Há dois ou três meses não fazia ideia de quem era Haruki Murakami. Muito menos que era o "escritor da moda" como ouvi depois alguém dizer-me. E por obra do acaso, acabei a ler de seguida dois livros deste autor japonês. E ler dois livros de seguida de um autor que desconhecemos permite-nos perceber algumas coisas. E eu percebi por que é que é tão lido, porque se lê muito facilmente e quer-se logo saber mais do que vai acontecer, porque cria ambientes e enredos entre as personagens muito cativantes, porque tem diálogos e pensamentos muito interessantes...
Só que, ao acabar o segundo livro fiquei com a sensação que estava como que a entrar no primeiro, e o que me pareceu é que, apesar das histórias serem completamente diferentes, o homem como que me voltou a contar a mesma coisa.
Se em "After Dark" era a irmã de Mari que passava a vida a dormir e entrava pelo espelho e de lá não conseguia sair. Em "Sputnik, meu amor" é a Sumire, aspirante a escritora, que desaparece, e os textos que deixa escritos no computador, e o sonho que relata com a mãe que já morreu há muitos anos. Ou quando Miu está na roda gigante a ver pelos binóculos o Fernando, que tem uma pila descomunal, e que está no seu quarto a agarrar o seu outro Eu...
E depois são estes romances, e se calhar hoje em dia é assim que se escreve (não sei, leio poucas coisas do século XXI), com finais completamente abertos, mas se calhar, digo eu, demasiado abertos que para a minha compreensão, pois aos meus olhos não chegam a lado algum, e em que, muitas vezes nada encaixa com nada, sem lógica nenhuma. Em Sputnik, meu amor, por exemplo, já o romance caminhava mesmo para o fim, o que é que interessou para a história o aparecimento da personagem Cenoura que é apanhado a roubar e se remete ao silêncio quando confrontado por K.?
Este tipo de escrita, apesar de muito interessante, tem mais ou menos o mesmo objetivo de duas equipas de futebol, que vão para um campo jogar à bola, mas sem qualquer intenção de fazer golos. Fazem jogadas espetaculares, mas quando se aproximam da grande área, voltam para trás, e recomeçam de novo. E quando faltarem cinco minutos para o jogo acabar, o árbitro interrompe o jogo, por uma razão qualquer, e os espetactores saem do estádio sem saber qual será o resultado final, simplesmente porque o jogo não se voltará a realizar!
Este fim de semana vi dois filmes, um coreano e outro japonês. O coreano é baseado numa história do Murakami, Celeiros em chamas. No seu último parágrafo resume a coisa de forma brilhante. Por outras palavras, não é o destino o mais importante, é a viagem. Tal como nos livros existem filmes em que o final é o que menos importa. Este filme, que se chama Burning, é assim também. O Murakami é difícil de passar ao cinema pois as coisas acontecem muito mais na cabeça das personagens do que ao seu redor: então como mostrar isso ao espectador? O filme é incrível no jogo que estabelece connosco. Do princípio ao fim somos levados a questionar o que acontece, tudo pode ter duas interpretações. Neste filme também não sabemos o resultado final, mesmo se o vimos. Podemos duvidar que aquilo que vimos tenha acontecido ou não passe de uma invenção da personagem principal. Ou podemos assumir que aconteceu e, mesmo assim, pode ser ou uma vingança ou uma terrível injustiça. É dos filmes mais engenhosos que vi nos últimos tempos, mexe com a nossa cabeça de uma forma inteligente. Todavia, o amigo com quem o vi achou um pouco aborrecido por não ser nem preto nem branco, exige uma certa paciência. Por acaso eu prefiro escritas menos concretas mas não sou do tipo "intelectualóide", não retiro, por exemplo, o mérito ao Follet, que esses intelectuais menosprezam: o tipo consegue fazer funcionar uma história com uma multidão de personagens, é um mestre nisso. Li apenas dois ou três livros dele e não procurei mais. Pode não ser inovador mas também nem todos precisam de ser. E, por vezes, também não nos apetece uma escrita que exige mais do que contar uma boa história...
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