"À artista e escritora Coco Fusco (Nova Iorque, 64 anos) não surpreende o silêncio da cultura norte-americana perante as políticas repressivas de Trump. “Os americanos não têm experiência com a censura. Embora pessoas como Robert De Niro, Bruce Springsteen ou Taylor Swift estejam a falar, a maioria dos meus colegas está naquela fase do ‘isso não é verdade’ ou ‘isso não me vai acontecer’. É lógico. Quando chega o sistema autoritário, se algo acontecer, pensamos sempre que será com os outros”, contou ontem a norte-americana de ascendência cubana, sentada num sofá numa das salas da retrospetiva que reúne 30 anos da sua obra e que hoje é inaugurada no Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (Macba).
As suas obras já passaram pela Bienal de Veneza, pela Bienal do Whitney em Nova Iorque ou pela de Sidney, e agora inaugura a sua primeira monografia em Espanha, mas Fusco sabe que, por muito reconhecimento internacional que receba, nada é garantido neste mundo. “Há artistas que acham que estão a salvo por terem uma grande exposição num grande museu ou por estarem a vender obras por um milhão. Para além de egoísta, é pouco racional. Nos anos 30 também havia muitos judeus ricos e o dinheiro não os protegeu”, acrescenta. A sua é uma atitude de resistência ativa que define até o nome da mostra, Aprendi a nadar em seco, uma metáfora sobre a sobrevivência face a tudo e que homenageia a primeira frase de Natação, um conto de 1957 do autor cubano Virgilio Piñera.
Comissariada pela diretora do Macba, Elvira Dyangani Ose, em colaboração com o Museu del Barrio de Nova Iorque, a exposição permanecerá até 11 de janeiro. A monografia reúne mais de 100 obras de uma carreira multidisciplinar em que Fusco cruza antropologia, desobediência ativa e denúncia política através da performance, vídeo-arte e ensaio. A sua obra é um megafone contra a censura política, a degradação dos valores democráticos, a perversão das políticas migratórias e o peso da alteridade na herança colonial. “Os seus 30 anos de investigação sobre aspetos como identidade, pátria ou comunidade, bem como o apoio à literatura, poesia e cinema cubano reprimidos, são fundamentais não só para compreender Cuba, mas para prestar atenção ao nosso presente. A sua obra é um remédio necessário para um momento tão duro como o que vivemos”, resume Dyangani Ose sobre a relevância da exposição.
Se Fusco diz estar vacinada contra o espanto face às políticas autoritárias, é porque a repressão definiu, literalmente, a sua vida. A mãe, uma cubana que concluiu os estudos de Medicina nos EUA nos anos 50 e não quis voltar após a Revolução, engravidou dela para conseguir os papéis quando o visto expirou. “Tenho uma foto com um mês a chegar a Havana nos braços da minha mãe. O Governo dos EUA disse-lhe que tinha de regressar a Cuba quando eu nascesse para formalizar os novos papéis. A minha mãe deu à luz, voltou à ilha, deixou-me nos braços da minha avó e foi diretamente para a fila para pedir o regresso”, explica.
A artista passou a adolescência a lidar com a burocracia migratória e viveu a explosão cubana em Miami, onde o tio se instalou com os oito filhos e onde passava parte dos verões. Mas na universidade quis conhecer Cuba. “Precisava de me confrontar com essas histórias de horror”. Fê-lo em 1985, graças aos voos de reunificação familiar e ao vínculo com três artistas cubanos que tinham exposto obras em Nova Iorque. “Havia coisas chocantes, claro. Na minha primeira visita roubaram-me o passaporte e nalguns restaurantes não nos deixavam entrar por causa da roupa, mas liguei-me ao sentido de humor e à forma como negociam com a realidade. Voltei e voltei.”
Nessa viagem sedimentou-se a suspeita em relação ao relato triunfal da Revolução. “Nas três primeiras décadas, a maioria dos cineastas fazia muitos trabalhos a celebrar os seus feitos, eu identifico-me mais com os intelectuais e artistas que aplicam um olhar crítico ao processo”, esclarece.
A exposição do Macba abre com A praça vazia (2012), um vídeo inspirado nos protestos que encheram as praças da Primavera Árabe de 2011, onde se vê Fusco, sozinha e minúscula, numa desolada Praça da Revolução de Havana, a questionar-se sobre porque é que esse espaço se tornou num anfiteatro inóspito pisado apenas por turistas que tiram selfies. “Essa praça foi o teatro político de Fidel, mas o tempo degradou-a. Agora só se enche quando há uma celebração oficial ou um desfile militar. As pessoas estão tão mal que, se aparecem, é porque lhes oferecem uma t-shirt ou uma sandes”, comenta a artista.
Décadas de dissidência
Na mostra, a dissidência é explorada por décadas, desde A confissão (2015), sobre a detenção e confissão forçada, em 1971, do poeta contra-revolucionário Heberto Padilla, até ao projeto em colaboração com outros artistas para reivindicar Luis Manuel Otero, o preso político mais famoso de Cuba.
A carreira de Fusco, definida pela “aspiração partilhada” com outras vozes e artistas, pode observar-se na colaboração com Nao Bustamante e a sua visão das fantasias sexuais coloniais na figura das jineteras cubanas (Stuff, 1996–1999), ou na série fotográfica Paquita e Chata (1996), a sua versão viva das bonecas mexicanas Lupita, usadas para representar prostitutas. Essa representação do outro marcou também a sua relação com Espanha. Em 1992, durante dois anos, representou com Guillermo Gómez-Peña a famosa performance Casal na jaula: dois ameríndios visitam o Ocidente, onde ambos se disfarçavam de ameríndios e se apresentavam como uma curiosidade exótica dentro de uma jaula. Embora a jaula esteja agora no MoMA, esta sátira sobre o exotismo e o primitivismo não foi compreendida na altura. “Naquela época celebrava-se o multiculturalismo de forma muito folclórica, parecia que cada um tinha de representar a sua cultura quase como num anúncio da Benetton. Nós quisemos denunciar a colonização e a história dos zoológicos humanos, mas o público não percebeu”, explica.
A sua missão de denúncia não se expressa apenas na arte e nos textos. Desde Brooklyn, Fusco continua a intermediar entre migrantes que procuram asilo político. “No meu bairro há muitos centros de acolhimento e eu trabalho como voluntária como intérprete. O medo do migrante foi instrumentalizado. Eu sei o que eles fazem para sobreviver. E garanto-te que nenhum branco americano vai fazer o trabalho que faz um imigrante recém-chegado”.
Noellia Ramirez | El País 23 de Maio de 2025