Primeiro fim-de-semana de novo pseudo-confinamento. Mais uma camada de geada a deixar tudo branco no monte e nas ruas, mas também um belo dia de sol, antes da chegada da chuva, amanhã. Decidi ir fazer o meu "passeio higiénico", neologismo que dá para as pessoas justificarem tudo aquilo que não seja o seu dever de estar em casa confinadas e, logicamente que neste caso contra mim falo porque também saí, ainda que, em minha defesa, possa dizer que quase não me cruzei com viva alma.
Peguei na bicicleta e fui fazer um pouco de exercício, não que já esteja propriamente redondo, mas, principalmente, arejar um pouco em véspera de mais uma semana de "trabalho". Resolvi ir para montante do rio Douro, aldeia vizinha e freguesa anexada e fui explorar uns caminhos ali pela beira do rio.
Saí de mochila às costas e roupa comum, botas e caças de ganga justas e elásticas, porque não sou daqueles que para andar de bicicleta têm que vestir o equipamento desportivo todo, como se fossem fazer a volta a Portugal. Saí agasalhado, com gorro preto na cabeça e óculos de sol. Cabelos esvoaçantes e barba de duas semanas.
Por onde passava e se me cruzava com alguém, educadamente dizia "boa tarde". Imagino que para quem me leia e que viva na cidade isto pareça estranho, mas nas aldeias, quer as pessoas se conheçam, ou não, sempre foi normal cumprimentarem-se, e não vergarem simplesmente os cornos ao chão, fazendo de conta que não vêem ninguém. Até me estou a lembrar, dos sítios onde fui fazendo caminhadas, sempre vi o bom hábito das pessoas se cumprimentarem. Em Espanha, por exemplo, sempre que me cruzava com alguém, quer na Senda Del Cares ou nos Lagos de Covadonga ouvia sempre um "Holla!".
Então sempre me pareceu natural e instintivo cumprimentar quem passa. Ontem, infelizmente, várias vezes do outro lado respondia-me o silêncio. Numa das ruas, de boas vivendas (a aldeia vizinha não é como a minha, pobre, até porque em tempos até já foi sede de concelho) mas entretanto chego a um cais onde estavam dois pescadores a pescar e, minutos depois, no regresso, cruzo-me de novo com o senhor, um dos que não me respondeu e vi-o a fechar o portão da sua bela vivenda, não fosse eu decidir, sei lá, assaltar-lhe a casa, em pleno fim-de-semana de confinamento com toda a gente em casa!
Pedalar calmamente também é bom para pensar. E eu refletia como há coisas que não mudam. Há uns anos lembro-me (já não sei se contei esta história aqui no blogue) que uns emigrantes radicados em França, numa altura em que estavam de novo cá na aldeia, ficaram estupefactos a olhar para mim quando passei por eles na rua. E eu não vi essa surpresa, mas ouvi ao longe uma vizinha, que seguia no carreiro do campo de carro-de-mão carregado: "Não tenhais medo, é o filho da Rosa Maria"!
E, não deixa de ser muito curioso que, ainda por estes dias em conversa com a minha amiga carioca dizia-lhe que nunca me senti muito discriminado em Portugal por causa deste meu aspeto mais "exótico". E exótico talvez seja uma bela palavra quando tantas vezes sou interpelado em inglês no meu próprio país. Mas, para o bem ou para o mal, nós somos sempre vítimas ou reféns da forma como nos apresentamos e do nosso aspeto físico. No entanto eu sempre arranjei empregos e nunca senti propriamente que o meu aspeto fosse um entrave a fazer a minha vida normalmente. Há sempre reserva e medo com aquilo que não se conhece, ainda que, digo eu, eu não devesse ser motivo para que sejam mal educados quando passo.
Por outro lado, não deixa de ser irónico, que, se um qualquer meliante se vestir bem, como qualquer "pessoa de bem" (expressão muito em voga pelo candidato fascista) e usar um fato e gravata, e for por aí pelas aldeias dizer que vem trocar as notas de Euro, porque como agora o Reino Unido saiu da União Europeia, tem que se retirar do mapa aquele país, aposto que as pessoas os recebem quase de braços abertos. É assim a sociedade, sempre a julgar pelas aparências, e, como diz a minha mãe: "as pessoas enganam-se tanto".