Não. Não acredites nas histórias que hão-de fazer-te chegar aí como verdades factuais. Lerás, ouvirás, que houve um golpe de esquerda, que nós tentámos o assalto ao poder, que estava tudo preparado para liquidarmos a democracia. Oh, oh, meu querid Jorge! Espero que não caias as asneira de crer em tais patranhas. Recorda-te que quase toda a Informação de que dispões é paga pelos nossos inimigos, serventuários da mistificação e da represália. Tu próprio mo disseste muitas vezes, quando descíamos o Chiado, nas tardes mornas daquele Outono de antes do teu forçado exílio: "Só a mentira lhes permite a sobrevivência".
E é com enorme mentira que eles escondem a sua traição, é com um monstruoso ato cénico que eles tentam mais uma vez enganar este pobre povo. Porque, na realidade, o que sucedeu, Jorge, foi apenas o abrir do pano para a ocorrência de uma das cenas da tragi-comédia que o capital encomendou para representar (com a mais cruas das realidades, acredita) o fim deste belo sonho que a História relembrará, através de um título simplista: "O 25 de Abril".
Está bem. Poderás dizer-me que era de esperar, posto que o próprio "25 de Abril" não passou de uma outra manobra. Mas escuta: nem todos os que, de soldado vestidos, saltaram sobre os mais-que-pôdres bastiões fascistas, eram títeres. Muitos deles (substituo: digo alguns deles, e se quiseres aponto-te os nomes) vieram para a rua dispostos a lutar e a morrer pelas mesmas razões que tu e eu defendemos. Depois, o povo desperto, deu-lhes carta de alforria e a revolução começou. E foi assim, e porque o povo quis, que os que não almejavam senão um virar de página do mesmo livro, se aperceberam de que o processo lhes fugia das mãos frustradas. A planta do poder da popular (frágil ainda mas ameaçando tornar-se pujante e erradiça) apavorou a hidra. Tornava-se imperioso matá-la, antes que fosse árvore robusta, floresta indstrutível. O 28 de Setembro e o 11 de Março, vamos compará-los ao retesar do arco: o 25 de Novembro foi o tiro nas espáduas. Repito: nas espáduas. Aliás, não desconhecesses como eles sabem usar a traição. E assim a Revolução cambaleou, caiu por terra. O espírito nazi espezinhou-a. Esquartejou-a. Espalha-lhe agora os membros por doquier. Depois rega-os com o querosene da infâmia. "Contra-revolucionários" começam a chamar os nossos pequenos neo-nazis, os que disseram um alto não à miragem vassala do passado. E tentam queimar-lhes os restos. De todos. Militares e civis. Do Povo inteiro.
Nota Para um Posfácio Coerente
Diz-se que o 25 de Novembro veio restituir o 25 de Abril à sua pureza. Diz-se isto com demasiada frequência (não isenta de certo ar demagogo), assim à maneira de quem teme que seja fácil provar o contrário. E parece que que chegou o momento de dizer que, de facto, é fácil provar o contrário (...)
No que diz respeito às intenções deste meu relato, não procuro a Verdade Absoluta - o que seria estulto e por isso contento-me com uma verdade relativa. Mas uma verdade relativa que, para além das situações subjectivas nela implicadas, permite aos factos que tenham voz por si mesmos. Vi, ouvi, tive em mãos dados concretos. E, mais importante ainda, assisti, quero dizer, testemunhei. Direi, sem receios a contradições, que pelo menos em determinado momento, fui certamente o jornalista mais bem informado sobre os acontecimentos do 25 de Novembro. Isto bastaria para me levar à tentação de escrevinhar rapidamente, oportunisticamente, um livreco a atirar para o sensacionalista, de que se venderiam, tenho a certeza, muitos milhares. Preferi deixar correr o tempo. Fora dois artigos publicados no estrangeiro em cima da hora, não voltei a servir-me dos meus apontamentos - até porque houve uma altura em que falar do 25 de Novembro, só nos comunicados oficiais. Era tabu. Triste, porém, será o país onde, sobre um acontecimento que interessa a todos os cidadãos, só a verdade oficial tenha voz (...)
Por acaso, até houve quem lançasse o aviso muito a tempo. No início do chamado Verão Quente de 75, quando já eram visíveis os sintomas do pleno levantar a cabeça da reação, um homem que, se achava largamente informado do que se passava nos bastidores políticos e militares, disse-me durante um breve encontro: "Existe um plano de direita que está a ser integralmente cumprido" (...)
Tínhamos ultrapassado o 28 de Setembro e também o 11 de Março, determinados pelo espantoso irromper do poder popular. Confiávamos nos homens do 25 de Abril e nas promessas de um Portugal irreversivelmente rumo ao socialismo. Ingenuamente. Ignorávamos a manobra oculta, a navalha escondida na manga. Sabíamos, lá isso sabíamos, que havia forças que se moviam - até algumas que se apelidavam de esquerda - no intuito de matar o 25 de Abril. Mas sempre pensávamos que a traição pura não estaria com elas. E estava.
Bom dia
ResponderEliminarde facto o 25 de Novembro é um acontecimento sombrio de que ninguém gosta muito de falar, passados estes anos ainda não temos historia feita, como se tivesse envolto num manto de vergonha... e no entanto mudou o rumo do pais e encaminhou-nos para o Portugal de hoje.
Creio que seria importante perceber este acontecimento para perceber como chegamos até aqui... e quem sabe corrigir alguma coisa.
Despertas-te em mim uma vontade imperiosa de estudar este acontecimento...
Olá!
EliminarEu também pouco ou nada sabia sobre o 25 de Novembro, além de ver o pessoal de direita muito entusiasmado com a data, o que, para mim não é um bom indicador, isto apesar de muitos dos intervenientes neste conflito terem sido os mesmos do 25 de Abril. Eu não fiz nenhuma introdução para contextualizar este livro. E na verdade até tenho dois livros sobre o 25 de Novembro, um com a versão mais oficial, e este, que me chamou mais a atenção, porque é um pequeno romance com os factos reais, e depois, no posfácio, o autor escreve umas quantas páginas enquadrando os acontecimentos. Há tanta coisa da história recente do nosso país que não sabemos, e outras tão manipuladas e contadas como convém...