sábado, 22 de março de 2025

Ter Salários Dignos Não Arruína a Economia ou O Último Prego no Caixão do Neoliberalismo

Como introdução a mais um artigo que aqui quero deixar (principalmente para mim mas que, por certo também poderá interessar a outro qualquer leitor fantasma) poderia começar por dizer que não percebo nada de economia, mas, se calhar, a grande maioria dos economistas da nossa praça também não!

Depois de anos com a mesma ladainha de sempre "ai, não, não se pode aumentar os salários porque isso é mau para a economia e as empresas não aguentam" e lembrar aquele arauto da economia portuguesa, formado pela Católica, João César das Neves a dizer o aumento do salário mínimo é muito mau para os pobres, como pudemos ver nos últimos anos, tudo isso era um mito absurdo.


"O salário mínimo aumentou 61% em Espanha desde 2018, um crescimento vertiginoso que - apesar da recente explosão da inflação - supera em cerca de 40 pontos percentuais a evolução dos preços desde então. De 736 para 1184€ brutos por mês em 14 pagamentos, alcançando, segundo as estimativas do Governo, 60% do salário médio dos espanhóis. 

Em paralelo, e impulsionado por um ciclo económico expansivo, a taxa de desemprego caiu de forma sustentada, o nível de emprego cresceu ligeiramente e a desigualdade salarial atenuou-se. Embora se registem algumas travagens moderadas na criação potencial de postos de trabalho, a maioria dos analistas concorda que os aumentos do SMI trouxeram mais consequências positivas do que negativas. Uma conclusão comum a outras geografias e que coloca em causa algumas ideias que pareciam imutáveis.

Espanha não é, de longe, o único país que aumentou o salário mínimo nos últimos anos. Em períodos marcados pela forte inflação pós-pandemia e pela escalada abrupta dos preços da energia, outros países também reforçaram os seus salários mínimos. De um modo geral, novamente, com mais vantagens do que desvantagens. O caso do México é um exemplo disso. Ou o da Califórnia, um dos estados dos EUA que mais aumentou este indicador. Ou, mais perto, o de vários países da Europa de Leste, com a Roménia e a Bulgária à frente, onde os aumentos de dois dígitos se tornaram norma, melhorando a vida de milhões de trabalhadores.

Os supostos efeitos negativos, amplamente teorizados por muitos economistas e empresários - e contestados apenas por alguns, com os laureados com o Prémio Nobel da Economia David Card e Alan Krueger à cabeça - não se concretizaram. Os preços subiram, sim, mas por razões alheias ao salário mínimo. E, longe de ser um inimigo do pleno emprego, o desemprego está próximo de mínimos históricos.

Manuais desatualizados


Essas ideias, firmemente enraizadas no imaginário coletivo da economia neoclássica e nos manuais com que se formaram (e continuam a formar-se) várias gerações de académicos, começam a desmoronar-se. “O caso do salário mínimo é mais um exemplo de conceitos que a ortodoxia económica tomou como certos nos últimos 50 anos e que caíram desde 2008; argumentos que, carregados de ideologia, eram considerados inquestionáveis e não o são”, afirma Xosé Carlos Arias, autor do recém-publicado O tempo é ouro. Economia política do nanosegundo. “Quer isto dizer que o salário mínimo pode subir indefinidamente? Não, claro que há um limite… Mas parece ser mais elevado do que se pensava”.

“Os modelos convencionais falharam, sobrestimando os impactos negativos e subestimando os positivos”, acrescenta Juan Carlos Moreno Brid, professor de Economia da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM). Porquê? “Em grande parte, porque assumiam que o mercado de trabalho funcionava como o das laranjas. E não é assim… O mercado laboral é, sem dúvida, onde a economia neoclássica mais falhou na sua compreensão.”

Uma linha de pensamento partilhada por Attila Lindner, investigador do instituto alemão IZA, especializado em economia do trabalho, e professor no University College de Londres, com inúmeras investigações sobre o tema. “A evidência empírica sobre o salário mínimo sugere que, nos níveis atuais [no Ocidente], esta política tem efeitos mínimos sobre o emprego, ao mesmo tempo que aumenta significativamente a remuneração dos trabalhadores com salários mais baixos”. Algo, conclui, “difícil de conciliar com a visão neoclássica dos mercados laborais que dominou a profissão até ao início dos anos 2000, e que revela limitações importantes da teoria económica tradicional”.

Ao contrário de tantas outras variáveis laborais em que Espanha costuma estar na cauda da Europa, no que toca ao salário mínimo está agora perto do topo. Os seus 1.184 euros mensais são o quinto valor mais elevado da Europa, superado largamente pelos 2.261 euros do Luxemburgo, 1.956 da Irlanda ou 1.880 dos Países Baixos, todos eles países onde o custo de vida supera em muito o espanhol. Nada a ver com a realidade de há alguns anos, quando o salário mínimo espanhol estava entre os mais baixos da União Europeia.

Se tomarmos como referência 2018 - antes da pandemia e do forte aumento do SMN em Espanha -, o salário mínimo cresceu 61% desde então, enquanto os preços subiram apenas 19%. Esta diferença é ainda mais notória em países do leste e norte da Europa: na Lituânia, por exemplo, os preços aumentaram 41%, mas o salário mínimo subiu 160% (de um valor inicial muito baixo, 400 euros em 12 pagamentos, para os atuais 1.038 euros). Em Montenegro, Albânia e Croácia verifica-se um fenómeno semelhante. Também na Alemanha (+19%) e nos Países Baixos (+11%) houve ganhos significativos no poder de compra do salário mínimo.

Um raio de esperança

No México, os resultados foram igualmente claros. Durante os seis anos de presidência de Andrés Manuel López Obrador, o salário mínimo - que partia de valores muito baixos, mais típicos de economias empobrecidas do que de um país de rendimento médio - mais do que duplicou. Isto pôs fim a décadas de estagnação e trouxe esperança a milhões de trabalhadores. E, mais uma vez, sem o temido “efeito cascata”, que pressupunha que qualquer aumento do salário mínimo levaria automaticamente a uma subida de todos os salários, o principal argumento dos economistas (e políticos) tradicionalmente contra essa medida.

Rosalía Vázquez-Álvarez, economista da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e especialista em salários, assinala que, entre 2021 e 2022, 57% dos países do mundo aumentaram o salário mínimo nominal. Entre 2022 e 2023, a percentagem subiu para 59%. “Isto representa um aumento substancial em comparação com anos anteriores, o que indica que, em muitos mais países do que se esperava, as políticas de salário mínimo responderam de forma firme ao aumento da inflação”, comenta.

Os aumentos coincidiram com novos estudos científicos sobre o impacto do salário mínimo, que se viram reforçados pelos dados dos últimos anos. Foi neste contexto que a Academia Sueca concedeu o Prémio Nobel de Economia a David Card, reconhecendo a sua tese que contrariava a crença generalizada de que aumentos do salário mínimo destruiriam empregos. “Os aumentos no salário mínimo não têm necessariamente de levar à destruição de emprego”, justificou a Academia.

A conclusão geral não é que o aumento do salário mínimo não possa ter efeitos negativos, mas sim que não há uma consequência automática e que os aumentos recentes têm trazido mais benefícios do que prejuízos. Como enfatiza Luis Ayala, professor de Economia na UNED, “os estudos mais recentes mostram que os efeitos negativos sobre o emprego são pequenos, enquanto os efeitos positivos sobre a desigualdade salarial são muito comuns”.

A evidência empírica sugere que um salário mínimo bem implementado reduz a desigualdade e melhora a vida dos trabalhadores, sem que isso resulte numa perda significativa de empregos. A economia evolui e, com ela, o entendimento sobre os impactos das políticas salariais.

"Tener sueldos dignos no arruina la economía" / El País 

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Editado:

Entretanto ficamos a saber que Espanha teve ser o maior superavit dos últimos trinta anos. E Ana Gomes partilha o meu post no Bluesky a satirizar o economista da Católica:

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