quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Os Ataques À Bomba Patrocinados pela Igreja Católica em 1975

Eu já sabia que tinha sido a Igreja Católica reacionária (conjuntamente com os monárquicos) que esteve por trás do golpe de Estado de 1926 que instalou uma ditadura militar no país, e que, como se sabe, durou 48 anos até ao 25 de Abril de 1974. Todos nós sabemos, e não é novidade para ninguém, das relações de amizade entre Salazar e o cardeal Cerejeira bem como da cúpula da Igreja Católica, que sempre fechou os olhos a todas as atrocidades, detenções e mortes que o povo português sofreu. Também é sabido que, as aparições de Fátima (1917) sempre form negadas pelo Vaticano, tendo sido só validadas depois da subida ao poder da ditadura de Salazar, treze anos depois de supostamente terem ocorrido. E também sabemos que um dos "segredos" de Fátima é, pasme-se, o fim do comunismo! Acho que só faltava mesmo que a Nossa Senhora tivesse dito que os bons cristãos portugueses teriam que votar sempre no CDS, partido preferido da Igreja Católica depois do 25 de Abril.

Mas o que choca é quando lemos que a própria Igreja Católica esteve envolvida nos ataques terroristas contra as sedes do PCP, enquanto que nas igrejas diziam que os comunistas, aqueles homens e mulheres que lutaram pela liberdade, tantas vezes pagando isso com a própria vida, comiam criancinhas e matava velhos. 

Este último livro que li, conta como um jornalista de investigação alemão Günter Wallraff (autor do livro) numa curta visita ao norte - "Aqui a Igreja tem uma grande influência sobre os 30% de analfabetos e os 60% de semianalfabetos, que pouco mais sabem do que escrever o nome" - infiltramdo-se na comunidade sem se disfarçar, unicamente substituindo o casaco de couro por um fato e gravata (como convém às gentes de "bem") passa-se por anti-comunista e rapidamente entrevista o arcebispo e, ao terceiro dia em Braga, ganha a confiança de um bombista do MDLP e apoiante do CDS e mais tarde, na Alemanha, fazendo-se passar por alguém interessado em financiar as atividades terroristas deste grupo, fala com o próprio Spínola e grava todas as conversas que constam no livro. 


"Em Braga, uma velha e venerável idade episcopal, reside o bispo com o maior grau hierárquico da Península Ibérica, o arcebispo primaz Francisco Maria da Silva. A sua diocese é a mais rica do País, tanto quanto ao que possui materialmente como quanto ao número de padres. Ele tem sob sua alçada tantos padres como os que há em todas as outras dioceses do Norte juntas. Os jornais da região pertencem-lhe, assim como tipografias e editores, participando também em empreendimentos industriais. O maior centro de peregrinação de Portugal, depois de Fátima, é o Monte do Sameiro, em Braga, que também está sob o seu domínio.

Há poucos meses o arcebispo fez publicamente a promessa de ir à frente da sua comunidade numa peregrinação a Nossa Senhora do Sameiro se, até aos fins de 1976, o comunismo (isto é, aquilo que ele entende por isso) fosse vencido no país. Há pouco anunciou que iria excomungar os comunistas (...) outrora o arcebispo tinha caracterizado do púlpito o seu amigo pessoal Salazar como "a reencarnação do rei D. Sebastião, que levará Portugal a um futuro glorioso". 

Desde o 25 de Abril de 1974  dos púlpitos da sua arquidiocese prega-se uma cruzada contra os esquerdistas. Exorta-se, fanaticamente, "à destruição dos ninhos vermelhos". Quando os soldados revolucionários das campanhas de dinamização chegaram às aldeias solitárias de Trás-os-Montes onde muitas vezes não há eletricidade nem rádio, viam só adultos, parecendo não haver crianças, o que pouco depois se veio a esclarecer. Nas prédicas tinha sido dito: "Os comunistas vêm aí e querem levar as crianças, para as porem em escolas do partido." E: "Os velhos que já não podem trabalhar são mortos com um tiro na nunca. Assim, como medida de precaução tinham escondido as crianças nas montanhas. 

Como é que se consegue uma audiência com o arcebispo que, pelo menos psicologicamente, ajudou a preparar para cima de trezentos ataques à bomba, incêndios, saques a sedes dos comunistas e socialistas e sindicatos no Norte, e depois os abençoou? 

À conversa, de duas horas, assiste o secretário do bispo, Dr. Fernando Carvalho Rodrigues, um homem roliço, ativo, na casa dos quarenta que deve os seus conhecimentos de alemão a visitas frequentes ao arcebispado de Colónia. O Dr. Rodrigues escreve os discursos combativos do arcebispo; é a cabeça e ao mesmo tempo o redator principal do Diário do Minho, o maior diário da região, que pertence ao episcopado. (No Diário do Minho, o CDS é apresentado como o único partido cujo programa não vai contra a doutrina da Igreja.) 

(...) Achei que tinha chegado o momento de pôr o problema dos recentes ataques terroristas no Norte:
- Em muitos dos nossos jornais, estas ações são apresentadas como expressão de uma saudável fúria popular. Serão defensáveis, do ponto de vista cristão, como medidas de defesa legítima e como resposta violenta ao terror psicológico da esquerda?
A pergunta parece ter sido direta de mais. O Dr. Fernando pensa, leva tempo a responder, e um sorriso subtil aparece no seu rosto ainda juvenil:
- Claro que é preciso perguntar quem fez essas coisas. Mas ainda não se sabe. São jovens, saltam os muros como os gatos e põem fogo. Ninguém sabe de onde vieram, nem para onde vão. Ainda não se apanhou nenhum. Sabe (olhe que isto é da minha opinião pessoal), também há pessoas que dizem que são os próprios comunistas que deitam fogo aos escritórios e fazem explodir de vez em quando alguma coisa para eliminar documentos incómodos, quando já não conseguem ver-se livres de outra maneira(..)

Terceiro dia em Braga. Arranjei-me para não dar, à primeira vista, a impressão de ser de esquerda: anel de brasão, pasta, cabelo bem aparado - o que não acontecia há três meses - e troquei o casaco de couro por fato e gravata. Pergunto ao motorista de taxi onde é que poderia encontrar as pessoas corajosas, que tinham começado a correr com os comunistas. O motorista não dá a entender se concorda este ponto de vista. Com indiferença indica o snack-bar Ídolo, "há sempre lá gente do CDS"...

Leitura puxa leitura e a leitura deste livro, sobre os planos da extrema-direita de Spínola instalar nova ditadura, acabou de me aliciar a mergulhar na vida do cónego Melo, líder da Arquidiocese de Braga e responsável pelo movimento de terror anti-comunista aqui retratado, conhecido como "verão quente" com ligações ao MDLP e que culminou inclusivamente na morte do padre Max e de Maria de Lourdes. De forma incrível, foi o PS que, em 2013 eregiu uma estátua ao cónego Melo. Certamente regressarei a este tema. 


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