelo Uruguai entre 1966 e 1973. No Rio de Janeiro, em plena ditadura militar, trabalhara com o conselheiro de assuntos políticos Frank Carlucci, que em Janeiro de 1975 ocuparia o lugar de embaixador dos EUA em Lisboa. John Morgan defendia para Portugal a receita aplicada na América Latina, sobretudo no Chile, com outros temperos: uma campanha mediática contra a esquerda radical, o regresso de Spínola ao poder, a manutenção do País na NATO e a sucessão dos Açores, estratégicos para os EUA, por causa da Base das Lages.
Fora naquele arquipélago que Spínola se encontrara, em junho de 1974, com o Presidente norte americano Richard Nixon. O chefe de Estado português esteve acompanhado, entre outros, pelo conservador João Hall Themido. Antigo servidor do governo da ditadura no Ministério dos Negócios Estrangeiros - e, nessa condição, a par das atividades da Aginter Press  -, Themido mantinha-se no cargo de embaixador dos EUA graças a Mário Soares, titular daquela pasta, pouco interessado em afrontar Washinghton (...)
Quando a embaixada americana em Portugal mudou de rosto, no início de 1975, mais de 80 agentes dos serviços de informação brasileiros liderados por Celso Telles, velha raposa da polícia política, aterraram em Lisboa para "continuar a trabalhar diretamente com Carlucci", que conheciam do Brasil. À sua espera tinham, segundo a revista Cambio 16, outro amigo: John Morgan. O chefe da CIA na capital era "quem andava a movimentar aqueles grupos nortenhos contra os comunistas", revelou o coronel Manuel Bernardo, um dos homens do 25 de Novembro. Ora, para aplicar a receita latino-americana de John Morgan era preciso colocar Portugal ao lume.    

pág. 73

A ideia era desencadear um ambiente de alta voltagem no País para justificar uma inversão do processo revolucionário através de um golpe de força. A 25 de novembro desse ano, grande parte dos intentos deste "exército" seria cumprido. Um dos heróis desse dia, Jaime Neves, conhecia elementos do ELP e do MDLP e concordava, "na generalidade", com eles. "Era amigo de muitos oficiais ligados a esses movimentos... Na altura houve muito contacto do género "estamos contigo!". E eu sabia que o seu patriotismo era puro. Se disserem que os elementos do MDLP fizeram ações no País que iam ao encontro daquilo que nós pensávamos, pois com certeza...", assumiu o major-general, antigo comandante do Regimento de Comandos da Amadora.

pág. 75

O MDLP seria formalmente constituído em maio de 1975, quando o ELP desencadeou a sua primeira ação, em Bragança, na sede do MDP/CDE. Para trás ficara nova tentativa de golpe, no 11 de Março. Este segundo malogro spinolista refinara os métodos: para culpar a esquerda e extremar posições, incluiu assaltos a sedes dos partidos, movimentos de direita e organizações ligadas ao patronato, entre os quais o PDC, o PPD, o CDS e a CIP.
Falhando o objetivo, chegaram então a Espanha, para integrar o MDLP, antigos dirigentes do Partido do Progresso, entre os quais José Miguel Júdice, José Valle de Figueiredo, Marques Bessa e Fernando Pacheco de Amorim. Ramalho Eanes foi outra das pessoas contactadas para aderir ao movimento, mas, em meados de 1975, preferiu continuar as conspirações com os "moderados" do Grupo dos Nove.

pág.76

Numa fase inicial, ELP e MDLP pretenderam instalar dois emissores na zona nortenha da raia, do lado espanhol, com o objetivo de produzir programas para os portugueses. O plano incluía provocar uma interferência que permitisse sobrepor imagens da Virgem de Fátima sempre que a RTP transmitisse noticiários ou reportagens sobre o primeiro-ministro Vasco Gonçalves, de modo a "chamar a atenção do povo português para os perigos do comunismo". Para isso, recorreram a apoios de personalidades portuguesas das finanças e dos negócios. Parte desse dinheiro, 700 contos (quase 100 mil euros no câmbio atual), terá sido encaminhado pelo milionário Lúcio Tomé Feteira através de Alpoim Calvão, como o próprio reconhecera em 1996.

pág. 77

Estes movimentos dispuseram ainda de uma avioneta paga por um industrial nortenho e usada para propagar fogos florestais junto à raia, cuja origem foi investigada pela PJ militar. Só na zona de Figueira de Castro Rodrigo detetaram-se 65 incêndios criminosos num ano. Um tal de D. Pepe, de Fuentes de Onõro, seria o intermediário para os pagamentos. "Concluiu-se (...) que este tipo de ação terrorista não está desligada dos atentados bombistas, pelo que as "cabeças" destes tipos de atuação serão necessariamente as mesmas", anotou a Judiciária Militar. 
Um opúsculo de Carlos Dugos, travestido de ensaio jornalístico e publicado em 1975 - Comunismo? O povo é quem mais ordena -, garantia serem os elementos do PCP os responsáveis por tais incêndios. "Conta-se e ouve-se mesmo falar mesmo à boca cheia, por aí, que é uma avioneta dos comunistas que anda a queimar os montes", afirmara um habitante de Braga, dando conta da "voz corrente" no Norte do País.  

pág. 90

Qual era a ligação do MDLP com o ELP?
Primeiro existiu o ELP, que juntou antigos elementos da PIDE-DGS, legionários, saudosistas do anterior regime, retornados, gente com ligações à Internacional Fascista. Também já se falava do MDLP, mas esse movimento só nasce depois, a partir da ida do Spínola para Madrid. O MDLP congrega pessoas diferentes: uma série de oficiais da Marinha, o Alpoim Calvão - que já conspirava também, mas que depois passa a conspirar a full-time -, o Nuno Barbieri, o Carlos Rolo, mais dois ou três fulanos que eram fuzileiros da Reserva Naval - com quem joguei râbegui. Conhecia-os todos. O único com o qual não tinha relação de amizade era com o Alpoim Calvão. 

pág. 93

Quem financiava o ELP e o MDLP?
Eram os gajos da banca, o Champalimaud e outros, como o José de Almeida Araújo, do Partido Liberal Não eram poucos, atenção. E no Norte também havia bastantes.

Mais de 40 anos depois desses acontecimentos, há alguma coisa para a qual ainda não tenha resposta?
A mais pertinente das perguntas já não pode ser respondida: era saber se o Mário Soaress também teve ligações ao MDLP, se teve ou não reuniões com o Alpoim Calvão. De qualquer modo, parte da resposta está no livro do Alpoim, De Conakry ao MDLP.

pág. 97

Filho do médico Daniel Serrão, saneado após o 25 de Abril e depois reintegrado, o empresário das feiras e desfiles de moda era então um adolescente de 15 anos, de físico razoável, com aspeto de quem "batia em toda a gente".
Aluno do Liceu António Nobre, Manuel Serrão é, nesse tempo,  referido nos jornais por causa das suas atividades extra-curriculares (...) dizem-no ativo junto de movimentos radicais, entre os quais uma denominada "Juventude Hitleriana", que ansiava pelo "regresso do fascismo".

pág. 145

Mais de um ano transcorrido, a generalidade das autoridades eclesiásticas concordava: o processo democrático respeitara as convicções religiosas e não dera motivos para a Igreja se sentir ameaçada. Grupos de católicos, esses sim, denunciavam, incansáveis, a "cumplicidade" a hierarquia da Igreja com o regime deposto, sem esquecer os padres que se haviam tornado bufos da PIDE, mesmo que para tal fossem quebrados os segredos da confissão. 

pág. 147

O PCP vinha tratando o tema com pinças, e não era apenas manobra tática. "Lutamos contra o sectarismo e incompreensão de muitos os nossos militantes e da generalidade dos antifascistas portugueses", dissera Álvaro Cunhal, em 1946, no IV Congresso, realizado na Lousã, em plena clandestinidade. "Houve erros de intolerância em 1910 que não devem repetir-se", sugeria o líder histórico dos comunistas. E nem uma vírgula se alterava com a democracia: "Somos firmemente contrários, para hoje e para amanhã, a quaisquer perseguições ou discriminações sociais por motivos religiosos", insistira Cunhal em Braga, em finais de 1974, assegurando: "Opomo-nos às atitudes que possam ferir os sentimentos religiosos."

pág. 149

O "Plano Maria da Fonte" não deixará nada ao acaso. 
Beberá até inspiração nas sebentas vermelhas das ideologias que se propõe combater. Seguindo a lição de Mao, o "exército" de cunho religioso vai comportar-se como "peixe na água" em relação ao povo, ocultando-se e diluindo-se neste (...)
"O povo anónimo já era um barril de pólvora e bastava acender um simples fósforo". Mas será acima do Douro que o movimento vai sentir-se em casa. "Entre julho e novembro de 1975 as cidades e as vilas nortenhas eram, à noite, povoações-fantasma", descreve o operacional. "E era durante a noite que circulavam, por todas as estradas do Norte, os grupos da Maria da Fonte que iam contactar, mentalizar e ensinar. Em três meses, o Norte ficou preparado para a guerra", elucida Paradela de Abreu.
Cada paróquia uma "base".
Cada igreja de "granito ancestral", um reduto. 
Cada sino, um rádio transmissor".
Cada quinta perdida nas serras, "um apoio logístico".
Para conquistas grandes aglomerações nas missas, "os próprios padres locais incitavam as pessoas para atuar contra os comunistas. 

pág. 152

O movimento integra, entre outros, o fadista João Braga, que irá sublimar, numa entrevista, a fogueira que devorou a revolução: "Incendiamos 317 sedes de partidos. Lembro-me de o jornal espanhol Ya ter escrito na capa "Portugal esta que arde!".
Há ordens para não matar, mas são meras intenções. Os comunistas ou saíam pela porta da frente com um pano branco hasteado num pau, como aconteceu em São João da Madeira, ou fugiam pela porta das traseiras", dirá Paradela. No terreno a narrativa tem consequências: atos bárbaros de gente cega pela ira ou viciada na excitação da pirotecnia resulta em tiroteios e balas perdidas que não escolhem credos nem convicções, provocando dezenas de mortos e feridos. "Uns entravam pelo rés do chão e outros saíam a voar pelo primeiro andar", gabara-se Alpoim Calvão, chefe operacional do MDLP, movimento do qual o "Plano Maria da Fonte" seria uma espécie de desdobramento. 

pág 163

Segundo Kissinger, se os "moderados" do MFA atuassem "de modo a diminuir a influência dos comunistas" teriam "o apoio dos Estados Unidos", podendo este "revestir-se de várias formas, tais como ajuda económica". Dias depois é divulgada a lista, com nomes, moradas e telefones, dos homens da embaixada norte-americana e da CIA em Portugal. O autor assumido da fuga é Philip Agee, um ex-agente da "central" arrependido, que mais tarde revelará outras informações: "Tenho por certo que a CIA financia direta ou indiretamente os dois partidos cristãos-democratas, e ainda o PPD e o Partido Socialista. Financia também as organizações dependentes da Igreja Católica, tal como fez no Chile. As grandes manifestações no Norte de Portugal, onde se transportaram populações inteiras em carros e camiões, necessitam de enormes quantias de dinheiro. 
Agee responsabilizava a CIA pelo incitamento dos católicos à violência no Norte do País e pelo facto de promover cisões no MFA. Sugeria ainda tere sido disponibilizadas grandes quantias de dinheiro destinadas à Igreja Católica. 

pág. 167

O ano de 1976, pelo menos até à primavera, continuaria "animado". Os atentados mortais mais violentos ocorreram nessa altura (padre Max, São Martinho do Campo, Avenida da Liberdade e embaixada de Cuba, quando o MDLP tentava fazer crer que anunciara o fim das hostilidades (...)
Quanto ao cónego Melo, foi encontrado sem vida, a 19 de abril de 2008, no quarto de um instituição religiosa em Fátima (...) Em 1998, recebera de Mário Soares, Presidente da República, a Comenda de da Ordem do Mérito. O próprio agraciado atribuía a distinção ao seu "combate" no "Verão Quente" de 1975 para proteger Portugal da incultura, de imoralidade, da droga e das filosofias erradas" e ajudar o MDLP a "regenerar" o País. "Fiquei contente por terem, finalmente, reconhecido que servi a pátria", afirmou. 
Simbolicamente, a 24 de novembro de 2003, Frank Carlucci foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante por "serviços relevantes" prestados a Portugal, no País e no estrangeiro. O primeiro-ministro Santana Lopes entregou-lhe nos Estados Unidos em 2004. 

pág. 184

Nesse tempo a FLAMA sonhou alto.
A febre independentista incluiu a criação de um banco e uma moeda própria, o zarco, que chegou a circular em notas de 20, 50, 100, 200, 500, 1000. A temperatura subiu a níveis nunca antes imaginados. 
A FLAMA teve várias caras, entre as quais um denominado Esquadrão da Morte que, em vários comunicados, apelou aos madeirenses para que combatessem, sem medo, "as drogas, os comunistas e os socialistas" (...)
Duas figuras terão um papel decisivo no alastrar do clima incendiário: D. Francisco Santana, bispo do Funchal, e Alberto João Jardim, futuro líder do PSD

pág. 212

Um enorme clarão iluminava o breu. "Mataram o padre Max!, gritava a irmã.
Lurdes jazia no meio da estrada ao quilómetro 71.
(...)
Ela chegou já se vida ao hospital. Vestia três camisolas leves de várias cores. 
Max entrou com grande dificuldade em falar.
Perguntaram-lhe o que se passara.
"Colocaram-me uma bomba no carro e agora está a arder, mas não faz mal. É esta a democracia portuguesa."

pág. 215

Em Almendra, as mulheres lamentaram que um rapaz "tão bonito" se inclinasse para sacerdócio. Ele, porém, não iria ser mais um. Da passagem pela cidade histórica duriense deixará, de resto, pasto para lendas. Jura-se ainda por ali, a pés juntos, que Maximino gravou nas paredes da casa ds condes de Almendra uma inscrição que o guiará até o último suspiro:
"Aprendi a servir o povo no nojo da burguesia".

pág. 217

Pelo caminho, o amigo, já então militante do PS, não deixava de refletir no que ouvira e ambos comentaram as incidências daquela manhã:
"Ele queria pregar, a todo custo, a versão humanista que a Igreja deve ter na sociedade, mas na altura essas ainda eram perversas e perniciosas. E houve gente que não gostou". Dito isto, desafio-o: "Eh pá, tu tens um ótimo palco, podes pregar a visão cristã e humana da Igreja, dar a volta aos direitos dos cidadãos por que é que tinhas de ir logo para a UDP"? Ao volante, Maximino replicou: "Eu sou da UDP porque a UDP é pela classe operária e pelos direitos dos explorados."

pág. 219 

Max era, por esta altura, candidato a deputado nas listas da UDP nas primeiras eleições livres para a Assembleia da República. Num comício na sede dos bombeiros, atiçaria ainda mais os altares e a beatice: "Se há tantos padres de direita, por que é que um não há-de ser de esquerda?" desafiara. Para o sacerdote, aquela era uma "luta de morte" para evitar que uns tivessem "pão de primeira" e os outros nem o vissem. E perguntava, quase em súplica: "Como é que um capitalista pode celebrar ou dizer todos os dias "o pão nosso" quando o tipo tem o celeiro de todos?

pág. 227

Hoje na Cumieira, quase não há vestígios desses tempo.
E ao quilómetro 71só uns dizeres desbotados inscritos numa paragem de autocarro velha e enferrujada insistem em preservar a memória que não perdeu validade: "Padre Max, assassinos à solta".
No cemitério de Santa Iria, o jazigo de Maria de Lurdes é a cara do desleixo.
A campa de Maximino de Sousa é a 1240, a dois passos. 
"Le Temps Passe, le Souvenir Reste", lê-se. 
As flores são de plástico, mas o craveiro ao fundo da laje preta tem cravos a florir, em rebeldia. Apenas uma funcionária da Segurança Social de Vila Real lá vai, às vezes.
Todos os anos, Maria Augusta, feliz zeladora do cemitério a meias com o marido recebe chamadas do estrangeiro. São emigrantes pedindo que enfeite a última morada dos familiares. 
Pelo padre Max e Maria de Lurdes ninguém telefona. 
Para eles, já não há velas nem flores. 

(continua...)

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