domingo, 22 de dezembro de 2019

As Falsas Necessidades Com Que o Capitalismo Atola as Pessoas em Dívidas

É curioso observar como as coisas têm mudado nos hábitos de consumo e como há coisas verdadeiramente contraditórias. Se por um lado, por alturas do 25 de Abril de 1974 o salário mínimo era, em comparação, maior que os 600€ que temos hoje, por outro lado, ainda por cima cada vez mais há mais despesas que são impingidas e que de repente parece que são imprescindíveis à vida. 

Quando eu era criança, por norma, em cada casa havia uma só televisão e eram raras as casas que tinham telefone. Nos anos noventa já todos os lares tinha televisão a cores e telefone. E as pessoas recebiam três cartas com contas para pagar: água, luz e telefone.



Vinte anos volvidos todas as casas têm agora, não uma mas várias televisões pela casa. Além do telefone, que se passou a chamar telefone fixo, agora todos os elementos da casa têm também o seu telefone portátil, que por cá, estranhamente, se passou a chamar telemóvel (por oposição ao cell phone). Há vinte anos, cada lar, tivesse três, quatro ou vinte pessoas, gastava em telefone uma média de três contos de rei (15€) por mês. Hoje em dia, quase todos os lares pagam para ver televisão (ou para ter internet) e cada elemento do agregado familiar tem o seu telemóvel, que entretanto anda a ficar cada vez mais esperto, mas pouco económico porque o gasto será uma média de 15€ vezes o número de pessoas de cada casa.

Há vinte anos o telefone tinha um aluguer (tal como ainda hoje temos o aluguer do contador da eletricidade e da água) mas não se gastava dinheiro para o substituir. Se avariasse os TLP (empresa pública que os nossos políticos privatizam e os nossos grandes empreendedores empresários trataram de falir) logo se apressavam a substituir, tal como substituíam, gratuitamente, quando os modelos ficavam ultrapassados. As listas telefónicas e as Páginas Amarelas também eram entregues gratuitamente.

Hoje, além de cada pessoa do agregado familiar ter a sua fatura telefónica para pagar, por norma, excluindo pessoas como eu, que os outros acham que vivem numa caverna, têm ainda que substituir, frequentemente, o seu aparelho para telefonar. Pois é, um telemóvel hoje é muito esperto, faz muitas coisas, mas nenhum outro faz e recebe chamadas, não é?

Esta semana, na TSF (rádio que quase deixei de ouvir por causa da publicidade) ouvi um programa - sim, se antigamente era expressamente proibido fazer publicidade às marcas, hoje, por vezes a publicidade é mesmo descarada - e nesse programa falavam dos melhores telemóveis que os pobres poderiam comprar por menos de 500€. Relembro de novo que o salário mínimo português é de 600€!
E a certa altura, a pessoa que apresentava o programa "Mundo Digital" dizia mesmo "Não compre nada abaixo dos 150€. Eu sei que gostaria de poupar uns bons euros mas a verdade é que, mais cedo ou mais tarde, vai arrepender-se", e o que aconselha, no mínimo, é mesmo entre os 200-250€, mas os preços vão, não até ao infinito, mas facilmente até aos 1000-1500€.
Bom, mas seria de esperar que um bom telemóvel que custa mais que um televisor ou um computador (o meu portátil custou 250€) durasse, pelo menos, uns bons anos. Não! Numa rápida pesquisa fiquei a saber que os portugueses trocam de telemóvel, em média, ao fim de dois anos!

E, se há umas quantas décadas as coisas eram feitas para durar, desde as mobílias das casas, os automóveis, a roupa, toda e qualquer geringonça durava que se fartava, com o avanço tecnológico passou-se a programar as coisas para terem um fim certo e ao fim de xis tempo, que por norma é pouco depois do tempo de garantia!, e lá tem que se ir comprar novo que agora não se repara nada e o Ambiente - todos preocupados com o Ambiente não é?, agradece! Acontece que, além da obrigatoriedade de comprar, as coisas agora duram menos tempo e gasta-se mais dinheiro. Mas não só. Temos também uma publicidade cada vez mais agressiva que mete na cabeça das pessoas que não serão felizes se não comprarem, se não tiverem o que todos os outros têm ou se não se comportarem como todas as ovelhinhas imaculadamente brancas, todas iguais, se comportam.

O capitalismo vive de crises sucessivas, para que os pobres fiquem ainda mais pobres, e os ricos fiquem ainda mais ricos. Para se ter noção, estamos hoje em 2019 e o rendimento dos portugueses é, em média, menos 175€ por mês que em 2009! Sofremos uma crise terrível e seria de esperar que as pessoas tivessem aprendido a lição e estivessem mais contidas nos gasto, certo? Não, errado!

"A verdade é que, o número de famílias a bater à porta da DECO por estar com dificuldades financeiras, ele não está a abrandar, pelo contrário, ele está novamente a aumentar. E aquilo que nós verificamos relativamente às famílias que nos estão a pedir ajuda este ano de 2019, estão a fazê-lo muita vezes devido a crédito que já foi contratado este ano ou em 2018. Isto é claramente demonstrativo que as famílias não estão a recorrer ao crédito de forma tão responsável quanto era desejável". (Natália Nunes/DECO)

Concluindo. Com o passar do tempo e com as sucessivas crises do capitalismo, o rendimento disponível das pessoas é cada vez menor. Ironicamente a pressão é cada vez maior para o consumo e as pessoas satisfazem as suas necessidades de escravatura acedendo ao crédito fácil não aprendendo com o passado recente e endividam-se ainda mais. 

5 comentários:

  1. :) Imagine quantos telemóveis é que vão ser oferecidos este Natal para substituir aparelhos que funcionam mas apenas porque existe um modelo mais novo. É uma loucura. Por acaso ganhei o meu num concurso mas sei que não é dos mais caros. É possível que fique bem abaixo dos 100 euros. Já o tenho talvez há 4 anos e espero que dure. Mas eu só o uso para o imprescindível, embora até já lá tenha visto um filme ou outro, não gosto, e nem me sinto bem a escrever nele. Mas existem máquinas mais robustas que servem para muitas funções e quando as pessoas as usam bem é quase como ter um segundo computador mais portátil. O problema é sempre o excesso e o desvario, obviamente. Para mim pagar muito por um telemóvel é algo que nunca me passaria pela cabeça. Seria algo do tipo comprar um Mercedes para levar os putos à escola. Mas muita gente só quer mesmo ter o melhor, e, sobretudo, o mais novo. Só assim é que se sentem realizadas.

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    1. Este Natal e quantos já terão sido comprados, provavelmente até muitos mais na 6a Feira Negra! É de ficar completamente chocado com todo este consumismo com a desculpa do Natal que, ainda por cima e supostamente, celebra o despojar dos bens materiais com a metáfora do salvador ter nascido numa manjedoura!

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  2. Vivemos num mundo onde o consumismo quer ser rei e onde viver de “fachada” é giro, mas só acontece se nós deixarmos.
    Pôr um telemóvel nas mãos de uma criança que frequenta a escola primária não é uma necessidade mas sim um abuso.
    Ter uma televisão em cada divisão da casa é marcar passo para cada um se isolar e assim desfazer a vida de uma família, jantar em família sem televisão e juntar a família para um programa depois, é bem mais saudável .
    Acho que hoje em dia já há novamente pessoas a pensar assim, se bem que por incrível que pareça e por muito que o salário mínimo seja baixo, também é frequente ver pessoas a gastarem quase um salário em créditos pessoais e terem dificuldades e falta de bens essenciais todos os dias.
    Quantas famílias não colecionam na mesma casa computador, portátil, IPad e alguns telemóveis. Uma biblioteca ou até uma inscrição na biblioteca municipal, que fica mais em conta, é mentira, faz trabalhar os neurónios e cansa a mente.
    Vamos pensar que o mundo talvez possa retroceder e viver com os pés mais assentes na terra.
    As novas tecnologias só estão a servir para isolar o ser humano (eu oso dizer que o homem se está a autodestruir). 😕
    Um bom domingo.

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    1. Bom domingo para si também e obrigado pelo comentário ;)

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  3. Vivemos num mundo onde o consumismo quer ser rei e onde viver de “fachada” é giro, mas só acontece se nós deixarmos.
    Pôr um telemóvel nas mãos de uma criança que frequenta a escola primária não é uma necessidade mas sim um abuso.
    Ter uma televisão em cada divisão da casa é marcar passo para cada um se isolar e assim desfazer a vida de uma família, jantar em família sem televisão e juntar a família para um programa depois, é bem mais saudável .
    Acho que hoje em dia já há novamente pessoas a pensar assim, se bem que por incrível que pareça e por muito que o salário mínimo seja baixo, também é frequente ver pessoas a gastarem quase um salário em créditos pessoais e terem dificuldades e falta de bens essenciais todos os dias.
    Quantas famílias não colecionam na mesma casa computador, portátil, IPad e alguns telemóveis. Uma biblioteca ou até uma inscrição na biblioteca municipal, que fica mais em conta, é mentira, faz trabalhar os neurónios e cansa a mente.
    Vamos pensar que o mundo talvez possa retroceder e viver com os pés mais assentes na terra.
    As novas tecnologias só estão a servir para isolar o ser humano (eu oso dizer que o homem se está a autodestruir). 😕
    Um bom domingo.

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