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segunda-feira, 7 de julho de 2025

O Evangelho da Prosperidade

 


"Nascida no estado do Mississippi, Paula White, de 59 anos, passou, em fevereiro de 2025, de conselheira espiritual de Trump a diretora do recém-criado Gabinete da Fé da Casa Branca. Se o cargo em si já foi contestado por roçar a confessionalidade, a sua ocupante tem recebido críticas até de círculos conservadores próximos de Trump, onde chegou a ouvir-se a acusação de “heresia”. Porquê? Porque, apesar do aparente absurdo das suas tiradas, White enriqueceu - em seguidores e em dinheiro - como pregadora estrela de uma corrente cujos postulados vão longe demais até para os mais dispostos a pôr a fé ao serviço de Trump. É o chamado “Evangelho da Prosperidade”, que White prega a partir de uma megaigreja em Apopka, Florida, segundo o qual a religiosidade está ligada ao sucesso económico. Literalmente. “O dinheiro segue o teu sistema de valores”, afirma White em podcasts, programas televisivos e livros como Money Matters (...)




Embora, em jovem, Trump não fosse conhecido por frequentar outro templo que não fosse a discoteca Studio 54, como político esforçou-se por apresentar-se como presbiteriano. Não que se gabe de uma biografia piedosa, nem finja conhecer as Escrituras. Nem precisa. Como explica a historiadora norte-americana Kristin Du Mez em Jesus and John Wayne (Capitán Swing, 2022), o seu apelo junto do eleitorado cristão não se deve ao seu virtuosismo, mas — pelo contrário — à sua encarnação de uma masculinidade autoritária enraizada no imaginário evangélico.

Com a nomeação de White, o papa da extrema-direita internacional fez um aceno a uma visão muito particular do cristianismo, que, no plano pessoal, é excelente para conferir um verniz sagrado à própria fortuna - mesmo que esta deva mais ao pai do que à providência -, mas que, num plano mais geral, também é coerente com a aversão neoliberal à redistribuição da riqueza. Se é Deus quem decide quem é rico ou pobre, o que pode o Estado fazer quanto a isso?

Contra o cristianismo “original”

Atento a tudo o que se passa no pensamento cristão, o teólogo espanhol Juan José Tamayo já tinha identificado a também chamada “Teologia da Prosperidade” como um dos pilares da ofensiva da extrema-direita religiosa, à qual dedicou A Internacional do Ódio (Icaria, 2020). Segundo este credo em ascensão, observava o autor, se os cristãos não são ricos, “é porque vivem em pecado”. O Evangelho da Prosperidade tornou-se, sobretudo nos Estados Unidos mas também na América Latina, numa das expressões mais cruas da “aliança entre o neoliberalismo económico, o ultraconservadorismo político e o fundamentalismo religioso”, que “está a roubar ao cristianismo a sua mensagem original”, explica agora Tamayo, que acaba de publicar um novo ensaio, Cristianismo Radical (Trotta, 2025), onde propõe uma contraposição teológica ao “cristoneofascismo”.

Desde os EUA, Kristin Du Mez, autora do já citado Jesus and John Wayne, afirma que esta doutrina singular “permeou” o cristianismo americano para além do círculo de pregadores mediáticos. “A ideia de que Deus abençoa os bons cristãos com sucesso material está bastante difundida. Muitas vezes anda de mãos dadas com a oposição a qualquer tipo de ajuda governamental aos pobres, considerados indignos e culpados da sua pobreza”, explica a historiadora. E acrescenta: “Esta mensagem contradiz os ensinamentos cristãos tradicionais sobre a bênção de Deus aos pobres e a ideia de que é mais difícil a um rico entrar no Reino dos Céus do que a um camelo passar pelo buraco de uma agulha.

EL PAÍS – 6 jul. 2025 – Por Ángel Munárriz

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Conversas Improváveis 85 - O Mercado Auto-Regula-se



Gosto muito de conversar com a minha melhor amiga, sobre o que quer que seja mas também sobre política. É muito inteligente e informada e gosto sempre de conversar com ela e ouvir as suas opiniões, mesmo que por vezes discordemos. 

Falávamos do preço absurdo das casas - a propósito, obrigado Montenegro, os jovens agradecem o apoio que o governo deu e que originou novos aumentos nos preços das casas - e eu falava no dogma dos neoliberais que acreditam na intervenção divina da mão invisível e que "o mercado auto-regula-se". 

Ao que ela responde com esta brilhante frase: 

"O mercado auto-regula-se. A cada dez anos há uma crise financeira para regularizar tudo!"

domingo, 24 de dezembro de 2023

Porque Estamos Tão Individualistas?

 

 "O ênfase no sucesso pessoal, relacionamentos líquidos, abuso da palavra liberdade, ascensão dos chamados libertários. Todos são sintomas de um individualismo em ascensão, enquanto as famílias do filho único proliferam e a epidemia de solidão indesejada se espalha. Na internet, florescem filosofias individualistas extremas na forma de gurus da cultura da competição e esforço individual, ao mesmo tempo que os influenciadores ultraliberais propagam suas ideias contrárias ao público e ao comunitário. Como chegamos aqui? Qual a origem da ascensão da ideologia individualista?

A precariedade, o abismo entre os de cima e os de baixo e a falta de envolvimento e horizontes comuns afundam-nos numa deriva individualista cada vez mais distante do nobre espírito com o qual a ideia nasceu: impulsionar a liberdade pessoal e a autonomia diante da coerção da religião e do Estado.

Aleister Crowley, o ocultista britânico, era uma figura muito peculiar. Fundou a religião de Thelema: os seus membros praticavam orgias sagradas, rituais sincréticos ou experimentação mística com drogas. Falecido em 1947, encantou seus seguidores, enquanto entre seus adversários causou apenas escândalo e rejeição. Ele autodenominava-se "A Besta 666" e foi rotulado pela imprensa da época como "o homem mais malvado do mundo". A sua máxima filosófica, registada no Livro da Lei, era a seguinte: "Faz o que quiseres, será toda a tua lei".

O delirante Crowley, transformado em ícone pop, foi um destacado expoente das correntes mais individualistas, que, embora tivessem raízes anteriores, fortaleceram-se durante o século XX e continuam a fazê-lo no século XXI. Isso é considerado pelo ensaísta John Higgs no seu livro História Alternativa do Século XX: "Na filosofia do individualismo, o centro é o eu, e o eu tem prioridade sobre a sociedade." Exatamente como Crowley pensava.

Vivemos uma certa hiperinflação na ideologia individualista, causada não apenas pelo dogma económico dominante desde os anos 80, que enfatiza a iniciativa privada e a responsabilidade individual, impregnando todos os aspectos da sociedade, mas também pela revolução nas tecnologias digitais. Esses dispositivos, embora façam muito para nos conectar, também geram conexões fracas, enfraquecem a interação física e facilitam o isolamento.

Manifestações de individualismo incluem o abuso da palavra liberdade, ênfase no sucesso pessoal, busca pela singularidade ou a liquidez dos relacionamentos sentimentais. Também a baixa taxa de natalidade e a proliferação de filhos únicos: em 2021, segundo o Eurostat, nasceram apenas 1,19 crianças por mulher em Espanha, um número cada vez mais baixo. Também o número de pessoas que vivem sozinhas: 27% dos lares em 2021, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, 20% a mais do que uma década antes. Ou a epidemia de solidão indesejada: um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra que 25% dos idosos na Europa estão sozinhos, mas não querem estar.

E a atual preocupação com as identidades é paradoxal: por um lado, faz-nos sentir afiliados a coletivos, mas também é baseada na reivindicação da própria diferença.

As filosofias individualistas extremas florescem na internet, seja na forma de gurus da cultura da competição e esforço individual como também de influenciadores ultraliberais contrários ao público e inimigos dos impostos, afins, por exemplo, ao presidente argentino, Javier Milei. Embora o termo individualismo tenha sido tradicionalmente usado pejorativamente, agora surgem correntes que o reivindicam como uma virtude.

"Odeio parecer um velho marxista", diz Richard Sennett, "mas o individualismo não é uma categoria cultural inocente, a sua fundamentação está na economia." Segundo o sociólogo norte-americano, autor de obras como "A Corrosão do Caráter" ou "O Declínio do Homem Público", a questão também é de classes. As elites não são individualistas, predomina certo corporativismo e, às vezes, diz-se que a classe alta é a que tem maior consciência de classe e organiza-se melhor para defender seus direitos. O individualismo é promovido entre as classes médias e baixas, onde as novas formas de trabalho oferecem poucas experiências sociais e incentivam a competição. O aumento do individualismo está associado ao aumento do trabalho de escritório e das profissões liberais, menos propensos à união dos trabalhadores do que o trabalho industrial tradicional, conforme descobriu um estudo das universidades de Waterloo (Canadá) e Arizona (EUA).

"A modernização e o aumento do capitalismo em detrimento do comunitário", explica a filósofa Carolina del Olmo, autora de Onde Está Minha Tribo? Ela exemplifica isso com a diminuição das relações sociais densas: desde a transformação da vida na aldeia (com todos os seus inconvenientes) para a vida urbana até a substituição da família extensa pela família nuclear moderna, passando pelo emprego estável que se torna precariedade e mudança constante.

Del Olmo observa essa dissolução do social especialmente na criação dos filhos: onde antes era feita entre muitos membros da família extensa e até mesmo vizinhos circunstantes, agora os pais (mais especificamente, as mães) têm que assumir a criação sozinhos ou entregar os cuidados a terceiros. Mas, como diz um provérbio africano, para criar uma criança é preciso toda uma tribo.

Embora em algumas sociedades antigas, como a democracia ateniense ou a república romana, a condição de cidadão, embora restrita, implicava a participação na vida pública, nas sociedades individualistas contemporâneas predominam os interesses pessoais. Em Espanha, observa-se que, embora a política seja o entretenimento nacional, a filiação a partidos e sindicatos é baixa, assim como é modesto o associativismo, seja em associações políticas ou sociais, como culturais ou de lazer. A taxa de associativismo é de 25%, em comparação com 43% na média europeia. Baixa em comparação com outros países da região, como França (51%) ou Alemanha (48%), segundo um relatório da Fundação BBVA de 2019. Os países nórdicos têm taxas muito altas, como Dinamarca (92%) ou Suécia (83%), segundo outro relatório da mesma entidade de 2013.

"Todos os atores das sociedades modernas, uns mais outros menos, sãp individualistas", explica Danilo Martuccelli, sociólogo da Universidade de Paris; "é evidente que as nossas paixões estão mais nas nossas vidas, nos nossos amigos, nas nossas ocupações, nas nossas paixões de consumo cultural do que no bem coletivo ou político". O compromisso com os assuntos da polis muitas vezes é muito pesado para ser compatível com a exploração da liberdade e a busca por experiências.

"A grande incerteza associada à vida individualista acaba por levar a uma personalidade mais marcada por uma espécie de egoísmo de náufrago", diz Del Olmo; "quando não tens uma rede de apoio e é mais frágil, a reação de salvar a tua própria pele é mais instintiva". O consumismo colabora "como uma escola de personalidade muito individualista e egocêntrica. Essa maneira de estar no mundo em que tu podes escolher tudo, como se tudo fossem produtos para o carrinho do supermercado".


DO RENASCIMENTO À PÓS-MODERNIDADE

O individualismo é uma postura paradoxal. Nos seus primórdios, representou um progresso para as sociedades e contribuiu para a superação do Antigo Regime. Colocar o foco no indivíduo permitiu a conquista das liberdades e a construção das democracias liberais. No entanto, as tensões entre o individual e o coletivo são inerentes à experiência humana e continuam inevitavelmente no cerne dos debates. Quantos impostos devemos pagar? Quanto os serviços públicos devem abranger? Qual é minha responsabilidade nos problemas ambientais? O individualismo exacerbado, conforme proposto atualmente, pode levar à atomização e ao desgaste da sociedade.

"Colocar o indivíduo no centro do pensamento moral e político, o que aconteceu a partir do Renascimento, deu origem, por exemplo, às diferentes declarações de direitos humanos fundamentais", explica a filósofa Victoria Camps, autora, entre outros, de Paradoxos do Individualismo. O objetivo do coletivo era alcançar a realização igualitária de todos os indivíduos. A paradoxo que Camps propõe reside no fato de que a liberdade individual trouxe consigo outros problemas: "Cada vez é mais difícil usar essa liberdade", acrescenta a pensadora.

O humanismo renascentista, portanto, costuma ser citado como uma origem do individualismo, embora o poeta inglês John Donne tenha escrito na época que "nenhum homem é uma ilha". Esse individualismo foi posteriormente apoiado pela Ilustração e pela Revolução Francesa, onde, ao abolir os privilégios, (quase) todos os seres humanos são indivíduos iguais em seus direitos. A partir desse substrato, as novas sociedades foram construídas. O liberalismo clássico propõe liberdade individual, limitação do poder do Estado, propriedade privada. Adam Smith enfatizou, por exemplo, a conveniência da busca do interesse próprio para alcançar o bem comum, mediante a intervenção da "mão invisível" do mercado. O termo individualismo, de acordo com o consenso aceite, surgiu no início do século XIX, ao mesmo tempo que o socialismo.

Após a Segunda Guerra Mundial, estabeleceu-se o Estado de bem-estar, alimentado por ventos social-democratas, que alcançou um equilíbrio maior entre a responsabilidade individual e a solidariedade coletiva. "Foram concedidos direitos sociais que 'desmercantilizaram' certas prestações ou seguros, o que permitiu um aprofundamento do individualismo. 'Livres' de certos medos, como o desemprego, a doença ou a velhice, as pessoas sentiram-se mais livres na escolha das suas obrigações sociais. A família, os amigos, a comunidade foram percebidos como menos 'essenciais' para a própria sobrevivência", diz Martuccelli. Paradoxalmente, o Estado social foi crucial para o aumento do individualismo. Também a contracultura dos anos sessenta, de orientação esquerdista radical, promoveu um tipo de individualismo criativo que está no cerne da ideologia de Silicon Valley e dos estilos de vida promovidos pelo neoliberalismo.

"Bowling Alone", a obra poética do sociólogo Robert D. Putnam: durante os anos 80, nos Estados Unidos, houve um declínio nos jogos de bowling em grupo. As pessoas jogavam sozinhas. Os padrões de sociabilidade estavam a mudar. Putnam publicou esse ensaio em 2000 denunciando, desde o título, o enfraquecimento dos laços comunitários. Para o autor, essa falta de interação social ameaçava a democracia. "Alexis de Tocqueville, ao escrever 'A Democracia na América' no início do século XIX, assumiu que o individualismo e a igualdade andavam de mãos dadas, mas verificou-se que não é o caso", aponta Sennett. Nos Estados Unidos do século XX, o individualismo sempre encontrou solo fértil e continua a orientar os demais países ocidentais. Ayn Rand fez carreira lá, a romancista russo-americana criadora do objetivismo, defensora de um individualismo radical que beirava a celebração do egoísmo (não necessariamente sinónimos) e do triunfo dos mais fortes. "Rand não acreditava que a preocupação com o bem-estar dos outros devesse limitar a liberdade pessoal", escreve Higgs. As suas teorias também inspiraram a religião satanista de Anton LaVey.

Além de certos satanistas, Rand inspirou correntes mais neoliberais: um de seus seguidores mais próximos foi Alan Greenspan, que se tornou presidente do Federal Reserve dos Estados Unidos. O neoliberalismo, inicialmente uma corrente quase subterrânea promovida pela pequena Sociedade Mont Pelerin e por um punhado de economistas austríacos, acabou impondo-se nos anos 80, quando Reagan e Thatcher chegaram ao poder e encerraram a hegemonia social-democrata. Eles promoveram a iniciativa e a responsabilidade individual, com uma rejeição veemente ao coletivo.



A SOLIDÃO NO STARBUCKS

"A desigualdade entre os de cima e os de baixo tem fomentado o individualismo dos do meio", diz Sennett. Ele vê isso nos cafés da cadeia Starbucks: se o café clássico era um lugar para socializar, nesses lugares geralmente abre-se o portátil para se perder em seus pensamentos. Também nos centros das grandes cidades devoradas pelo turismo, que já não estão prontas para a vida social, mas para os negócios. "As nossas redes sociais estão cada vez mais curtas e íntimas, só nos relacionamos com familiares ou amigos mais próximos", acrescenta o sociólogo.

O comunitário é reivindicado nestes tempos fragmentados pelo nacionalismo, que, diante de sociedades cada vez mais atomizadas, propõe um sentimento de pertença à nação. A extrema direita reivindica visceralmente valores tradicionais como a família e a pátria. Da esquerda, ainda se destaca a necessidade de sustentar o público e o comum longe da selva da competição e do mercado. As condições do futuro podem mover o pêndulo para um lado: o pensador francês Bruno Latour acreditava que a ameaça da mudança climática, da qual não podemos nos proteger sozinhos, levaria a novas formas de comunidade. Na última pandemia, por exemplo, já se experimentou um refluxo do coletivo: o coronavírus tornou evidente a íntima conexão entre todos os habitantes da Terra.
“Outra maneira de reivindicar a comunidade”, diz Camps, “seria o republicanismo bem entendido: preocupar-se com a res pública e ter consciência como cidadãos”. Como alcançar o equilíbrio entre o individual e o coletivo? Essa é uma pergunta de difícil resposta. “Muitos debates atuais (socialismo versus liberalismo, coletivismo versus libertarianismo, justiça social versus responsabilidade individual) são variantes dessa tensão fundamental. Exceto por posições extremas, as sociedades buscam misturas entre ambos os princípios”, conclui Martuccelli. A tarefa fundamental da política nas sociedades contemporâneas é, precisamente, estabelecer um equilíbrio aceitável entre o individual e o coletivo. Entre o eu e o nós.

Por qué somos tan individualistas | Sergio C. Fanjul | El País | 17 de Dezembro 2023

domingo, 2 de outubro de 2022

Quando as Novelas Brasileiras Ensinavam Política


Nos final dos anos oitenta uma pergunta intrigou todos os portugueses: Quem matou Odete Roitman?

Hoje, dia 2 de Outubro, Bolsonaro, o militar fascista que foi eleito presidente do Brasil em 2018 graças a uma fakeada e a mentiras absurdas como a Mamadeira de Piroca e o Kit Gay será varrido da presidência da república conseguindo um feito que nenhum outro presidente conseguiu: o de não ser reeleito. Ou, pelo menos assim espero. Ainda assim fico intrigado como é que ainda consegue ter mais de trinta por cento das intensões de voto, algo que, infelizmente, diz muito sobre a falta de cultura e burrice do povo brasileiro. 

O ano é 1988. Cavaco Silva era primeiro-ministro e Mário Soares presidente da República. George Bush sucedeu a Ronald Reagon e o Reino Unido era governado por Margaret Thatcher. 1988 foi também ano de Jogos Olímpicos de Seul, na Coreia do Sul e Rosa Mota emociona os portugueses vencendo a medalha de ouro na maratona. 

      

Em Vale Tudo pontificava a personagem Odete Roitman, rica, morava no estrangeiro, tinha os seus amantes jovens, era dona de uma multinacional e tinha um verdadeiro ódio pelos pobres. E na trama todos se apunhalam pelas costas e passa por cima de quem for preciso para subir e se dar bem na vida. 

E a novela mostrava assim, na prática, o que é e como funciona o neoliberalismo capitalista, que foi aplicado nos Estados Unidos, no Reino Unido por de Margaret Thatcher ou, mais tarde, aqui em Portugal por Passos Coelho. O neoliberalismo é isto, uma verdadeira selva em que "vale tudo" para subir na vida e a fome e a pobreza são meros efeitos secundários. O que importa somos nós, os mais ricos, o que nos interessa os pobres, esses, que se fodam, que tivessem nascido em boas famílias.

domingo, 17 de julho de 2022

Cada um Por Si Vamo-nos Queimar Todos



Hoje em dia anda por aí uma ideologia, que se espalha mais depressa que um vírus e ataca principalmente os mais jovens que votam em partidos neofachos, porque são aqueles que têm menos defesas, porque, ao contrários dos pais e avós, cresceram num mundo de poucas dificuldades, em que basta aceder a uma APP para vir logo alguém limpar-lhes o cu. Os pais e avós tiveram que fazer pela vida, viver num tempo em que nem sequer se podia falar livremente, num tempo de fome e da "sardinha para três". Mas hoje em dia muitos destes jovens acreditam nessa ideologia que lhes vende a ideia que podem ser o que quiserem e ter muito sucesso na vida, para isso basta acreditar e que o pior inimigo é o Estado. 

Livres principalmente para ser burros e escravos dos que tudo têm e aumentar o fosso entre ricos e pobres, que, sistematicamente, tem vindo a aumentar e aumentou ainda mais com a pandemia e a guerra na Ucrânia.  

E todos vimos o lindo resultado dessa ideologia na pandemia. Toda a gente usava máscara para se proteger mas, principalmente, para proteger os outros, mas essa gentalha negacionista da "liberdade individual", que fala do livro "Mil Novecentos de Noventa e Quatro" mas se calhar na maioria dos casos nem sequer o leram, quis ser diferente e vendeu a ideia que vivíamos num estado ditatorial e manifestou-se contra o uso da máscara, contra os confinamentos, contra as vacinas (mesmo que ninguém tenho sido obrigado a ser vacinado) e até foram insultar o Gouveia e Melo responsável pelo processo de vacinação. Tudo em prol da "minha liberdade individual"!

Antigamente dizia-se que "a união faz a força", mas agora é o tempo do "eu faço o que me apetece"! E o Estado, que somos todos nós, é o bicho papão que nos quer "dominar".

"O Estado mandou colocar ali um STOP mas eu paro se eu quiser porque eu não sou um carneiro como os outros todos"!

"O Estado introduziu uma disciplina de aulas cidadania nas escolas mas os meus filhos não vão porque eu é que sei o que é melhor para eles"!

"O Estado manda limpar os terrenos por causa dos incêndios, mas eu não limpo porque eu é que sei e sou mais esperto que os outros que pagam para serem limpos".

Estamos em meados de Julho de 2022 e nesta semana, ao contrário do que tem sido este ano, de temperaturas baixas, sofremos uma vaga de calor, ou seja, significa que, durante vários dias seguidos tivemos temperaturas acima da média para esta altura. 

 A reportagem é do Jornal de Notícias sobre um incêndio em Baião. 

 "Pedimos às pessoas para limpar os terrenos e ainda nos tratam mal. Até desligam o telefone na nossa cara". 

"Gastei 400 euros a limpar os meus terrenos e de nada valeu, porque o vizinho não limpa os dele”, denuncia. Vinha, árvores de fruto e um trator de lenha: tudo ficou queimado. “Salvou-se a casa e a oficina”, certifica, com ombros caídos pelo peso da tragédia. Até poderia ter sido pior, não fosse “uns metros de mangueira” que anteontem, ao final do dia, tinha comprado por temer o pior face ao fogo que já lavrava nas redondezas. Foi com a mangueira ligada à rede pública e com a ajuda da família munida de baldes que conseguiu travar o avanço das chamas. “Ficamos à nossa sorte. Apareceu um carro de bombeiros, às 10 horas da manhã, mas sem água. Cortaram a estrada e ajudaram-nos no que puderam. Mas sem água..."

E é assim que, cada um por si, nos queimamos todos. 

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

O Admirável Neoliberalismo Americano Que Lucra com os Mortos da Pandemia

Esta história é tão deliciosa e tão pouco conhecida por cá que tinha que a contar aqui. 

Então é assim, como é sabido, o controlo do Senado dos Estados Unidos da América foi decidido agora a 5 de Janeiro numa disputa que deu a vitória aos democratas. Mas a história passa-se com os dois candidatos conservadores, o partido de Trump: David Perdue e Kelly Loeffler.

Posso-vos garantir que estes dois senadores são duas pessoas de "bem" e de boas famílias da direita americanas. Basta olhar para a fotos deles! David Perdue é um empresário que ganhou muitos milhões a importar produtos muito baratos vindos da China (dos tais que depois vêm dizer que a China é um papão). Já Kelly Loeffler é muito mais rica que o seu colega, aliás, segundo a Forbes, é mesmo uma das pessoas mais ricas do Capitólio, com uma fortuna avaliada em cerca de 660 milhões de euros. Para se ter uma ideia, conjuntamente com o seu marido, estima-se que tenha o quadruplo da riqueza do segundo membro do Congresso!

Mas vamos então perceber a maravilhosa história da especulação pandémica. 

Apesar de toda aquela conversa do ainda presidente Trump, que isto era só um "vírus chinês", que ninguém se tinha de preocupar, que era só uma "grizepinha" ou até uma "invenção dos média", a verdade é que em 24 de Janeiro de 2020 houve uma reunião para todo o Senado americano sobre o desastre iminente (lembrar que o primeiro infetado nos Estados Unidos surgiu a 21 de Janeiro de 2020) e então, munidos desta informação confidencial, o que é que estas duas pessoas de "bem" da direita americana resolveram fazer?

Se na saída desta reunião fizeram discursos tranquilizadores para as televisões, que as pessoas não precisavam de se preocupar, muito menos tomar medidas de proteção, nem pensar sequer em usar máscaras como os idiotas dos chineses. Mas o que fizeram em seguida foi um pouco diferente. De imediato começaram a movimentar milhões de dóllars em ações onde sabiam que iriam ter grandes benefícios, nomeadamente em software de teletrabalho. Mas há mais, muito mais, e a cena se calhar até é maravilhosamente macabra.

David Perdue achou por bem que, depois de dizer aos americanos que não se precisavam de preocupar com a pandemia, tratou mas foi de cuidar da sua vidinha - porque a vida custa a todos não é? - e começou a investir milhões numa empresa que se chama DuPont e que fabrica equipamentos de proteção individual, incluindo - veja-se o detalhe sórdido - sacos para embalamento de cadáveres! Não é maravilhoso? Porque não lucrar com a morte de quase trezentos mil americanos? Digam lá que não são tão nacionalistas e tão ferverosamente defensores da pátria esta gente de direita a querer lucrar com a morte dos seus concidadãos!

Quando confrontados com as investigações e o escândalo de corrupção e informações privilegiadas, parece que já os estou a ouvir dizer: "Para serem mais honestos do que eu têm que nascer duas vezes"!

E é esta promiscuidade entre política e negócios, sem qualquer controlo nem conflito de interesses que também em Portugal uma certa direita neoliberal quer. "Menos Estado" ou "Estado Mínimo" gritam eles. No ano passado, em campanha eleitoral até berravam ser contra o financiamento do Estado aos partidos - vejam lá tão honestos que eles são! - e que até abdicariam da subvenção, a que teriam direito, caso elegessem algum deputado. Mas depois de eleito o seu deputado a coisa, como se sabe, foi um bocadinho diferente!

E depois é uma pena criticarem tanto, por um lado o apoio que o Estado dá aos mais desfavorecidos (subsídio de desemprego, rendimento mínimo), por outro são contra o controlo do Estado porque ai-Jesus-que-mais-parece-que vivemos-na-China-e-esta-malta-parece-que-só-leu-o1984, mas depois vem uma "gripezinha" (como eles dizem) e vêm logo de mão estendida para o Estado lhes dar de comer. O que esta gente quer não é acabar com a corrupção, quer é rédea solta. Não quer nenhum controlo, nenhumas regras para voltarmos ao tempo da ditadura em que o trabalhador trabalhava doze horas por dias e ganhava uma bucha de pão e um gole de vinho até porque, como eles dizem, "o aumento do salário mínimo é muito mau para os pobres". Esta gente não quer acabar com a corupção, quer é o exclusivo da corrupção para si.