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terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Quando Portugal Ardeu - O Livro Que Deveria Ser Obrigatório Ler


Estou em crer, e não acho que estou a ser pessimista, que a larga maioria dos portugueses não percebe um cu de política e nem se interessa em querer saber. E a metade que ainda vota é mais ou menos como o Fernando, aquele sujeito que se mete à frente das câmaras e que o apelidam de Emplasto: um dia é do Benfica no outro é do FC Porto, consoante aquilo que lhe dá mais jeito, ainda que a ele dá-lhe jeito porque a vida dele é ir assistir aos jogos de futebol e cobrar 2€ por uma fotografia. "Olha, estudásses"! Os portugueses também são do Benfica (PS) ou do FC Porto (PSD), ou doutro clube qualquer emergente, consoante aquilo que as televisões lhe dão a comer, mas que, na verdade, raramente é aquilo que melhor satisfaria os seus interesses, porque, infelizmente, a maior parte da população não tem qualquer consciência de classe. E na eleição seguinte deixa de ser do Benfica e passa a ser do FC Porto e tudo continuará sempre assim indefinidamente. 

Se perguntarmos à maioria dos eleitores o porquê de votar neste ou naquilo partido, será que nos darão uma resposta minimamente válida? Será que sabem o que diz o programa dos diversos partidos ou votam por mera simpatia, pela carinha mais laroca ou aquele artista que aparece mais vezes nas televisões?

Para se saber de política portuguesa é preciso saber de onde vieram os partidos. É preciso conhecer o seu passado,  saber o que foram os 48 anos de ditadura e saber quem lutou e pagou com própria vida o preço da liberdade; é preciso saber em que moldes se deu o 25 de Abril, e quem depois lutou, com atentados à bomba e dezenas de mortos e tudo para que, novamente, se instaurasse uma ditadura de extrema-direita; é preciso saber que posições tomaram os diferentes partidos; quem era a esquerda e de extrema-esquerda, quem era de esquerda e "pelo socialismo" e agora foge dele como o Diabo da cruz; é preciso saber de que lado estiveram os diferentes partidos, quem defendem, que os financia. Para se saber de política, bem mais até que saber de ideologias, é preciso ter memória, é preciso saber o que andaram a fazer no seu passado para facilmente podermos antecipar o que farão no presente apesar de toda a propaganda demagógica que nos querem vender. 

É preciso também ter memória, que, como sabemos, infelizmente anda pelas ruas da amargura. Mas, se não vivemos esse tempo, esses acontecimentos - tal como eu não os vivi - então é preciso querer saber, é preciso interessar-se, é preciso estudar e ler. 

E há muito que queria ler "Quando Portugal Ardeu" de Miguel Carvalho. Foi este verão. Aconselho a todos que, como eu, queiram abrir um bocadinho os olhos sobre o pós 25 de abril e sobre como se comportaram os diversos intervenientes. Mas advirto desde já que se podem escandalizar todos aqueles que comeram a cartilha oficial. 

Sinopse:

"Quem foram as primeiras vítimas mortais da democracia? Por que razão foram assassinados Padre Max, Rosinda Teixeira e Joaquim Ferreira Torres? Quem protegia e que segredos escondia a rede bombista de extrema-direita? Como enfrentou o cônsul dos EUA no Porto o PREC? O que relatam os diários do norueguês baleado no Verão Quente de 1975? Como é que a Igreja mobilizou e abençoou a luta contra o comunismo? O que sabia a PJ sobre o terrorismo político e tudo o que nunca chegou a julgamento? Com recurso a centenas de documentos, entrevistas e testemunhos inéditos, esta investigação jornalística traz à luz do dia histórias secretas ou esquecidas do pós-25 de Abril. Quando Portugal ardeu e esteve à beira da guerra civil."

Introdução:

"Este livro é jornalismo, não é História. 
Fala do "lado B" da revolução. Retrata personagens, recupera relatos e desvenda segredos de uma época de inusitada violência política, entretanto apagada da memória histórica ou das "memórias consensuais" do regime saído da revolução de abril de 1974.
Este apagão não é inocente.
A versão dos vencedores de um determinado período histórico guarda sempre esqueletos no armário com receio de que possam deslustrar o retrato público, os consensos políticos e sociais, e o unanimismo sobre os factos trabalhado ao longo de décadas.
A imposição dessa memória concordante, sem grandes fissuras, sobre a época de maior confronto ideológico, político e social da democracia insere-se, pois, numa estratégia de domínio. "O controlo da memória de uma sociedade condiciona largamente a hierarquia do poder", escreveu o antropólogo social Paul Connerton, no famoso ensaio Como as Sociedades Recordam (...)

Este livro pretendo, por fim, iluminar as trevas de uma época irrepetível, obedecendo a um ponto de vista jornalístico e a um conceito moral de de ver e de memória que recusa as "estratégias do esquecimento" teorizadas por Paul Ricoeur. 
No conjunto dos 18 capítulos, este livro é, na esmagadora maioria, inédito e original, mas também recupera e atualiza relatos, memórias e episódios trazidos a público, em primeira instância na revista Visão. O que vão ler é, pois, a outra história da revolução. Uma narativa que foi sendo obstruída, reciclada ou sujeita a demasiados esquecimentos, mas que sobreviveu até aos nossos dias e se oferece enquanto escrutínio e contraste de versões canonizadas. A construção da democracia não foi apenas isto? É verdade. Mas foi também isto. A História, essa, será sempre o que fizermos dela". 

Só para aliciar algum internauta que por aqui passe, vou transcrevendo algumas das muitas coisas que me chamaram a atenção e tomei nota. Mas o ideal é comprarem o livro e tirarem as vossas próprias conclusões. 
pág.22

"João entrara com nove anos no Seminário de Angra do Heroísmo, desejo dos pais que o queriam ver padre. "Não era apenas por devoção. Era a única maneira das famílias pobres darem estudos aos rapazes e encaminhar o seu futuro", conta a irmã Esmeralda. 

pág.68

"O comparsa "Morgan" era também um dos nomes fictícios usados por Yves Guillou, aliás Guérin-Sérac. Oficial de carreira das Forças Armadas Francesas, o veterano das guerras da Coreia, Indochina e Argélia aperfeiçoara as técnicas de subversão, sabotagem e ação psicológica. Condecorado inclusive pelos EUA, este ex-membro da organização militar secreta francesa OAS seria uma das pontas soltas da CIA na Europa, ocultada na operação multinacional secreta intitulada Stay-behind, composta por células clandestinas ligadas aos interesses da NATO e do Vaticano. Na época da "Guerra Fria" a ordem era proteger - a tiro, à bomba, se preciso fosse - os regimes de direita liderados por forças tradicionalistas, conservadoras e extremistas, e organizar pequenos exércitos para travar o avanço do comunismo.  

pág. 71

"Seria estranho que assim fosse: John Morgan, tarimbado homem dos serviços de inteligência dos EUA, passara pelo Brasil e pelo Uruguai entre 1966 e 1973. No Rio de Janeiro, em plena ditadura militar, trabalhara com o conselheiro de assuntos políticos Frank Carlucci, que em Janeiro de 1975 ocuparia o lugar de embaixador dos EUA em Lisboa. John Morgan defendia para Portugal a receita aplicada na América Latina, sobretudo no Chile, com outros temperos: uma campanha mediática contra a esquerda radical, o regresso de Spínola ao poder, a manutenção do País na NATO e a sucessão dos Açores, estratégicos para os EUA, por causa da Base das Lages.
Fora naquele arquipélago que Spínola se encontrara, em junho de 1974, com o Presidente norte americano Richard Nixon. O chefe de Estado português esteve acompanhado, entre outros, pelo conservador João Hall Themido. Antigo servidor do governo da ditadura no Ministério dos Negócios Estrangeiros - e, nessa condição, a par das atividades da Aginter Press  -, Themido mantinha-se no cargo de embaixador dos EUA graças a Mário Soares, titular daquela pasta, pouco interessado em afrontar Washinghton (...)
Quando a embaixada americana em Portugal mudou de rosto, no início de 1975, mais de 80 agentes dos serviços de informação brasileiros liderados por Celso Telles, velha raposa da polícia política, aterraram em Lisboa para "continuar a trabalhar diretamente com Carlucci", que conheciam do Brasil. À sua espera tinham, segundo a revista Cambio 16, outro amigo: John Morgan. O chefe da CIA na capital era "quem andava a movimentar aqueles grupos nortenhos contra os comunistas", revelou o coronel Manuel Bernardo, um dos homens do 25 de Novembro. Ora, para aplicar a receita latino-americana de John Morgan era preciso colocar Portugal ao lume.    

pág. 73

A ideia era desencadear um ambiente de alta voltagem no País para justificar uma inversão do processo revolucionário através de um golpe de força. A 25 de novembro desse ano, grande parte dos intentos deste "exército" seria cumprido. Um dos heróis desse dia, Jaime Neves, conhecia elementos do ELP e do MDLP e concordava, "na generalidade", com eles. "Era amigo de muitos oficiais ligados a esses movimentos... Na altura houve muito contacto do género "estamos contigo!". E eu sabia que o seu patriotismo era puro. Se disserem que os elementos do MDLP fizeram ações no País que iam ao encontro daquilo que nós pensávamos, pois com certeza...", assumiu o major-general, antigo comandante do Regimento de Comandos da Amadora.

pág. 75

O MDLP seria formalmente constituído em maio de 1975, quando o ELP desencadeou a sua primeira ação, em Bragança, na sede do MDP/CDE. Para trás ficara nova tentativa de golpe, no 11 de Março. Este segundo malogro spinolista refinara os métodos: para culpar a esquerda e extremar posições, incluiu assaltos a sedes dos partidos, movimentos de direita e organizações ligadas ao patronato, entre os quais o PDC, o PPD, o CDS e a CIP.
Falhando o objetivo, chegaram então a Espanha, para integrar o MDLP, antigos dirigentes do Partido do Progresso, entre os quais José Miguel Júdice, José Valle de Figueiredo, Marques Bessa e Fernando Pacheco de Amorim. Ramalho Eanes foi outra das pessoas contactadas para aderir ao movimento, mas, em meados de 1975, preferiu continuar as conspirações com os "moderados" do Grupo dos Nove.

pág.76

Numa fase inicial, ELP e MDLP pretenderam instalar dois emissores na zona nortenha da raia, do lado espanhol, com o objetivo de produzir programas para os portugueses. O plano incluía provocar uma interferência que permitisse sobrepor imagens da Virgem de Fátima sempre que a RTP transmitisse noticiários ou reportagens sobre o primeiro-ministro Vasco Gonçalves, de modo a "chamar a atenção do povo português para os perigos do comunismo". Para isso, recorreram a apoios de personalidades portuguesas das finanças e dos negócios. Parte desse dinheiro, 700 contos (quase 100 mil euros no câmbio atual), terá sido encaminhado pelo milionário Lúcio Tomé Feteira através de Alpoim Calvão, como o próprio reconhecera em 1996.

pág. 77

Estes movimentos dispuseram ainda de uma avioneta paga por um industrial nortenho e usada para propagar fogos florestais junto à raia, cuja origem foi investigada pela PJ militar. Só na zona de Figueira de Castro Rodrigo detetaram-se 65 incêndios criminosos num ano. Um tal de D. Pepe, de Fuentes de Onõro, seria o intermediário para os pagamentos. "Concluiu-se (...) que este tipo de ação terrorista não está desligada dos atentados bombistas, pelo que as "cabeças" destes tipos de atuação serão necessariamente as mesmas", anotou a Judiciária Militar. 
Um opúsculo de Carlos Dugos, travestido de ensaio jornalístico e publicado em 1975 - Comunismo? O povo é quem mais ordena -, garantia serem os elementos do PCP os responsáveis por tais incêndios. "Conta-se e ouve-se mesmo falar mesmo à boca cheia, por aí, que é uma avioneta dos comunistas que anda a queimar os montes", afirmara um habitante de Braga, dando conta da "voz corrente" no Norte do País.  

pág. 90

Qual era a ligação do MDLP com o ELP?
Primeiro existiu o ELP, que juntou antigos elementos da PIDE-DGS, legionários, saudosistas do anterior regime, retornados, gente com ligações à Internacional Fascista. Também já se falava do MDLP, mas esse movimento só nasce depois, a partir da ida do Spínola para Madrid. O MDLP congrega pessoas diferentes: uma série de oficiais da Marinha, o Alpoim Calvão - que já conspirava também, mas que depois passa a conspirar a full-time -, o Nuno Barbieri, o Carlos Rolo, mais dois ou três fulanos que eram fuzileiros da Reserva Naval - com quem joguei râbegui. Conhecia-os todos. O único com o qual não tinha relação de amizade era com o Alpoim Calvão. 

pág. 93

Quem financiava o ELP e o MDLP?
Eram os gajos da banca, o Champalimaud e outros, como o José de Almeida Araújo, do Partido Liberal Não eram poucos, atenção. E no Norte também havia bastantes.

Mais de 40 anos depois desses acontecimentos, há alguma coisa para a qual ainda não tenha resposta?
A mais pertinente das perguntas já não pode ser respondida: era saber se o Mário Soaress também teve ligações ao MDLP, se teve ou não reuniões com o Alpoim Calvão. De qualquer modo, parte da resposta está no livro do Alpoim, De Conakry ao MDLP.

pág. 97

Filho do médico Daniel Serrão, saneado após o 25 de Abril e depois reintegrado, o empresário das feiras e desfiles de moda era então um adolescente de 15 anos, de físico razoável, com aspeto de quem "batia em toda a gente".
Aluno do Liceu António Nobre, Manuel Serrão é, nesse tempo,  referido nos jornais por causa das suas atividades extra-curriculares (...) dizem-no ativo junto de movimentos radicais, entre os quais uma denominada "Juventude Hitleriana", que ansiava pelo "regresso do fascismo".

pág. 145

Mais de um ano transcorrido, a generalidade das autoridades eclesiásticas concordava: o processo democrático respeitara as convicções religiosas e não dera motivos para a Igreja se sentir ameaçada. Grupos de católicos, esses sim, denunciavam, incansáveis, a "cumplicidade" a hierarquia da Igreja com o regime deposto, sem esquecer os padres que se haviam tornado bufos da PIDE, mesmo que para tal fossem quebrados os segredos da confissão. 

pág. 147

O PCP vinha tratando o tema com pinças, e não era apenas manobra tática. "Lutamos contra o sectarismo e incompreensão de muitos os nossos militantes e da generalidade dos antifascistas portugueses", dissera Álvaro Cunhal, em 1946, no IV Congresso, realizado na Lousã, em plena clandestinidade. "Houve erros de intolerância em 1910 que não devem repetir-se", sugeria o líder histórico dos comunistas. E nem uma vírgula se alterava com a democracia: "Somos firmemente contrários, para hoje e para amanhã, a quaisquer perseguições ou discriminações sociais por motivos religiosos", insistira Cunhal em Braga, em finais de 1974, assegurando: "Opomo-nos às atitudes que possam ferir os sentimentos religiosos."

pág. 149

O "Plano Maria da Fonte" não deixará nada ao acaso. 
Beberá até inspiração nas sebentas vermelhas das ideologias que se propõe combater. Seguindo a lição de Mao, o "exército" de cunho religioso vai comportar-se como "peixe na água" em relação ao povo, ocultando-se e diluindo-se neste (...)
"O povo anónimo já era um barril de pólvora e bastava acender um simples fósforo". Mas será acima do Douro que o movimento vai sentir-se em casa. "Entre julho e novembro de 1975 as cidades e as vilas nortenhas eram, à noite, povoações-fantasma", descreve o operacional. "E era durante a noite que circulavam, por todas as estradas do Norte, os grupos da Maria da Fonte que iam contactar, mentalizar e ensinar. Em três meses, o Norte ficou preparado para a guerra", elucida Paradela de Abreu.
Cada paróquia uma "base".
Cada igreja de "granito ancestral", um reduto. 
Cada sino, um rádio transmissor".
Cada quinta perdida nas serras, "um apoio logístico".
Para conquistas grandes aglomerações nas missas, "os próprios padres locais incitavam as pessoas para atuar contra os comunistas. 

pág. 152

O movimento integra, entre outros, o fadista João Braga, que irá sublimar, numa entrevista, a fogueira que devorou a revolução: "Incendiamos 317 sedes de partidos. Lembro-me de o jornal espanhol Ya ter escrito na capa "Portugal esta que arde!".
Há ordens para não matar, mas são meras intenções. Os comunistas ou saíam pela porta da frente com um pano branco hasteado num pau, como aconteceu em São João da Madeira, ou fugiam pela porta das traseiras", dirá Paradela. No terreno a narrativa tem consequências: atos bárbaros de gente cega pela ira ou viciada na excitação da pirotecnia resulta em tiroteios e balas perdidas que não escolhem credos nem convicções, provocando dezenas de mortos e feridos. "Uns entravam pelo rés do chão e outros saíam a voar pelo primeiro andar", gabara-se Alpoim Calvão, chefe operacional do MDLP, movimento do qual o "Plano Maria da Fonte" seria uma espécie de desdobramento. 

pág 163

Segundo Kissinger, se os "moderados" do MFA atuassem "de modo a diminuir a influência dos comunistas" teriam "o apoio dos Estados Unidos", podendo este "revestir-se de várias formas, tais como ajuda económica". Dias depois é divulgada a lista, com nomes, moradas e telefones, dos homens da embaixada norte-americana e da CIA em Portugal. O autor assumido da fuga é Philip Agee, um ex-agente da "central" arrependido, que mais tarde revelará outras informações: "Tenho por certo que a CIA financia direta ou indiretamente os dois partidos cristãos-democratas, e ainda o PPD e o Partido Socialista. Financia também as organizações dependentes da Igreja Católica, tal como fez no Chile. As grandes manifestações no Norte de Portugal, onde se transportaram populações inteiras em carros e camiões, necessitam de enormes quantias de dinheiro. 
Agee responsabilizava a CIA pelo incitamento dos católicos à violência no Norte do País e pelo facto de promover cisões no MFA. Sugeria ainda tere sido disponibilizadas grandes quantias de dinheiro destinadas à Igreja Católica. 

pág. 167

O ano de 1976, pelo menos até à primavera, continuaria "animado". Os atentados mortais mais violentos ocorreram nessa altura (padre Max, São Martinho do Campo, Avenida da Liberdade e embaixada de Cuba, quando o MDLP tentava fazer crer que anunciara o fim das hostilidades (...)
Quanto ao cónego Melo, foi encontrado sem vida, a 19 de abril de 2008, no quarto de um instituição religiosa em Fátima (...) Em 1998, recebera de Mário Soares, Presidente da República, a Comenda de da Ordem do Mérito. O próprio agraciado atribuía a distinção ao seu "combate" no "Verão Quente" de 1975 para proteger Portugal da incultura, de imoralidade, da droga e das filosofias erradas" e ajudar o MDLP a "regenerar" o País. "Fiquei contente por terem, finalmente, reconhecido que servi a pátria", afirmou. 
Simbolicamente, a 24 de novembro de 2003, Frank Carlucci foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante por "serviços relevantes" prestados a Portugal, no País e no estrangeiro. O primeiro-ministro Santana Lopes entregou-lhe nos Estados Unidos em 2004. 

pág. 184

Nesse tempo a FLAMA sonhou alto.
A febre independentista incluiu a criação de um banco e uma moeda própria, o zarco, que chegou a circular em notas de 20, 50, 100, 200, 500, 1000. A temperatura subiu a níveis nunca antes imaginados. 
A FLAMA teve várias caras, entre as quais um denominado Esquadrão da Morte que, em vários comunicados, apelou aos madeirenses para que combatessem, sem medo, "as drogas, os comunistas e os socialistas" (...)
Duas figuras terão um papel decisivo no alastrar do clima incendiário: D. Francisco Santana, bispo do Funchal, e Alberto João Jardim, futuro líder do PSD

pág. 212

Um enorme clarão iluminava o breu. "Mataram o padre Max!, gritava a irmã.
Lurdes jazia no meio da estrada ao quilómetro 71.
(...)
Ela chegou já se vida ao hospital. Vestia três camisolas leves de várias cores. 
Max entrou com grande dificuldade em falar.
Perguntaram-lhe o que se passara.
"Colocaram-me uma bomba no carro e agora está a arder, mas não faz mal. É esta a democracia portuguesa."

pág. 215

Em Almendra, as mulheres lamentaram que um rapaz "tão bonito" se inclinasse para sacerdócio. Ele, porém, não iria ser mais um. Da passagem pela cidade histórica duriense deixará, de resto, pasto para lendas. Jura-se ainda por ali, a pés juntos, que Maximino gravou nas paredes da casa ds condes de Almendra uma inscrição que o guiará até o último suspiro:
"Aprendi a servir o povo no nojo da burguesia".

pág. 217

Pelo caminho, o amigo, já então militante do PS, não deixava de refletir no que ouvira e ambos comentaram as incidências daquela manhã:
"Ele queria pregar, a todo custo, a versão humanista que a Igreja deve ter na sociedade, mas na altura essas ainda eram perversas e perniciosas. E houve gente que não gostou". Dito isto, desafio-o: "Eh pá, tu tens um ótimo palco, podes pregar a visão cristã e humana da Igreja, dar a volta aos direitos dos cidadãos por que é que tinhas de ir logo para a UDP"? Ao volante, Maximino replicou: "Eu sou da UDP porque a UDP é pela classe operária e pelos direitos dos explorados."

pág. 219 

Max era, por esta altura, candidato a deputado nas listas da UDP nas primeiras eleições livres para a Assembleia da República. Num comício na sede dos bombeiros, atiçaria ainda mais os altares e a beatice: "Se há tantos padres de direita, por que é que um não há-de ser de esquerda?" desafiara. Para o sacerdote, aquela era uma "luta de morte" para evitar que uns tivessem "pão de primeira" e os outros nem o vissem. E perguntava, quase em súplica: "Como é que um capitalista pode celebrar ou dizer todos os dias "o pão nosso" quando o tipo tem o celeiro de todos?

pág. 227

Hoje na Cumieira, quase não há vestígios desses tempo.
E ao quilómetro 71só uns dizeres desbotados inscritos numa paragem de autocarro velha e enferrujada insistem em preservar a memória que não perdeu validade: "Padre Max, assassinos à solta".
No cemitério de Santa Iria, o jazigo de Maria de Lurdes é a cara do desleixo.
A campa de Maximino de Sousa é a 1240, a dois passos. 
"Le Temps Passe, le Souvenir Reste", lê-se. 
As flores são de plástico, mas o craveiro ao fundo da laje preta tem cravos a florir, em rebeldia. Apenas uma funcionária da Segurança Social de Vila Real lá vai, às vezes.
Todos os anos, Maria Augusta, feliz zeladora do cemitério a meias com o marido recebe chamadas do estrangeiro. São emigrantes pedindo que enfeite a última morada dos familiares. 
Pelo padre Max e Maria de Lurdes ninguém telefona. 
Para eles, já não há velas nem flores. 

(continua...)

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

25 de Abril Traído

"Tiveste razão, querido Jorge, quando refletiste ao telefone: "A tua raiva parece a de um podengo a quem arrancaram as orelhas". A tua voz soa-me ao ódio de um pária a quem roubaram o último pedaço de pão". Era verdade. Naquele breve momento de hoje às seis da tarde, ao responder ao teu telefonema vindo de Paris, não sabia que dizer-te. Achava-me tão confuso, tão incapaz de compreender o que se passava! Mas agora, amigo, o Acontecimento já não tem os tantos mistérios de há pouco. Talvez ainda não esteja tudo tão devidamente claro, talvez não. No entanto um halo de amargura se estende por todo este país, (o nosso País, Jorge! a nossa pátria mais uma vez macerada e convertida num redil!), onde uma certeza se desenha inconsutil: o 25 de Abril foi traído!

Não. Não acredites nas histórias que hão-de fazer-te chegar aí como verdades factuais. Lerás, ouvirás, que houve um golpe de esquerda, que nós tentámos  o assalto ao poder, que estava tudo preparado para liquidarmos a democracia. Oh, oh, meu querid Jorge! Espero que não caias as asneira de crer em tais patranhas. Recorda-te que quase toda a Informação de que dispões é paga pelos nossos inimigos, serventuários da mistificação e da represália. Tu próprio mo disseste muitas vezes, quando descíamos o Chiado, nas tardes mornas daquele Outono de antes do teu forçado exílio: "Só a mentira lhes permite a sobrevivência". 

E é com enorme mentira que eles escondem a sua traição, é com um monstruoso ato cénico que eles tentam mais uma vez enganar este pobre povo. Porque, na realidade, o que sucedeu, Jorge, foi apenas o abrir do pano para a ocorrência de uma das cenas da tragi-comédia que o capital encomendou para representar (com a mais cruas das realidades, acredita) o fim deste belo sonho que a História relembrará, através de um título simplista: "O 25 de Abril". 

Está bem. Poderás dizer-me que era de esperar, posto que o próprio "25 de Abril" não passou de uma outra manobra. Mas escuta: nem todos os que, de soldado vestidos, saltaram sobre os mais-que-pôdres bastiões fascistas, eram títeres. Muitos deles (substituo: digo alguns deles, e se quiseres aponto-te os nomes) vieram para a rua dispostos a lutar e a morrer pelas mesmas razões que tu e eu defendemos. Depois, o povo desperto, deu-lhes carta de alforria e a revolução começou. E foi assim, e porque o povo quis, que os que não almejavam senão um virar de página do mesmo livro, se aperceberam de que o processo lhes fugia das mãos frustradas. A planta do poder da popular (frágil ainda mas ameaçando tornar-se pujante  e erradiça) apavorou a hidra. Tornava-se imperioso matá-la, antes que fosse árvore robusta, floresta indstrutível. O 28 de Setembro e o 11 de Março, vamos compará-los ao retesar do arco: o 25 de Novembro foi o tiro nas espáduas. Repito: nas espáduas. Aliás, não desconhecesses como eles sabem usar a traição. E assim a Revolução cambaleou, caiu por terra. O espírito nazi espezinhou-a. Esquartejou-a. Espalha-lhe agora os membros por doquier. Depois rega-os com o querosene da infâmia. "Contra-revolucionários" começam a chamar os nossos pequenos neo-nazis, os que disseram um alto não à miragem vassala do passado. E tentam queimar-lhes os restos. De todos. Militares e civis. Do Povo inteiro.

Nota Para um Posfácio Coerente

Diz-se que o 25 de Novembro veio restituir o 25 de Abril à sua pureza. Diz-se isto com demasiada frequência (não isenta de certo ar demagogo), assim à maneira de quem teme que seja fácil provar o contrário. E parece que que chegou o momento de dizer que, de facto, é fácil provar o contrário (...)

No que diz respeito às intenções deste meu relato, não procuro a Verdade Absoluta - o que seria estulto e por isso contento-me com uma verdade relativa. Mas uma verdade relativa que, para além das situações subjectivas nela implicadas, permite aos factos que tenham voz por si mesmos. Vi, ouvi, tive em mãos dados concretos. E, mais importante ainda, assisti, quero dizer, testemunhei. Direi, sem receios a contradições, que pelo menos em determinado momento, fui certamente o jornalista mais bem informado sobre os acontecimentos do 25 de Novembro. Isto bastaria para me levar à tentação de escrevinhar rapidamente, oportunisticamente, um livreco a atirar para o sensacionalista, de que se venderiam, tenho a certeza, muitos milhares. Preferi deixar correr o tempo. Fora dois artigos publicados no estrangeiro em cima da hora, não voltei a servir-me dos meus apontamentos - até porque houve uma altura em que falar do 25 de Novembro, só nos comunicados oficiais. Era tabu. Triste, porém, será o país onde, sobre um acontecimento que interessa a todos os cidadãos, só a verdade oficial tenha voz (...)

Por acaso, até houve quem lançasse o aviso muito a tempo. No início do chamado Verão Quente de 75, quando já eram visíveis os sintomas do pleno levantar a cabeça da reação, um homem que, se achava largamente informado do que se passava nos bastidores políticos e militares, disse-me durante um breve encontro: "Existe um plano de direita que está a ser integralmente cumprido" (...)

Tínhamos ultrapassado o 28 de Setembro e também o 11 de Março, determinados pelo espantoso irromper do poder popular. Confiávamos nos homens do 25 de Abril e nas promessas de um Portugal irreversivelmente rumo ao socialismo. Ingenuamente. Ignorávamos a manobra oculta, a navalha escondida na manga. Sabíamos, lá isso sabíamos, que havia forças que se moviam - até algumas que se apelidavam de esquerda - no intuito de matar o 25 de Abril. Mas sempre pensávamos que a traição pura não estaria com elas. E estava. 

A Descoberta de uma Conspiração - A Ação Spínola 

domingo, 8 de agosto de 2021

Ironias de um País Ingrato que Não Merece os Seus Heróis


Se há algo que a História nos tem ensinado é que não aprendemos nada com a História.  

Otelo Saraiva de Carvalho, arquiteto do 25 de Abril, morreu a 25 de Julho. António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, que são primeiro-ministro e presidente da república graças a Otelo ter derrubado a ditadura, acharam por bem que acabar com 48 anos de ditadura não era feito suficiente para o militar de Abril merecer o dia de luto nacional. 

Só que, se olharmos para trás, parece que tudo merece dia de luto nacional: cantar o fado mereceu dia de luto a Amália. Jogar à bola mereceu dia de luto nacional a Eusébio. Até uma religiosa mentirosa compulsiva, sim, um país laico meteu-se nesses assuntos da religião, e achou por bem conceder-lhe dia de luto nacional! Já o fazedor do 25 de  Abril não teve direito à homenagem de um mísero dia de luto nacional para lembrar a memória do seu feito.

Ah, mas ó Konigvs, tens de compreender que ele foi uma figura polémica...

Claro que compreendo. Otelo manteve-se sempre fiel aos princípios que levaram os militares a fazer o 25 de Abril. Devolver o poder ao povo, construir um país socialista, fazer a reforma agrária. Compreendo também que o grande mal de Otelo foi lutar pelo seu sonho e não arranjar um tacho num qualquer partido, e teria sido tão fácil ir para qualquer um deles, até porque, se calhar, foi convidado por quase todos. E certamente que se estivesse filiado no PS ou PSD, aí sim, certamente teria sempre direito ao seu diazinho de luto nacional, porque afinal foi o herói de Abril! Mas Otelo teve o descaramento de não se deixar corromper e a política tem sempre muito medo de pessoas com coluna vertebral. 

Diz-se que Otelo foi polémico. Se calhar foi, polémico principalmente para todos aqueles, que não são poucos, e que odeiam o 25 de Abril e os cravos vermelhos.

Mas se Otelo foi "polémico", o que dizer então da figura do terrorista Spínola? Spínola tudo fez, depois do 25 de Abril, para instalar uma nova ditadura de extrema-direita. Spínola liderou em 1975 um movimento terrorista, o Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP), que andou a colocar bombas em sedes do partido comunista (e socialista), que mataram diversas pessoas, incluindo o famoso padre Max e Maria de Lurdes e tantos anos volvidos ninguém foi responsabilizado. 


Mas ser um terrorista e ter a ousadia de querer, de novo, instalar uma ditadura fascista em Portugal, não foi polémico o suficiente para negar a Spínola o direito de ter também o seu diazinho de luto nacional. Otelo é que foi polémico por se manter fiel aos princípios do 25 de Abril.

Fez-se o 25 de  Abril, mas rapidamente meteu-se essa ideia romântica de devolver o poder ao povo na gaveta. O povo rapidamente ficou a chuchar no dedo e o dinheiro novamente começou a ser desviado do esforço de todos, para o bolso de alguns, muito poucos, ficarem com o dinheiro todo. 

Cavaco Silva, ex-primeiro-ministro e ex-presidente da república, que nos tempo do fascismo foi dar o nome de bom comportamento à PIDE, também negou a pensão a Salgueiro Maia, outro herói do 25 de Abril (que também não teve direito a dia de luto nacional) enquanto a concedia a dois ex-PIDE pelos "altos serviços prestados". 

Mas depois há coisas, de facto, muito irónicas. Faz-se o 25 de Abril, acabou-se com 48 anos de ditadura, inscreveu-se na Constituição que os partidos fascistas são proibidos, mas o Tribunal Constitucional não viu nada de errado com o racista, homofóbico e xenófobo partido Chega. Nem viram nada de errado na entrega de milhares de assinaturas falsas para fundar o partido, processo que ainda está a ser investigado pelo Ministério Públiico. Nem ninguém viu nada de errado com a lista que permitiu a Ventura ser eleito deputado e que não cumpria os critérios.

E, ironia das ironias. Dias depois da morte de Otelo Saraiva de Carvalho, ficamos a saber que, pela primeira vez, na recente história da democracia portuguesa, um bombista terrorista de extrema-direita do MDLP vai sentar o cu na suposta casa da democracia, eleito por um partido ilegal. Um bombista terrorista de extrema-direita vai substituir um deputado racista eleito por um partido ilegal. 

Otelo (e os militares) acabaram com a ditadura salazarista devolvendo-nos a liberdade, mas nunca devemos tomar a Liberdade por garantida. E a mim revolta-me ver este estado de coisas. Revolta-me ver um país ingrato com quem nos libertou dum jugo de repressão, de fome e de morte. E revolta-me que, apesar de teros tido quarenta e oito anos de ditadura repressiva, apareça um partido fascista ilegal, que os juízes do Tribunal Constitucional simplesmente não viram nada de errado, e que tenha levado 500 mil portugueses a votar no seu líder racista, homofóbico, xenófobo e fanático religioso nas últimas presidenciais. 

 São tudo sinais a que deveríamos estar muito atentos, porque, como se sabe, "quem adormece em democracia, acorda em ditadura".

# Spínola e Os Ataques À Bomba Patrocinados pela Igreja Católica em 1975

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Os Ataques À Bomba Patrocinados pela Igreja Católica em 1975

Eu já sabia que tinha sido a Igreja Católica reacionária (conjuntamente com os monárquicos) que esteve por trás do golpe de Estado de 1926 que instalou uma ditadura militar no país, e que, como se sabe, durou 48 anos até ao 25 de Abril de 1974. Todos nós sabemos, e não é novidade para ninguém, das relações de amizade entre Salazar e o cardeal Cerejeira bem como da cúpula da Igreja Católica, que sempre fechou os olhos a todas as atrocidades, detenções e mortes que o povo português sofreu. Também é sabido que, as aparições de Fátima (1917) sempre form negadas pelo Vaticano, tendo sido só validadas depois da subida ao poder da ditadura de Salazar, treze anos depois de supostamente terem ocorrido. E também sabemos que um dos "segredos" de Fátima é, pasme-se, o fim do comunismo! Acho que só faltava mesmo que a Nossa Senhora tivesse dito que os bons cristãos portugueses teriam que votar sempre no CDS, partido preferido da Igreja Católica depois do 25 de Abril.

Mas o que choca é quando lemos que a própria Igreja Católica esteve envolvida nos ataques terroristas contra as sedes do PCP, enquanto que nas igrejas diziam que os comunistas, aqueles homens e mulheres que lutaram pela liberdade, tantas vezes pagando isso com a própria vida, comiam criancinhas e matava velhos. 

Este último livro que li, conta como um jornalista de investigação alemão Günter Wallraff (autor do livro) numa curta visita ao norte - "Aqui a Igreja tem uma grande influência sobre os 30% de analfabetos e os 60% de semianalfabetos, que pouco mais sabem do que escrever o nome" - infiltramdo-se na comunidade sem se disfarçar, unicamente substituindo o casaco de couro por um fato e gravata (como convém às gentes de "bem") passa-se por anti-comunista e rapidamente entrevista o arcebispo e, ao terceiro dia em Braga, ganha a confiança de um bombista do MDLP e apoiante do CDS e mais tarde, na Alemanha, fazendo-se passar por alguém interessado em financiar as atividades terroristas deste grupo, fala com o próprio Spínola e grava todas as conversas que constam no livro. 


"Em Braga, uma velha e venerável idade episcopal, reside o bispo com o maior grau hierárquico da Península Ibérica, o arcebispo primaz Francisco Maria da Silva. A sua diocese é a mais rica do País, tanto quanto ao que possui materialmente como quanto ao número de padres. Ele tem sob sua alçada tantos padres como os que há em todas as outras dioceses do Norte juntas. Os jornais da região pertencem-lhe, assim como tipografias e editores, participando também em empreendimentos industriais. O maior centro de peregrinação de Portugal, depois de Fátima, é o Monte do Sameiro, em Braga, que também está sob o seu domínio.

Há poucos meses o arcebispo fez publicamente a promessa de ir à frente da sua comunidade numa peregrinação a Nossa Senhora do Sameiro se, até aos fins de 1976, o comunismo (isto é, aquilo que ele entende por isso) fosse vencido no país. Há pouco anunciou que iria excomungar os comunistas (...) outrora o arcebispo tinha caracterizado do púlpito o seu amigo pessoal Salazar como "a reencarnação do rei D. Sebastião, que levará Portugal a um futuro glorioso". 

Desde o 25 de Abril de 1974  dos púlpitos da sua arquidiocese prega-se uma cruzada contra os esquerdistas. Exorta-se, fanaticamente, "à destruição dos ninhos vermelhos". Quando os soldados revolucionários das campanhas de dinamização chegaram às aldeias solitárias de Trás-os-Montes onde muitas vezes não há eletricidade nem rádio, viam só adultos, parecendo não haver crianças, o que pouco depois se veio a esclarecer. Nas prédicas tinha sido dito: "Os comunistas vêm aí e querem levar as crianças, para as porem em escolas do partido." E: "Os velhos que já não podem trabalhar são mortos com um tiro na nunca. Assim, como medida de precaução tinham escondido as crianças nas montanhas. 

Como é que se consegue uma audiência com o arcebispo que, pelo menos psicologicamente, ajudou a preparar para cima de trezentos ataques à bomba, incêndios, saques a sedes dos comunistas e socialistas e sindicatos no Norte, e depois os abençoou? 

À conversa, de duas horas, assiste o secretário do bispo, Dr. Fernando Carvalho Rodrigues, um homem roliço, ativo, na casa dos quarenta que deve os seus conhecimentos de alemão a visitas frequentes ao arcebispado de Colónia. O Dr. Rodrigues escreve os discursos combativos do arcebispo; é a cabeça e ao mesmo tempo o redator principal do Diário do Minho, o maior diário da região, que pertence ao episcopado. (No Diário do Minho, o CDS é apresentado como o único partido cujo programa não vai contra a doutrina da Igreja.) 

(...) Achei que tinha chegado o momento de pôr o problema dos recentes ataques terroristas no Norte:
- Em muitos dos nossos jornais, estas ações são apresentadas como expressão de uma saudável fúria popular. Serão defensáveis, do ponto de vista cristão, como medidas de defesa legítima e como resposta violenta ao terror psicológico da esquerda?
A pergunta parece ter sido direta de mais. O Dr. Fernando pensa, leva tempo a responder, e um sorriso subtil aparece no seu rosto ainda juvenil:
- Claro que é preciso perguntar quem fez essas coisas. Mas ainda não se sabe. São jovens, saltam os muros como os gatos e põem fogo. Ninguém sabe de onde vieram, nem para onde vão. Ainda não se apanhou nenhum. Sabe (olhe que isto é da minha opinião pessoal), também há pessoas que dizem que são os próprios comunistas que deitam fogo aos escritórios e fazem explodir de vez em quando alguma coisa para eliminar documentos incómodos, quando já não conseguem ver-se livres de outra maneira(..)

Terceiro dia em Braga. Arranjei-me para não dar, à primeira vista, a impressão de ser de esquerda: anel de brasão, pasta, cabelo bem aparado - o que não acontecia há três meses - e troquei o casaco de couro por fato e gravata. Pergunto ao motorista de taxi onde é que poderia encontrar as pessoas corajosas, que tinham começado a correr com os comunistas. O motorista não dá a entender se concorda este ponto de vista. Com indiferença indica o snack-bar Ídolo, "há sempre lá gente do CDS"...

Leitura puxa leitura e a leitura deste livro, sobre os planos da extrema-direita de Spínola instalar nova ditadura, acabou de me aliciar a mergulhar na vida do cónego Melo, líder da Arquidiocese de Braga e responsável pelo movimento de terror anti-comunista aqui retratado, conhecido como "verão quente" com ligações ao MDLP e que culminou inclusivamente na morte do padre Max e de Maria de Lourdes. De forma incrível, foi o PS que, em 2013 eregiu uma estátua ao cónego Melo. Certamente regressarei a este tema.