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segunda-feira, 7 de julho de 2025

O Evangelho da Prosperidade

 


"Nascida no estado do Mississippi, Paula White, de 59 anos, passou, em fevereiro de 2025, de conselheira espiritual de Trump a diretora do recém-criado Gabinete da Fé da Casa Branca. Se o cargo em si já foi contestado por roçar a confessionalidade, a sua ocupante tem recebido críticas até de círculos conservadores próximos de Trump, onde chegou a ouvir-se a acusação de “heresia”. Porquê? Porque, apesar do aparente absurdo das suas tiradas, White enriqueceu - em seguidores e em dinheiro - como pregadora estrela de uma corrente cujos postulados vão longe demais até para os mais dispostos a pôr a fé ao serviço de Trump. É o chamado “Evangelho da Prosperidade”, que White prega a partir de uma megaigreja em Apopka, Florida, segundo o qual a religiosidade está ligada ao sucesso económico. Literalmente. “O dinheiro segue o teu sistema de valores”, afirma White em podcasts, programas televisivos e livros como Money Matters (...)




Embora, em jovem, Trump não fosse conhecido por frequentar outro templo que não fosse a discoteca Studio 54, como político esforçou-se por apresentar-se como presbiteriano. Não que se gabe de uma biografia piedosa, nem finja conhecer as Escrituras. Nem precisa. Como explica a historiadora norte-americana Kristin Du Mez em Jesus and John Wayne (Capitán Swing, 2022), o seu apelo junto do eleitorado cristão não se deve ao seu virtuosismo, mas — pelo contrário — à sua encarnação de uma masculinidade autoritária enraizada no imaginário evangélico.

Com a nomeação de White, o papa da extrema-direita internacional fez um aceno a uma visão muito particular do cristianismo, que, no plano pessoal, é excelente para conferir um verniz sagrado à própria fortuna - mesmo que esta deva mais ao pai do que à providência -, mas que, num plano mais geral, também é coerente com a aversão neoliberal à redistribuição da riqueza. Se é Deus quem decide quem é rico ou pobre, o que pode o Estado fazer quanto a isso?

Contra o cristianismo “original”

Atento a tudo o que se passa no pensamento cristão, o teólogo espanhol Juan José Tamayo já tinha identificado a também chamada “Teologia da Prosperidade” como um dos pilares da ofensiva da extrema-direita religiosa, à qual dedicou A Internacional do Ódio (Icaria, 2020). Segundo este credo em ascensão, observava o autor, se os cristãos não são ricos, “é porque vivem em pecado”. O Evangelho da Prosperidade tornou-se, sobretudo nos Estados Unidos mas também na América Latina, numa das expressões mais cruas da “aliança entre o neoliberalismo económico, o ultraconservadorismo político e o fundamentalismo religioso”, que “está a roubar ao cristianismo a sua mensagem original”, explica agora Tamayo, que acaba de publicar um novo ensaio, Cristianismo Radical (Trotta, 2025), onde propõe uma contraposição teológica ao “cristoneofascismo”.

Desde os EUA, Kristin Du Mez, autora do já citado Jesus and John Wayne, afirma que esta doutrina singular “permeou” o cristianismo americano para além do círculo de pregadores mediáticos. “A ideia de que Deus abençoa os bons cristãos com sucesso material está bastante difundida. Muitas vezes anda de mãos dadas com a oposição a qualquer tipo de ajuda governamental aos pobres, considerados indignos e culpados da sua pobreza”, explica a historiadora. E acrescenta: “Esta mensagem contradiz os ensinamentos cristãos tradicionais sobre a bênção de Deus aos pobres e a ideia de que é mais difícil a um rico entrar no Reino dos Céus do que a um camelo passar pelo buraco de uma agulha.

EL PAÍS – 6 jul. 2025 – Por Ángel Munárriz

sábado, 29 de março de 2025

Acreditas que a Humanidade Pode Mudar?

"Pode mudar. Mas o mercado é muito forte. Criou uma cultura subliminar que domina o nosso instinto. É subjetivo. É inconsciente. Tornou-nos vorazes. Tornou-nos compradores vorazes. Vivemos para comprar. Trabalhamos para comprar. E vivemos para pagar. O crédito é uma religião. Por isso, estamos fodidos. 


Revista Adbusters


domingo, 10 de novembro de 2024

Os Imigrantes que Devem Ser Proibidos de Entrar em Portugal

Os dados económicos estão excelentes. O desemprego está historicamente baixo e o governo de António Costa diminui o défice e o Estado português teve pela primeira vez lucro! Tal como nos Estados Unidos a economia sob a administração Biden ia muito bem. Mas então porquê tanta raiva e ódio, porque é que os Estados Unidos acabaram de votar o regresso à Idade das Trevas, e porque é que em Portugal, mais de um milhão de portugueses votaram num partido racista e xenófobo, para o qual o principal problema de Portugal são os ciganos e os imigrantes (pobres)?

Dizem que a economia vai bem, mas, no fundo, a economia é como aquela coisa do frango do Pitigrilli.

1% dos milionários come o dinheiro todo, então, teremos todos comido, em média, igual percentagem do crescimento económico cada um. Só que não. Uns compram casas de milhões, e têm uma em cada país, os outros têm que emigrar para conseguir juntar dinheiro para, eventualmente, algum dia no futuro terem dinheiro para ter um sítio onde dormir. 


Eu acompanho o drama da minha colega de trabalho. Tem 25 anos, quer casar e comprar casa. Mas, apesar de ter trabalho, e, muitas vezes ainda trabalhar aos fim-de-semana, e do namorado também ter trabalho e de ambos ganharem bem mais do que o salário mínimo por mês, estão desanimados por estar muito difícil comprar uma casa para viver. E, se não fosse a questão do namorado ter-se despedido para trabalhar e ajudar no negócio dos pais, dizia-me a minha colega, já teriam emigrado. 

Dizem todos os indicadores que a economia vai muito bem, obrigado, mas depois é o caos que se vê na saúde - ainda esta semana morreram dez pessoas por falta de assistência do INEM - são as crianças que continuam sem professores, e, brevemente não haverá professores em todas as disciplinas, e pior, os jovens não têm perspectivas de vida. Há sérias dificuldades. 

Os pobres hoje em dia não são aqueles de antigamente que iam pedir esmola para a porta da igreja (conhecidos por "pé rapado" no Brasil, obrigados a rapar a lama dos pés). Os pobres hoje em dia são todos aqueles que trabalham, têm carro, iPhone e até vão de férias mas ganham menos de 1500€ por mês.



E é por isso que raiva e ódio. A culpa não é das políticas neoliberais. Vêm os novos fascistas a que chamam populistas e tentam meter na cabeça oca das pessoas que o problema não é 1% da população ficar com tudo e outros todos ficarem sem nada. Nada disso. O problema é dos ciganos, dos imigrantes, o problema é sempre outro qualquer que não a verdadeira causa. 

Insatisfeitas com o estado de coisas a que o neoliberalismo em todo o mundo chegou, porque os problemas são os mesmos em todo o lado, as pessoas, em vez de fortalecerem políticas que redistribuem a riqueza, não, viram-se para os fascistas, como os taberneiros do CH, que simplesmente os querem esmagar! 

Os imigrantes que deveriam ser proibidos de vir para Portugal são os ricos que chegam aqui e compram casas e que inflacionam os preços e que depois os jovens portugueses, tal como a minha colega de trabalho, que querem comprar uma casa nunca terão essa possibilidade ou ficarão super endividados para o resto da vida. 

O problema não são os pobres coitados que vêm para aqui à procura da uma vida melhor, quase sempre explorados, lotados em barrações ou garagens, para fazer aquilo que por cá já ninguém quer fazer. 


Mas, infelizmente, são os mais jovens que mais votam na extema-direita, muitos com as mesmas dificuldades da colega de trabalho, que votam também no IL e no PSD (e até no PS que em oito anos também não fez muito para travar o estado de coisas a que chegamos). Votam nos partidos que permitem os vistos dourados, que permitem que a habitação, que é um direito constitucional, seja afinal um negócio e não dá perspectivas de a milhares de jovens deste país. 

Então, que se fodam todos. As pessoas queixam-se mas têm aquilo no qual votaram.  

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Conversas Improváveis 85 - O Mercado Auto-Regula-se



Gosto muito de conversar com a minha melhor amiga, sobre o que quer que seja mas também sobre política. É muito inteligente e informada e gosto sempre de conversar com ela e ouvir as suas opiniões, mesmo que por vezes discordemos. 

Falávamos do preço absurdo das casas - a propósito, obrigado Montenegro, os jovens agradecem o apoio que o governo deu e que originou novos aumentos nos preços das casas - e eu falava no dogma dos neoliberais que acreditam na intervenção divina da mão invisível e que "o mercado auto-regula-se". 

Ao que ela responde com esta brilhante frase: 

"O mercado auto-regula-se. A cada dez anos há uma crise financeira para regularizar tudo!"

sábado, 13 de abril de 2024

A Imparável Extinção dos Passatempos

"Na era do culto à produtividade e à otimização, há algo pior do que não fazer nada, e é fazê-lo sem um propósito económico, terapêutico ou produtivo. Fazer qualquer coisa puramente por prazer, sem método ou plano, parece ser o maior dos pecados. Aqueles que ainda mantêm um passatempo não remunerado e não têm intenção de o fazer são a resistência.


Começa a última temporada de The Crown e Clara S. [que prefere não ser identificada], de 37 anos, entra em modo turbo. Concentra-se. Dobra a velocidade de reprodução da série. Abre uma folha de cálculo no computador e a sua conta do X (antes Twitter) no telefone. No primeiro ecrã, sucedem-se as idas e vindas da nobreza britânica e nas outras duas multiplicam-se as notas, os dados, as somatórias. Clara é realmente rápida no que faz e consegue ser a primeira a encontrar falhas no guião; a separar o trigo do joio, a realidade da ficção. Ninguém o faz melhor do que ela. As suas notas irão aumentar a sua marca pessoal como especialista na realeza britânica e alimentar o guião de vários podcasts especializados em famílias reais. Ela sente-se sortuda, transformou o seu hobby num trabalho. Também escreve artigos em várias revistas e está a terminar um livro. Algum dia poderá viver disso, ela especula, mas por enquanto a sua hiperatividade apenas representa um modesto rendimento extra. Quando aparecem os créditos finais, fecha o computador abruptamente. Suspira. Está exausta

Ver uma série de televisão no dobro da velocidade, twittar e preencher uma folha de cálculo é lazer ou negócio? Quando é que um hobby deixa de ser um hobby? A Autoridade Tributária é clara a este respeito: se tiveres que declarar no IRS já não é um passatempo. É realmente uma sorte transformar o que fazemos por puro prazer numa fonte de rendimento?

Por definição, um passatempo é algo que se faz por prazer, sem prazos de entrega e sem pressão para fazê-lo bem, mas na última década as expectativas parecem estar a mudar. Somos incentivados a otimizar a nossa vida, cada minuto deve ser produtivo, e o lazer, para alguns, é quase uma perda de tempo. Plataformas como Etsy ou Instagram prometem que qualquer passatempo pode tornar-se num trabalho mais ou menos lucrativo que complemente os rendimentos cada vez mais precários do nosso emprego principal. Chama-se "economia de biscate" (gig economy). 

Segundo os dados do Banco Mundial, existem 435 milhões de pessoas em todo o mundo que fazem vários biscates para sustentar os seus rendimentos. Os trabalhadores temporários — como são chamados — aumentaram 170% entre 2019 e 2021. Aqui entram aqueles que trabalham algumas horas na Uber, aqueles que exibem partes do seu corpo no Onlyfans ou aqueles que rentabilizam os seus passatempos para ganhar algum dinheiro com um hobby que costumava ser improdutivo, ou até mesmo dispendioso (embora na maioria dos casos não melhore substancialmente a sua situação económica).

Calcula-se que mais de metade são millennials e da geração Z, os principais atores da precarização do trabalho e de uma cultura que glorifica estar sempre ocupado (cultura do esforço ("hustle") na denominação académica anglo-saxónica) numa corrida em que apenas importa o produto final: a suposta melhor versão de si mesmo

No contexto atual, o tempo livre e os passatempos são materiais para otimização: a vida social torna-se networking; ler transforma-se num turbilhão de post-its e sublinhados que impedem de desfrutar da história; bordar, numa terapia; cozinhar, num exercício estético apto para ser partilhado no Instagram, e ver uma série (visualizar, como se diz), num exercício rápido de recolha de dados.

Ananya Chaudhari estuda Economia e Finanças no segundo ano na Northeastern University e gosta de pintar. É o seu hobby, por agora. Cada vez que mostra uma das suas pinturas, costuma ouvir o mesmo: e porque não as vendes? Na opinião dela, as pessoas tornaram-se demasiado perfeccionistas e isso não as deixa desfrutar dos seus passatempos. 

"O propósito de um hobby é o prazer que nos proporciona por si só, independentemente de sermos medíocres ou virtuosos na sua prática", conta numa conversa com o EL PAÍS. Chaudhari é autora do artigo "A morte dos hobbies não é nossa culpa", publicado no The Huntington News, o jornal independente dos estudantes da sua universidade. Ela afirma que "a capitalização de cada canto da internet" é responsável, e não a geração Z. "Um espaço inerentemente pessoal [a internet] que, subtilmente, nos fez pensar em nós próprios como seres passíveis de gerar receita. Assim, se és bom a pintar, por que não vendes os quadros?, se gostas de DJing, por que não montas um estúdio?, se cozinhas bem, por que não partilhas no TikTok? Esta compulsão para mercantilizar os hobbies tem privado-os do seu propósito fundamental, a nossa realização pessoal".

As aplicações incentivam-nos a avaliar os livros e os filmes, mas também a última viagem de Uber e a música e podcasts que ouvimos. Passamos o dia inteiro a trabalhar como juízes não remunerados na economia da atenção e a acelerar a tendência de nos relacionarmos com os nossos passatempos de uma maneira quase profissional e baseada em dados.

A académica Lina H. R. Cho, professora de Literatura Comparada na Dunster House, afiliada à Universidade de Harvard, acredita que os hobbies, tal como os conhecemos, estão prestes a desaparecer. "Os resultados já estão à vista e são terríveis. A arte tornou-se conteúdo e a criatividade em produção à medida que avançamos lentamente, mas inexoravelmente, para a extinção dos hobbies. Para rentabilizar cada minuto do nosso tempo, temos que ser mais obedientes do que criativos", escreveu num artigo publicado no Harvard Crimson (um dos jornais da Universidade de Harvard). Digamos que a hiperprodutividade estimula a literalidade e mata as formas desestruturadas e caóticas de pensar que estimulam a imaginação.

Cinthya Molina é psicóloga clínica com consultório na SHA Wellness Clinic. A primeira pergunta que faz aos seus pacientes é: tens hobbies? "Não tê-los é sinal de que não se dedica tempo suficiente ao autoprazer e sobrevive-se preso na díade cíclica trabalho-família, família-trabalho. Quem tem um hobby conhece-se melhor, é mais consciente do que precisa para estar bem, e os que não têm, geralmente, não têm interesse em cultivar o seu prazer interior. Um hobby é sintoma de saúde mental. Saber que alguém come bem, dorme bem, tem bons amigos e algum hobby dá-me muita informação sobre uma pessoa".

Os hobbies tornam-nos melhores e mais felizes. Um estudo de 2016 da Universidade de Drexel mostrou que desenhar durante 45 minutos reduzia significativamente os níveis de cortisol, a hormona que regula a resposta ao stress. Noutro estudo de 2017 publicado na revista Arts & Health, ficou provado que colorir ativava a corteza média frontal e melhorava o humor, a auto-percepção e a capacidade de resolver problemas. Em 2015, uma equipa da Universidade de Merced revelou que os indivíduos que se concentravam num hobby estavam menos stressados e tinham uma frequência cardíaca mais baixa. "O que importa é como praticamos os nossos hobbies, e a chave é sair da nossa própria cabeça", escreveu Matthew J. Zawadzki, autor principal do estudo.

Das definições apresentadas no livro Hobbies. Leisure and The Culture of Work in America (1999), um texto clássico sobre o assunto de Steven M. Gelber, os círculos académicos focam sua atenção no que parece esconder um oxímoro: "o lazer produtivo" ou "lazer sério", um termo cunhado por Robert Stebbins, professor emérito de Sociologia na Universidade de Calgary. No seu enquadramento teórico, o entretenimento e a socialização são atividades demasiado passivas para merecerem a consideração de hobbies, sendo classificadas como "lazer informal". Um hobby, segundo Stebbins, deve ser "lazer sério", pois requer um esforço baseado em "conhecimentos, treino ou habilidades especiais", e aqueles que o praticam frequentemente procuram progredir e melhorar ao longo do tempo. Evidentemente, na era da otimização total, esse investimento não faz sentido sem um retorno.

De acordo com os especialistas da equipa de Stebbins, "o lazer sério" proporciona um tipo de satisfação diferente da relaxação ou do trabalho remunerado e ajuda a desenvolver uma identidade independente da profissão que nos sustenta, já que um hobby sustenta a autoestima: alguém não corre, é corredor; não só lê, é um grande leitor; e não vê séries de televisão, é um seriéfilo; não apenas desfruta da comida e do vinho, mas é um gastrónomo, e, mais recentemente, foodie. Um hobby confere prestígio e certa autoridade. Segundo Stebbins, o lazer sério é necessário para ter uma vida plena.

Alguns sinais alertam quando um hobby começa a perder-se pelo ingrato caminho da produtividade, dos prazos e das obrigações. Cinthya Molina recorda uma conversa com um paciente de vida frenética, analista de mercados financeiros. A sua via de escape, a sua paixão, era o seu barco. Recentemente, conseguiu uma amarração em Maiorca e decidiu que quando não estivesse a navegar o alugaria, assim pagaria a amarração e talvez pudesse comprar um segundo barco que tentaria amortizar o mais rapidamente possível. "Deixei-o falar e depois disse-lhe: 'Bem, já sabes que o teu barco deixou de ser uma fonte de prazer, agora é um gerador de stress, monetizaste a tua única fonte de bem-estar, agora é uma responsabilidade: tens de amortizar o investimento. No dia em que saíres no barco só pensarás que não o estás a aproveitar e que estás a perder 2.000 euros".

Aqueles que um dia se acharam sortudos pela sua capacidade de misturar lazer e negócios falam de uns primeiros tempos luminosos que se vão apagando à medida que começam a deixar de fazer o que lhes apetece para atingir objetivos, audiência ou engagement, ou até que algo corre mal - e na internet isto acontece frequentemente, concretamente, sempre que um algoritmo muda e caem o tráfego e a visibilidade -, então a sensação de fracasso contamina a capacidade de desfrutar. O sucesso perdido não é vivido como a consequência de uma mudança tecnológica da qual não somos responsáveis, mas como uma derrota pessoal, e o antigo hobby transforma-se numa fonte de frustração. Dessa forma, dificilmente se pode voltar a perder a noção do tempo enquanto se deixa levar desfrutando com o que mais se gosta. O psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi, professor do Centro de Estudos Avançados de Ciências de Comportamento da Universidade de Stanford, descreveu nas suas experiências o "estado de fluxo" como a absorção total numa atividade que proporciona prazer e desfrute. O tempo voa, os pensamentos desaparecem, toda a energia está concentrada numa atividade que gera uma completa satisfação. "Um estado de experiência ótima" muito próximo da felicidade. Só por isso deveríamos proteger os nossos hobbies do culto à otimização. Não há mal nenhum em viver umas horas do dia sem ser produtivo.

La imparable mercantilización de los ‘hobbies’ / Karelia Vázquez / El País (31 de março de 2024)

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

A Maldição do Skincare

 



"A cultura da dieta é algo que conhecemos há décadas. Refiro-me a essa norma higiénica que associa a magreza à boa saúde e que faz com que todas as pessoas que habitamos este século já tenham feito dieta alguma vez. Que todas tenhamos relacionado o nosso peso com a nossa autoestima em algum momento e que tenhamos distorcido a imagem da comida, chegando ao ponto de transformar o alimento em inimigo do corpo. Hoje sabemos que a cultura da dieta não só não é saudável, como também é perigosa para a saúde mental. Pois bem, agora que começávamos a condenar o bodyshaming [gozar alguém por causa da sua figura], chega a maldição do skincare [cuidado facial] para nos amargar a vida e o gesto.

Se a cultura da dieta desencadeou a anorexia, uma doença com clara inclinação de género, a cultura do skincare impôs-se entre as mulheres mais jovens, que já começam a sofrer de cosmeticorexia, o novo distúrbio que associa a compra de cosméticos à ansiedade. Atualmente, milhões de meninas seguem uma rotina de "cuidado facial" - conhecida como skincare - a partir dos nove anos de idade. A hashtag #SephoraKids acumula 400 milhões de visualizações no TikTok e mostra meninas a prescrever cosméticos como se fossem brinquedos. No entanto, o pior de tudo é que as mulheres adultas caíram na armadilha. Pensamos que algo que começa com a palavra "cuidado" não pode ser mau.

Que começar a "cuidar da pele cedo" poderia ser uma boa ideia para as nossas filhas. Por isso, quando pisas na Primor da Gran Vía ou na Sephora da rua Fuencarral em Madrid, tens que abrir caminho entre o frenesim consumista das adolescentes, pobres meninas entregues ao sacrifício facial, patrocinado pelos seus pais.

Assim, passamos de esculpir o corpo para esculpir o gesto, um exercício destinado ao fracasso e à deceção que temos maquilhado com a palavra cuidado. Para além da acne, das linhas de expressão, dos poros dilatados e dos dezenas de novos fantasmas que nos assombram a alma, a skincare é a última promessa de exteriorizar quem cada uma deseja ser. Por consequência, a cultura da dieta relaxou um pouco. Agora é possível que uma adolescente possa comer quando tem fome sem culpa, mas terá de conseguir adaptar o seu rosto ao ideal que tem de si mesma. Uma ambição condenada ao fracasso.

Porque quando uma adolescente (ou uma pessoa adulta) se olha ao espelho, não se está a ver a si mesma, mas sim como pensamos que os outros nos veem. O problema é que o que o nosso rosto e gesto dizem de nós é um poço psicológico sem fundo, já que as pessoas, nem quando crianças nem quando adultas, sabemos totalmente quem somos. E a pior forma de descobrir é olhar para o espelho. O problema da cosmética é que está a deixar de ser um disfarce para conter a promessa de uma revelação. O rosto, já sabem, é o espelho da alma. Mas que essa descoberta tenha de ser concedida por um produto cosmético ou por hábitos estéticos é uma loucura. A skincare é, portanto, na minha opinião, sinónimo de doença. A desgraça é que, mais uma vez, caímos na armadilha. Pensávamos que era uma forma de cuidado, mas era uma maldição, típico de nós.

Nuria Labari | El País

sábado, 23 de dezembro de 2023

Nem Duas Vezes, Nem Uma - Agora o Carteiro Nunca Bate à Porta

Uma das muitas horríveis coisas que o governo de Passos Coelho e Paulo Portas fez foi a privatização dos Correios. Um setor estratégico que nunca deveria ter saído da esfera pública. Um dos melhores serviços públicos que tínhamos, e um dos melhores do mundo, que, de repente, ficou quase ao nível do Burkina Faso. O jornal espanhol La Vanguardia trouxe esta semana uma interessante crónica sobre a privatização dos correios britânicos, o Royal Mail, que poderia ser uma triste crónica sobre os nossos CTT. Aqui fica em tradução livre:



"Antigamente, no Reino Unido, o carteiro costumava bater à porta pelo menos duas vezes de segunda a sexta-feira (de manhã e à tarde), uma vez ao sábado e, além disso, quantas fossem necessárias para entregar telegramas ou cartas certificadas. Há cerca de vinte anos, isso foi reduzido para uma entrega diária. Durante a pandemia, devido às ausências por doença, passou a ser uma entrega a cada três ou quatro dias. E agora, com a aproximação das festas, é sorte se as felicitações de Natal chegarem. O famoso Royal Mail já não é o que era. De longe.

Fundado em 1516 como um departamento sob o controle do governo, foi gradualmente privatizado entre 2013 e 2015 e tornou-se um verdadeiro desastre, com a moral muito em baixa entre os seus 163 mil trabalhadores (sendo o principal fornecedor de serviços postais do Reino Unido), que se sentem mal remunerados e sobrecarregados de trabalho. Um carteiro percorre em média 18Km por dia, dá mais de vinte mil passos (para quem está de olho nessas coisas), termina o dia às três da tarde e recebe entre 30 e 35 mil € brutos por ano.

Num país em que 16 milhões de pessoas (um quarto da população) sofrem de algum tipo de deficiência a longo prazo, dez milhões estão permanentemente de baixa e cinco milhões vivem exclusivamente de subsídios do Estado, o Royal Mail é um exemplo de como o Reino Unido se tornou novamente o doente da Europa. O absenteísmo é generalizado, passam apenas cinco minutos desde que alguém preenche um pedido online e recebe a oferta de trabalho, mas muitos dos novos trabalhadores mal duram um dia ou dois no emprego, o tempo que levam para perceber que têm que passar o dia a andar em vez de distribuir confortavelmente com uma carrinha.

A necessidade de competir com a Amazon, DHL, UPS, Federal Express e outras empresas de entrega exacerbou a crise. Teoricamente, o Royal Mail tem a obrigação de entregar cartas de segunda a sábado em todas as ruas do Reino Unido, mas na prática isso não é cumprido. Dois jornalistas do Sunday Times disfarçados descobriram que na realidade há uma instrução implícita para dar prioridade às encomendas, em detrimento do restante correio, que pode ficar dias e dias nos centros de distribuição. Um idoso, surpreendido por não receber nenhum cumprimento ao completar 94 anos, foi pessoalmente à estação de correios mais próxima e recebeu meia centena de cartões que estavam acumulados há semanas. Isso acontece se o responsável por uma rua ficar doente.

Os cartões de Natal digitais substituíram em grande parte os de papel (a era de Gutenberg está a morrer), e entre isso e os atrasos do Royal Mail, os britânicos terão sorte se receberem um cartão de Natal antes de comerem as rabanadas ou antes do Pai Natal se apresentar com o trenó. Pior ainda, milhões de cidadãos perdem rotineiramente notificações oficiais importantes, extratos bancários e consultas do Serviço Nacional de Saúde para cirurgias ou visitas ao médico, porque chegam tarde. Nos tribunais, há centenas de milhares de casos pendentes de cidadãos que recorreram contra multas porque nunca receberam notificação. Hoje, os pacotes da encomendas mandam, porque dão mais dinheiro (não só há mais, como também são cada vez maiores, ocupam até 90% do espaço disponível nos armazéns e centros de distribuição e sobrecarregam os carrinhos de entrega).

Antigamente, não só o carteiro batia duas vezes, mas também era um profissional que sabia de tudo, os nomes dos vizinhos, até em que casas do seu percurso havia cães bravos, ou pisos escorregadios com a chuva, ou idosos com dificuldades de mobilidade a quem faziam o favor de lhes entregar a correspondência. Hoje, a maioria dos trabalhadores reformou-se foram substituídos por trabalhadores temporários com salários muito mais baixos que, ao aperceberem-se disso, não querem esforçar-se tanto. Consequência: ao chegar à tarde, os pacotes já foram entregues, mas as cartas e os cartões ficam a acumular pó. E os clientes mudam para a concorrência (em 2004, o Royal Mail entregou vinte biliões de correspondências, no ano passado, apenas oito biliões).

Há muitas coisas que o Estado não faz melhor do que a empresa privada. Mas quanto à entrega de cartas, sempre se saiu muito bem. Hoje, a campainha não toca de jeito nenhum e o carteiro está de baixa ou a entregar encomendas.

El cartero nunca llama a la puerta | Rafael Ramos | La Vanguardia

quinta-feira, 9 de março de 2023

A Americanização dos Serviços de Saúde Europeus em Curso II


 "As salas de espera de um hospital público são lugares capazes de esboçar o mundo, de como se organiza um mundo, uma comunidade, de como se cuida, quais vidas adoecem e esperam e quais não transitam porque não podem ou simplesmente têm saúde de ferro , boa genética, alimentação saudável, vida tranquila e provavelmente assistência paga.

Quando neles esperas e observas, pode acontecer que de repente o que é habitual te apareça com outra face, como se o que contraditoriamente visível a todos nem sempre se visse e precisasse de uma pausa, de uma respiração lenta. Então a revelação pode vir como um som violento. É assim que o filósofo Gilles Deleuze se refere à passagem de uma percepção sensório-motora para uma percepção óptico-sonora. Dizia-o aludindo ao filme Europa 51 de Roberto Rossellini quando o protagonista, ao olhar (como noutras ocasiões) para as condições de trabalho numa fábrica, sentiu-se atravessado por "um som excessivamente violento", como "um raio visual que muito forte", algo que estava ali sem ela ter visto antes e de repente ficou "o intolerável, o insuportável".

Nesse caso, o som veio de uma enfermeira sussurrando para o médico estagiário: "Não podemos gastar mais de cinco minutos com cada paciente ou vamos colapsar". Foi um raio muito forte. Eu havia saído da enfermaria lotada e estava ao lado do médico. Ele sentia que queria me ajudar, mas a pressão de fora dificultava a troca de conselhos comigo, uma empatia ampliada em um “estou a ouvir, diga-me você como está e como está progredindo”. Não podia. Ela estava tão estressada quanto eu e o maquinário nos tornava engrenagens. A angústia continuou na volta como quem recebe o veredicto de um diagnóstico do que não pode ser tratado ou discutido. “- Mas… - Tem que passar ao próximo. -Mas... - “Tem que passar ao próximo”. E foi feito um loop sentindo o risco de ser dado por perdido. A eles médicos que procurarão outros destinos, a nós como doentes que estão levando a um desligamento programado.

Ultimamente passo muito tempo nestas salas de espera em Madrid. Eu tenho várias doenças e uma dessas chamadas "órfãs" que te tratam diferentes partes do corpo (...)

No entanto, devo dizer que minha experiência anterior é diferente. Passei grande parte da minha vida nas salas de espera do sistema público de saúde da Andaluzia, não para tratar as minhas doenças recentes, mas para acompanhar outras pessoas. Tenho imensas dívidas de gratidão com as pessoas que cuidaram de nós lá. Nos últimos 30 anos, esta saúde pública salvou o meu pai de três cancros, operou a minha mãe várias vezes e acompanhou-nos na doença e morte da minha irmã, dando tudo. 

Quando cheguei a Madrid, há alguns anos, fiquei surpreso ao ver que a maioria tinha seguro de saúde, embora achasse uma opção positiva poder escolher. Não demorou muito para que essa percepção mudasse ao constatar que não és tu quem escolhe, que pode ou não ser escolhido, aceite ou não pela seguradora. Para quem pode, começa como opcional e termina como obrigatório. Asim também se normaliza e cultiva a desigualdade. Enquanto a saúde pública cai no poço, primeiro por abandono, depois por saturação.

Começamos com seguros privados para complementar alguns serviços médicos que não são rapidamente cobertos pelo público, como ginecologia ou oftalmologia. A utilização aumenta paralelamente às listas de espera do público. As taxas aumentam à medida que a idade avança e as doenças aparecem ou pioram. Mas chega um momento em que uma taxa tão alta não pode ser paga ou a seguradora não renova diretamente o contrato porque considera que tens mais doenças do que o lucro que dás. Não te esqueças que para eles tu és um doente, mas acima de tudo és um negócio, e se tens cancro, diabetes, uma deficiência, uma doença crônica ou simplesmente estás velho, és despejado desse sistema privado, a menos que pagues as altas contas dos exames e tratamentos como uma pessoa rica. 

Tu lembras-te daqueles filmes americanos em que obter um plano de saúde é a chave para uma vida tranquila ou para uma escolha profissional? Ninguém nos disse que era o nosso futuro e em muitos lugares da Espanha é o nosso presente. Alguns acreditam que poderão ter esses seguros pelo resto de suas vidas, mas não. Por isso, a revelação tem uma segunda parte, na qual tu e eu nos encontraremos nas salas de espera. Quando o seu cancro ou aquela outra doença não for rentável para a seguradora e eles te encaminharem para a saúde pública. Não te surpreendas se os médicos deixaram a cidade ou o país porque não eram bem pagos, discordavam das intermináveis listas de espera ou a exceção para nos atender em cinco minutos que se tornou regra.

Para que essa revelação de um futuro possível não aconteça, a mobilização social que nasce de parar para pensar nesse risco e agir solidariamente é a nossa esperança. Proteger e curar a saúde pública é cuidar de ti e de mim. E não me estou a referir a soluções temporárias ou sensacionalismo eleitoral. Precisamos mudar de rumo, cuidar desse tesouro como solo social que garante nossa saúde, ouvida, atendida com um tempo humano, financiada.

Madrid são muitas Madrids, mas para viver naquela que aparece nos anúncios é preciso ter um andar garantido onde se cuide do corpo doente. Essa intra-história não centrada nas belas esplanadas e festas que aqui podemos desfrutar precisa de nós vivos; e aos políticos que descem dessa arrogância que os obscurece em não perceberem o recado enquanto passam os serviços públicos às empresas de quem lucra com a saúde, que não deveria ser um negócio.

Assumimos que a saúde pública estará sempre presente, mas a sua deterioração tem sido tão progressiva, tão silenciosa, que nos põe em causa quando é o pulmão do nosso país, o tesouro que nos tornou mais iguais do que tudo o que este setor público tem propósito. "Tu não podes gastar mais de cinco minutos ou vamos colapsar." E esta frase torna-se o futuro para o resto do país se esta inércia não for alterada.

A demografia e os dados indicam que sim. Em breve seremos tantos doentes e idosos que precisamos de uma saúde pública forte. Não se trata de uma medida específica, trata-se de construir uma política que cuide dos cuidados e da saúde, que nos permita viver e ser, trata-se de parar de normalizar o intolerável: a saúde como negócio.

A saúde pública é posta em causa quando é o pulmão do país, o tesouro que nos tornou mais iguais.

Remedios Zafra / El País / 6 de Março 2023

domingo, 29 de janeiro de 2023

O Principal Inimigo da Democracia é o Centro Comercial

Uma das minhas frases preferidas de Aldous Huxley, que até ostento aqui no blogue, e de quem li, por exemplo, "Admirável Mundo Novo", "Contraponto" ou "Também o Cisne Morre" é:
 
"A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento , os escravos terão amor à sua escravidão."

Ao ler a seguinte crónica no El País sobre como as pessoas estão a abdicar da democracia e da sua liberdade, porque estão a ser compradas pelo dinheiro de imediato lembrei-me de Huxley.
 



"No Qatar ganhas poder de compra mas renuncias a ser um cidadão. Vives à grande. Vi um colega comprar um Hummer. Vi espanholas de discurso progressista escravizar as suas criadas sudanesas. Para meu espanto o meu marido escocês disse "democracy is overrated"...

Cheguei a Doha em 2013. Podemos dizer, para simplificar, que estava farta de encadear contratos lixo na Europa e aceitei um emprego de professora bem remunerado num lugar assustador. Da janela do meu escritório na universidade pude ver um deserto sem dunas que mais parecia um deserto sem fim sob uma nuvem de poeira.

Morar lá é complicado com pouca empatia que se tem.

Um: deves-te proteger contra o sistema de castas; trabalhas para os cataris, lidas com pessoas em circunstâncias semelhantes às tuas - estrangeiros com empregos qualificados - e és servido por homens e mulheres pobres.

Dois: da janela do carro, todos os dias vês centenas de trabalhadores, escravos modernos, no momento em que são transferidos de autocarro dos locais onde dormem para os prédios - estádios, museus, hotéis - que eles constroem, ou vice-versa .

Três: deves acostumar-te a ter alguns alunos cujos rostos não vais poder ver.

Quatro: planeja sempre o medo de te meteres em encrencas sem querer.

Cinco: todas essas coisas que dizem sobre o Catar - que financia o Islão radical, principalmente - são difíceis de aceitar como pertencentes ao lugar que fazes a tua casa, então tenta não pensar nelas. A lista poderia continuar.

Como é curioso o coração humano: com tudo, acabas desenvolvendo um certo vínculo sentimental com aquele deserto onde, desde o início, só foste ganhar dinheiro.

Na Europa, a onda de indignação contra o Catar – alimentada pelo recente Campeonato do Mundo – tem sido unânime e ninguém pode negar que é bem fundamentada. É uma pena que os protestos vão cair em saco roto. Alguém pensa que o emirado se preocupa com as mensagens estridentes nas redes sociais, as pulseiras que têm a validade de um suspiro?

Nós, ocidentais, imaginamos os cataris como um povo de ex-camaleões fanáticos que tiveram a sorte de encontrar gás sob a restinga onde estavam acampados. Nós os pintamos como uma tribo de novos-ricos que gostam de bugigangas sofisticadas e luzes de LED. De acordo com o que Edward Said nos ensinou a pensar no Orientalismo, essa representação surge da nossa ansiedade pela perda de status, do desejo de salvar nossos móveis num planeta cujo centro está irremediavelmente deslocado para o Oriente.

Acredita, há algo comovente no Qatar. Uma ânsia muito juvenil de conquistar o mundo - de sediar as melhores universidades, os melhores museus, as melhores competições esportivas.

Quando me mudei para Doha, o slogan Qatar merece o melhor - “O Qatar merece o melhor” - preenchia os enormes outdoors atrás dos quais estádios e novos arranha-céus estavam sendo construídos. A morte de muitos trabalhadores torna pavoroso um país que, ao contrário de outros, soube fugir ao controlo colonial e preservar o seu património energético. Há boas razões para atender a esse país empoeirado e incompleto que está parcialmente moldando o século XXI, não apenas de seu fundo de investimento e conhecimento de negócios. Vamos enfrentá-lo o mais rápido possível: o Qatar tem um poder que supera os melindres europeus.

Coloque-te na seguinte situação. Imagina que o vento da vida o levou-te a trabalhar em uma universidade do Qatar, onde está prestes a acontecer um congresso internacional de tradução, e que cerca de cinquenta tradutores e romancistas de vários países escrevem uma carta aberta pedindo o boicote ao evento. A razão? A prisão de um poeta - Muhammad AlAjami -, condenado a prisão perpétua por ter recitado um poema dissidente. Pergunta: o que fazes? Saúdam a fábrica, arrancam a roupa e voltam para a Espanha, o país das oportunidades zero? Ou eles ficam quietos como um homem morto para não se meter em problemas?

Lembro-me da reunião do corpo docente em que discutimos a questão do boicote e na qual, admito, fiquei em silêncio. Parece que ainda ouço o Dr. Jian, um chinês, sussurrando em meu ouvido: “Ah, tem algum poeta na cadeia?” enquanto levanta delicadamente um único dedo. Aquele seu espanto, que ainda não sei interpretar, foi o mais perto que cheguei do pântano onde às vezes as culturas se cruzam.

Viver em um lugar como o Qatar constitui o expatriado. Quando Peter Sloterdijk fala sobre como o habitar gera uma “práxis de fidelidade ao lugar”, acredito que a ideia crucial está na palavra práxis. Viver é fazer as coisas à maneira do novo contexto, razão pela qual quem emigra vê o seu quotidiano transformado pelo local de destino.

É incrível o que nós, ocidentais, nos tornamos quando começamos a ganhar um salário em rials. O regime do Qatar é habitável porque dá dinheiro e oferece lugares brilhantes para gastá-lo. O shopping é muito divertido! Ele é o verdadeiro rival da democracia.

No Qatar ganhas muito dinheiro mas desistes de ser um cidadão. Vives à grande. Vi um colega do departamento comprar um Hummer; Vi mulheres espanholas de discurso progressista escravizarem suas criadas sudanesas. Para meu horror, meu companheiro escocês Connor, que criava suas filhas lá, disse um dia: “democracy is overrated” (a democracia é sobrevalorizada)

O desafio que enfrentamos no Qatar não é apenas que os direitos dos homossexuais e das mulheres não sejam respeitados lá. Muitos cataris removem sua abaya preta assim que embarcam em um avião para Londres. O difícil será que a democracia seja globalmente um objetivo atrativo.

Divertindo-se até a morte, Neil Postman alertou sobre isso, fazendo sua própria profecia de Aldous Huxley: "As democracias ocidentais cantarão e sonharão até o esquecimento". É doloroso, mas vamos cair a cereja o mais rápido possível: o planeta Terra está lotado de seres humanos que não são exigentes com a ideia de se estabelecerem num regime autocrático que promete segurança e riqueza.

Na entrada do hospital Sidra, na Cidade da Educação, bem perto de onde morei e ensinei, há um grupo de grandes esculturas de Damien Hirst. É intitulado The Miraculous Journey e representa o desenvolvimento de uma vida humana, desde a concepção até o nascimento. A sua instalação foi controversa. Alguns cataris consideravam-na imoral, por isso o complexo passava temporadas coberto por lonas pretas, acostumando aos poucos os mais ortodoxos a vê-lo sem levar as mãos à cabeça.

Ultimamente, tenho pensado muito naquele trabalho de Hirst e na dança de mostrá-lo e escondê-lo. Vejo nela um estranho desfolhamento da margarida, um chocante cabo de guerra entre a democracia e a tirania que resta saber por qual lado opta.

Raquel Taranilla / El País

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Semana Negra de Compras

 Portátil HP em Outubro custava 529€

Na mesma loja, e nesta semana negra de compras, o mesmíssimo computador está com uma promoção fantástica de 549€! Aproveitem já antes que esgote!!



domingo, 31 de janeiro de 2021

A Igreja Sempre do Lado do Capitalismo e Contra os Oprimidos



"A religião é o que impede os pobres de matar os ricos" (Napoleão)
"Os magnatas gostavam de se definir pela sua confissão religiosa (...) No conjunto, os magnatas ligavam-se às Igrejas presbiteriana, congregacionista e episcopal. No entanto, nos anos 1900, metade dos 75 multimilionários de Nova Iorque pertenciam à Igreja Episcopal. É que o ritual desta Igreja correspondia muito mais ao sentimento de dignidade e de grandiosidade de que os magnatas estavam impregnados. O caráter espetacular dos serviços episcopais, o sentido muito fortemente marcado pela hierarquia - tudo isso constituía, para os magnatas, o símbolo por excelência das suas aspirações e do seu poder. A este respeito, os exemplos de Henry Clay Frick e de John Pierpont Morgan são reveladores. Morgan, que cultivou sempre o estilo aristocrático, manifestou um grande zelo em favor da Igreja episcopal da qual se tornou um dos pilares laicos. Fez dotes generosos à Igreja Saint-George e deu 500 000 dóllars para a construção de Saint John Divine. O seu gosto pelo cerimonial e pela grandiosidade parece ter encontrado satisfações nas práticas do culto. "A Igreja não era para ele nem um símbolo de piedade, nem um símbolo de moralidade, mas o atributo da aristocracia. Neste sentido ele encarna perfeitamente o tipo do businessman da classe dominante tal como é descrito por Veblen: "Os fieis desta classe têm tendência para filiar-se nos cultos que ligam uma importância relativamente maior ao cerimonial e aos acessórios espetaculares".

Assim, as igrejas, prosperando graças aos donativos generosos dos Vanderbilt, dos Rockefeller, dos Morgan, etc, foram as auxiliares preciosas dos magnatas. Elas difundiram o evangelho da riqueza, concedendo uma sanção divina às empresas dos grandes homens de negócios e encorajando as massas à resignação. Os pastores nunca deixavam passar uma ocasião de citar os magnatas em exemplo, e de estigmatizar a ação dos que se insurgiam contra a ordem social, em particular os chefes sindicalistas. Os generosos doadores que permitiam às Igrejas beneficiar da sua filantropia sabiam o que faziam. Mas poucos eram tão francos como James Hill. Quando lhe perguntaram porque é que ele, protestante, tinha dado 500 000 dóllars à Igreja Católica para fundar um seminário de teologia em Saint Paul, Minesota, respondeu: "Olhai para estes milhões de estrangeiros chegando em massa a este país, para os quais a Igreja católica romana representa a única autoridade que eles temem ou respeitam; quais serão as suas ideias sociais, a sua acção política, o seu estatuto moral, se esta única força de controle fosse suprimida? "As igrejas - sobretudo as Igrejas poderosas de Chicago e de Nova Iorque - viviam quase da generosidade dos magnatas. Elas eram consideradas por eles como instituições necessárias à manutenção da ordem. E a Igrejas foram militantes, mas a favor do capitalismo e contra os oprimidos. Qualquer que fosse a sua "denominação", elas inculcavam uma verdade fundamental às massas: a submissão.

"O Capitalismo Selvagem nos Estados Unidos" (pág 250) / Marianne Debouzy (1972)

sábado, 18 de abril de 2020

Sabias Que a Califórnia Foi Roubada aos Mexicanos?

"A Califórnia já pertenceu ao México, e as suas terras aos mexicanos; uma horda de americanos andrajosos e febris inundou a região. E tal era a sua fome de terra que as tomaram, roubaram as terras dos Suters e dos Guerreros, roubaram e destruíram as concessões e esses homens esfomeados e raivosos brigaram uns com os outros sobre a presa e guardaram de armas na mão as terras de que se tinham apoderado. Isto era a apropriação e a apropriação equivaleria a um título de posse. 
Os mexicanos eram moles por excesso de alimentação. Não puderam resistir porque nada se desejava no mundo como os americanos desejavam aquelas terras. 
Depois, com tempo, os acocorados deixaram de ser acocorados para passarem a proprietários; os seus filhos cresceram, e por sua vez tiveram filhos. E a fome acabou-se entre eles, essa fome animalesca, essa fome corroedora e lacerante da propriedade, da água e de um céu azul sobre ela, da relva fresca exuberante , das raízes entumecidas.
Tinham tudo isso, e com tal abundância que deixaram até de ver essa riqueza. Já não se sentiam corroídos pela ânsia de obterem um acre de terra fértil ou um arado brilhante para nela abrir sulcos, sementes ou um moinho agitando o ar com as pás. Já não acordavam nas madrugas escuras, para ouvir o primeiro chilrear dos pássaros ainda ensonados, ou o ruído do vento matinal em torno de casa enquanto aguardavam os primeiros clarões, à luz dos quais deveriam ir para os seus amados campos. Tudo isso fora esquecido, e as colheitas eram avaliadas em dóllars e as terras eram-no em capital mais juros e as colheitas compradas e vendidas mesmo antes de se fazer a plantação. Nessa altura, já o malogro das colheitas, as secas e as inundações haviam deixado de significar pequenas mortes dentro da vida, mas simplesmente perda de dinheiro. E todos os seus afetos eram medidos pelo dinheiro, e toda a sua impetuosidade se diluía, à medida que lhes aumentava o poder, até que finalmente eles deixaram de ser fazendeiros ou rendeiros, para se transformarem em homens de negócios dos produtos da terra, pequenos industriais que tinham de vender antes de terem produzido qualquer coisa. E os fazendeiros que não eram bons negociantes, perdiam as suas terras, em favor dos que eram bons negociantes. Não importava que fossem trabalhadores diligentes e que amassem a terra e tudo quanto nela crescia, desde que não fossem também bons negociantes. E, com o tempo, os bons negociantes apropriaram-se de todas as terras e as fazendas foram aumentando de tamanho, ao mesmo tempo que diminuam em quantidade....


domingo, 22 de dezembro de 2019

As Falsas Necessidades Com Que o Capitalismo Atola as Pessoas em Dívidas

É curioso observar como as coisas têm mudado nos hábitos de consumo e como há coisas verdadeiramente contraditórias. Se por um lado, por alturas do 25 de Abril de 1974 o salário mínimo era, em comparação, maior que os 600€ que temos hoje, por outro lado, ainda por cima cada vez mais há mais despesas que são impingidas e que de repente parece que são imprescindíveis à vida. 

Quando eu era criança, por norma, em cada casa havia uma só televisão e eram raras as casas que tinham telefone. Nos anos noventa já todos os lares tinha televisão a cores e telefone. E as pessoas recebiam três cartas com contas para pagar: água, luz e telefone.



Vinte anos volvidos todas as casas têm agora, não uma mas várias televisões pela casa. Além do telefone, que se passou a chamar telefone fixo, agora todos os elementos da casa têm também o seu telefone portátil, que por cá, estranhamente, se passou a chamar telemóvel (por oposição ao cell phone). Há vinte anos, cada lar, tivesse três, quatro ou vinte pessoas, gastava em telefone uma média de três contos de rei (15€) por mês. Hoje em dia, quase todos os lares pagam para ver televisão (ou para ter internet) e cada elemento do agregado familiar tem o seu telemóvel, que entretanto anda a ficar cada vez mais esperto, mas pouco económico porque o gasto será uma média de 15€ vezes o número de pessoas de cada casa.

Há vinte anos o telefone tinha um aluguer (tal como ainda hoje temos o aluguer do contador da eletricidade e da água) mas não se gastava dinheiro para o substituir. Se avariasse os TLP (empresa pública que os nossos políticos privatizam e os nossos grandes empreendedores empresários trataram de falir) logo se apressavam a substituir, tal como substituíam, gratuitamente, quando os modelos ficavam ultrapassados. As listas telefónicas e as Páginas Amarelas também eram entregues gratuitamente.

Hoje, além de cada pessoa do agregado familiar ter a sua fatura telefónica para pagar, por norma, excluindo pessoas como eu, que os outros acham que vivem numa caverna, têm ainda que substituir, frequentemente, o seu aparelho para telefonar. Pois é, um telemóvel hoje é muito esperto, faz muitas coisas, mas nenhum outro faz e recebe chamadas, não é?

Esta semana, na TSF (rádio que quase deixei de ouvir por causa da publicidade) ouvi um programa - sim, se antigamente era expressamente proibido fazer publicidade às marcas, hoje, por vezes a publicidade é mesmo descarada - e nesse programa falavam dos melhores telemóveis que os pobres poderiam comprar por menos de 500€. Relembro de novo que o salário mínimo português é de 600€!
E a certa altura, a pessoa que apresentava o programa "Mundo Digital" dizia mesmo "Não compre nada abaixo dos 150€. Eu sei que gostaria de poupar uns bons euros mas a verdade é que, mais cedo ou mais tarde, vai arrepender-se", e o que aconselha, no mínimo, é mesmo entre os 200-250€, mas os preços vão, não até ao infinito, mas facilmente até aos 1000-1500€.
Bom, mas seria de esperar que um bom telemóvel que custa mais que um televisor ou um computador (o meu portátil custou 250€) durasse, pelo menos, uns bons anos. Não! Numa rápida pesquisa fiquei a saber que os portugueses trocam de telemóvel, em média, ao fim de dois anos!

E, se há umas quantas décadas as coisas eram feitas para durar, desde as mobílias das casas, os automóveis, a roupa, toda e qualquer geringonça durava que se fartava, com o avanço tecnológico passou-se a programar as coisas para terem um fim certo e ao fim de xis tempo, que por norma é pouco depois do tempo de garantia!, e lá tem que se ir comprar novo que agora não se repara nada e o Ambiente - todos preocupados com o Ambiente não é?, agradece! Acontece que, além da obrigatoriedade de comprar, as coisas agora duram menos tempo e gasta-se mais dinheiro. Mas não só. Temos também uma publicidade cada vez mais agressiva que mete na cabeça das pessoas que não serão felizes se não comprarem, se não tiverem o que todos os outros têm ou se não se comportarem como todas as ovelhinhas imaculadamente brancas, todas iguais, se comportam.

O capitalismo vive de crises sucessivas, para que os pobres fiquem ainda mais pobres, e os ricos fiquem ainda mais ricos. Para se ter noção, estamos hoje em 2019 e o rendimento dos portugueses é, em média, menos 175€ por mês que em 2009! Sofremos uma crise terrível e seria de esperar que as pessoas tivessem aprendido a lição e estivessem mais contidas nos gasto, certo? Não, errado!

"A verdade é que, o número de famílias a bater à porta da DECO por estar com dificuldades financeiras, ele não está a abrandar, pelo contrário, ele está novamente a aumentar. E aquilo que nós verificamos relativamente às famílias que nos estão a pedir ajuda este ano de 2019, estão a fazê-lo muita vezes devido a crédito que já foi contratado este ano ou em 2018. Isto é claramente demonstrativo que as famílias não estão a recorrer ao crédito de forma tão responsável quanto era desejável". (Natália Nunes/DECO)

Concluindo. Com o passar do tempo e com as sucessivas crises do capitalismo, o rendimento disponível das pessoas é cada vez menor. Ironicamente a pressão é cada vez maior para o consumo e as pessoas satisfazem as suas necessidades de escravatura acedendo ao crédito fácil não aprendendo com o passado recente e endividam-se ainda mais. 

domingo, 13 de janeiro de 2019

O Maior Salário Mínimo do Mundo

Os portugueses são muito empreendedores. E adoram recordes e o livro do Guiness.

Ele é o Maior desfile de Pais Natal do mundo; A maior bandeira bandeira e logótipo humano; a Maior feijoada do mundo na Ponte Vasco da Gama e Maior mesa e Maior número de pratos lavados do mundo; o Maior arroz de lapas do mundo; a Maior aula de judo do mundo; a Maior sardinhada do mundo; o Maior assador de castanhas do mundo; o Maior pão com chouriço do mundo; o Maior prato de bacalhau de mundo; o Maior bolo-rei do mundo; o Maior tacho de caracóis do mundo; o Maior número de colorações de cabelo do mundo; o Maior lançamento em simultâneo de aviões de papel do mundo; o Maior bouquet de noiva do mundo; o Maior piquenique do mundo; os Maiores chifres de bode do mundo; o Maior número de t-shirts vestidas de uma marca de roupa.... 

Não há nada que os portugueses vejam que não querem logo ser os maiores do mundo. Só é pena que os patrões portugueses não serem nada empreendedores. Quando é que os patrões portugueses metem na cabeça em colocar Portugal no Guiness com o Maior Salário Mínimo do Mundo?




quinta-feira, 15 de novembro de 2018

O Americano Médio Não Consegue Juntar 450 Euros Para Emergências

"O americano médio não consegue juntar 450€ para uma emergência . Um terço dos americanos não pode pagar comida, abrigo e cuidados de saúde. Os cuidados de saúde para uma família agora custam 25 mil Euros - cerca de metade da renda média, que é de 50 mil Euros."

"Todas as coisas que realmente elevam a qualidade de vida das pessoas - saúde, finanças, educação, transporte, moradia e assim por diante - passaram a consumir uma parcela tão grande da renda média das famílias que têm pouco para poupar, investir ou gastar. em qualquer outra coisa."

"Assim, os americanos não são apenas absolutamente ou relativamente pobres, mas pobres de uma maneira totalmente nova. Primeiro, os fundamentos da vida explodiram de preço, a tal ponto que agora são inacessíveis para muitos, talvez a maioria dos lares. Em segundo lugar, os americanos arcam com os riscos de pagar esses custos inacessíveis a um grau extremo, arcando com os riscos que as instituições deveriam ter, e, portanto, esses riscos estão agora ruinosamente altos." 

"Os americanos trabalham muito mais do que em qualquer outro lugar - eles estão sempre a um passo de perder tudo, da ruína genuína, mas os seus pares em países verdadeiramente ricos não o estão." 

"Os americanos vivem vidas bastante abismais - curtas, solitárias, infelizes, cheias de trabalho, stresse e desespero, em comparação com seus pares."



sábado, 22 de setembro de 2018

Nos Estados Unidos Paga-se por ir para a Cadeia e se Não se Pagar Vai-se Preso de Novo!

"O que me fez perder a cabeça esta semana...

Os Estados Unidos tem uma das maiores populações carcerárias do mundo, perto de um milhão de pessoas e, em quarenta e nove dos cinquenta Estados norte-americanos, quem sustenta os prisioneiros não é a sociedade mas sim os próprios prisioneiros. No final de cumprir a pena eles levam para casa uma conta para pagar. Se não pagarem perdem os bens, perdem a casa, perdem tudo o que têm, e em alguns Estados, se eles não conseguirem pagar ainda vão para a prisão de novo

Na Florida por exemplo, depois de três anos de prisão, num caso, um senhor saiu com uma dívida de 55 mil dóllars. Bom, e ele trabalhou na prisão. Só que o problema é que o salário na prisão é 55 centavos de dóllar por hora. O salário mínimo nos Estados Unidos é de 8,45 dóllars por hora. Ou seja, se ele trabalhasse onze anos, sem tirar dinheiro nenhum dentro da prisão, ele talvez conseguisse pagar a dívida de três anos de prisão. Mas ele não estava mais na prisão para pagar. Com o salário mínimo da Florida ele precisaria de três anos sem gastar nada, sem comer, sem pagar aluguer, sem pagar nada, com o salário mínimo para poder o tempo de prisão que ele teve. 

Quer dizer, como é que eles querem reabilitar os criminosos...?

Jair Rattner / O Esplendor de Portugal / Antena 1


domingo, 16 de setembro de 2018

Bem-vindos Às Falsas Promessas do que Seria o Trabalho no Século XXI

Quando eu era miúdo prometiam-nos uma vida muito melhor. Diziam-nos que num futuro próximo as máquinas de escrever iam ser substituídas por computadores e imaginem que até se dizia que o papel iria desaparecer. Infelizmente o papel não desapareceu, e por causa disso temos um país infestado de eucaliptos. Diziam também que iríamos ter de trabalhar muito menos horas por dia e com os computadores até se poderia passar a trabalhar de casa.

As novas máquinas vieram, e hoje, ao contrário de quando era criança, em que basicamente a maioria das pessoas só tinha uma motorizada para se deslocar, hoje, toda a gente tem o seu carro, dois ou mais até, ou pelo menos um para cada elemento do agregado familiar. Hoje, ao contrário do tempo em que era criança, todos já têm o seu computador de secretária ou portátil, têm dois ou três, e todos até têm o seu telemóvel com acesso à internet. A indústria sofreu uma verdadeira revolução e até aí estão os robots para, supostamente, substituir os humanos. Mas afinal, até que ponto a nossa vida mudou verdadeiramente para melhor? A vida mudou realmente para melhor, ou as pessoas passaram a ter de trabalhar muito mais para comprarem as merdas que o capitalismo meteu na cabeça das pessoas não podem sem as ter? 

Pois é. Afinal todas as promessas não passaram de mentiras deslavadas e continuamos a ter de trabalhar de sol a sol, tal como antigamente. Simplesmente já não nos levantamos com o sol com uma enxada na mão para ir cavar. A única coisa que mudou foram os objetos dos escravos trabalhadores. Se antigamente os trabalhadores usavam foices e martelos, hoje vão para a jorna de trabalho (olha o Google nem sabe o que é jorna e sublinha como se fosse erro!) e vão para a jorna dobrar roupa, estar o dia todo, de pé a passar códigos de barras ou de telefone na mão a atender clientes ou a impingir-lhes serviços. As ferramentas foram a única que mudou.

De resto, continuamos a ter que trabalhar de sol a sol, oito horas por dia. Talvez hoje ainda se trabalhe mais, visto que antigamente as pessoas só se levantavam com o sol, e hoje, graças aos carros, já todos poderemos ir trabalhar para bem longe de casa, nem que para isso tenhamos de sair de noite, e percamos duas horas de viagem, todos os dias e viagens essas que os patrões não pagam. Mas depois as pessoas revoltam-se é com a mudança da hora! Se trabalhássemos duas horas de manhã e duas horas de tarde, alguém andava a discutir se era preciso ou não mudar a hora? Andamos sempre a discutir o que não interessa para nada, em vez de exigirmos as mudanças que interessam verdadeiramente. 


Sim, o futuro chegou, a nossa realidade mudou e foi higienizada, e tomamos dois ou três banhos por dia, mas ao contrário do que se pensa, a nossa realidade mudou para pior. Acham que não? Então pensem um bocadinho. Hoje já ninguém se reforma aos cinquenta anos, ao contrário do tempo em que era criança. Hoje, em pleno século vinte e um, vamos ter de trabalhar em prol de outro ser humano, não até aos cinquenta anos mas sim até morremos! Quão espetacular é isso, trabalhar até morrer? E vamos ter de trabalhar até morrer porque não vai haver dinheiro para pagar as reformas. Mas dizem-nos até, como se nós fôssemos muito burros, que é por causa da "esperança média de vida"! Maldita esperança média de vida que deveria era de diminuir para não sermos obrigados a trabalhar, sem forças, até aos setenta anos! E dizem-nos ainda, como se fôssemos muito burros, que temos de fazer muitos bebés para que depois, quando eles crescerem, nos possam pagar as reformas que não vamos ter porque não há dinheiro para as pagar!

Quando eu era criança, maioritariamente só o homem o trabalhava e o dinheiro de uma só pessoa chegava para construir uma casa. Acham que estamos melhor hoje? Hoje quase nenhum jovem terá dinheiro para comprar um terreno e construir uma casa! Antigamente a mulher ficava em casa a tomar conta dos filhos que não precisavam de infantários nem de amas. Eram verdadeiramente educados pelos pais. Hoje são educados por quem? Eu vou ter um filho para quê? Para ter de pagar para os outros o educarem? Antigamente as crianças brincavam livremente, tal como eu brinquei, sem horários, pelo menos até aos seis anos de idade, quando então tínhamos de ir para a escola primária.  

Hoje trabalha o homem, trabalha a mulher e aos seis meses as crianças vão para a ama ou para o infantário que é mais uma despesa no orçamento familiar. As pessoas correm de um lado para outro, as crianças correm de um lado para o outro. As pessoas não têm tempo nem pachorra para se ouvirem. Não têm disponibilidade física nem mental para ainda chegar a casa, depois de um longo dia de trabalho, e terem de fazer as tarefas domésticas, cuidar dos filhos, ouvir os problemas do cônjuge ir para a cama e ainda ter vontade fazer sexo. Temos setenta, repito, 70% de divórcios e as crianças além de correrem de um lado para o outro por causa das dezenas de atividades que os pais agora as obrigam a fazer, têm ainda de correr de casa da mãe para casa do pai por causa da guarda partilhada. E há uma nova geração de gente que cresceu em famílias disfuncionais, que mais não foram que armas de arremesso entre pais e mães. 

A vida supostamente melhor que o século vinte e um prometia, no final de contas, é ser ainda mais escravo do trabalho e ter cada vez menos tempo. É trabalhar mais horas, é fazer mais horas-extra que agora deixaram de ser pagas porque se inventou uma coisa chamada banco de horas, e é trabalhar de noite com menos horas de subsídio noturno (muito obrigado aos senhores Passos Coelho & Paulo Portas), e é, por exemplo, trabalhar sábados e domingos no turismo, que em Portugal está a fazer dinheiro como ninguém faz no mundo, e ter um salário principesco de 620€. Repito: 620€ para trabalhar aos sábados e domingos!!  E é viver num dos países da Europa onde os patrões se aumentam a si mesmos 40%  em três anos, mas onde ironicamente os escravos, perdão, é a força do hábito, onde os trabalhadores (que agora lhes chamam colaboradores) são os menos aumentados da Europa. 

domingo, 15 de abril de 2018

Capitalismo Sim, mas Não para Todos!

Vivemos em pleno capitalismo selvagem. Tudo se compra e tudo se vende. Não interessa que tipo de negócio seja, não há moralismos, o que interessa é o máximo lucro. Desde que haja alguém interessado em comprar e pague por isso, tudo é lícito, nem que seja comprar um trabalhador que dá uns chutos numa bola por quatrocentos milhões de euros. É o mercado a funcionar dizem alguns.

Mas depois, quando alguma pessoa, um qualquer particular compra um ingresso para um espetáculo por vinte ou trinta euros, seja um concerto de música ou um jogo de futebol, e tenta rentabilizar a sua compra, aí já vem logo a ASAE e prende as pessoas que muito rapidamente são julgadas de imediato tal como acabo de ouvir na rádio, que foram detidas duas pessoas por venda ilegal de bilhetes para o SL Benfica - FC Porto e já sabem que têm de entregar uma quantia de dinheiro a instuiçoes de solidariedade social ou fazer trabalho comunitário. 

O capitalismo é selvagem e tudo vale, mas é só para alguns, os grandes que muito roubam como os banqueiros. Os peixinhos pequeninos que se fodam. São sempre engolidos.


quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Tão Bom que era o Patrão Belmiro

Agora que o Belmiro de Azevedo morreu, ouvem-se tantos elogios ao empresário-modelo, que pagava salários miseráveis, que quase fico comovido. Passemos os olhos em alguns testemunhos de quem trabalhou nas suas empresas e que certamente só boas coisas terá a dizer:


Sair a horas é impossível

O ordenado é a mesma miséria, 3€ à hora e é se quero, senão põem outra pessoa no meu lugar, de momento não tenho outra hipótese senão continuar

Trabalho há vários anos na Worten, sou permanência de loja, sou responsável de uma secção, trabalho a tempo inteiro e recebo 3€/hora

Trabalho num Continente-Modelo e subscrevo tudo que foi dito anteriormente, despediram metade dos meus colegas e faço o turno da noite sozinha, querem que faça sozinha o trabalho que faziam 3 pessoas. Devia sair às 22h mas nunca saía a horas, saía quase sempre às 23h. Relativamente às horas a mais nunca me foram pagas nem nunca foram gozadas

Quanto aos contratos é verdade 3 e rua…uma vergonha

Trabalhei em lojas da Sonae em que chegava a trabalhar 10 dias seguidos, com uma folga por semana ou então umas cinco horas sem ir comer ou à casa de banho por me encontrar sozinha em loja

Vendo o meu trabalho há 23 anos como Operadora de Caixa num Hipermecado do Grupo Sonae . Sim, sempre pedi para ir ao WC e muitas das vezes ignorada indo á rebelia das chefias

Tenho uma anemia crónica e ainda assim insistiam em meter-me 2 dias a trabalhar 5h e sem comer…

Fui ensinada se possível a comer de 5 em 5 horas ou mais


Comerr? mesmo que tenhas problemas de saúde (estômago) que impliquem comer vezes amiúde não podes!!! tens que aguardar as tuas ditas 4h que é para estragar mais ainda o estômago…

Cheguei a fazer horários de 8 horas na caixa e só ao fim de 6 horas de trabalho ia jantar ou almoçar. EX: 12h00 às 21h00, só comia das 18h00 às 19h00 e no meu horário estava das 14h00 às 15h00; falei à minha chefe e a resposta delas era ‘não tenho operadoras suficientes, aguenta’… depois há erros de que os clientes não têm culpa…

Na loja onde trabalhei, o director proibiu a água. Qual o motivo? Não foi explicado, mas era fácil perceber que a ideia era limitar as idas à casa de banho o mais possível

Uma colega gravida (gravidissima) com diabetes gestacionais estava a sentir-se mal porque não a deixavam fazer uma pausa para ir sequer comer, beber ou à casa de banho

Isto para já não falar das colegas mulheres que estão com o período e chegam a ficar todas sujas porque não lhes permitem ir ‘mudar o penso

Reconheço todas as queixas e ainda acrescento algumas: na loja onde trabalhei, o aquecimento era desligado e só era ligado nos dias em que vinham auditorias à loja

Eu deixo já a sugestão para que a Igreja Católica canonize Belmiro de Azevedo e o ponha no altar! Todos os elogios ao patrão-maravilha podem ser lidos aqui.

domingo, 7 de maio de 2017

Outro tipo de Crise

Via Pinterest

Observava a minha mãe a retirar comida da lata e a dar à gata que teve quatro gatinhos há umas semanas. E teci o seguinte comentário:

"Hoje em dia os gatos comem melhor do que vocês comiam há cinquenta anos. Provavelmente, quem vos dera ter tido tantas vezes dessa comida para gatos para comer quando eram crianças. Fala-se muito de crise agora, mas hoje vivemos outro tipo de crise".