sábado, 14 de dezembro de 2019

Pintainhos Num Caixote Com Um Candeeiro

Cada vez menos me apetece sair da cama de manhã, ainda que nunca tenha precisado de despertador. Se antes da mudança da hora de Outono é a luz que penetra por entre os orifícios do estore que me desperta, agora é o desconfortável entumescimento pressionado contra o colchão que me acorda para aliviar a bexiga. Mas o que apetece é ficar no quentinho da cama e cagar para esta vida de escravidão. Tem sido com cada vez maior sacrifício que lá atiro os cobertores para trás e encaminho-me para o quarto-de-banho para me meter debaixo do chuveiro. É de novo a muito custo que lá fecho a torneira e saio da banheira com os longos cabelos ainda pingar nos pés, e me enrosco na toalha para regressar ao quarto, para aplicar a merda da espuma gélida na psoríase e vestir-me para ir para o pequeno-almoço. E é quando as necessidades básicas estão saciadas que apetece, de novo, voltar para a cama e saciar a necessidade que ainda não está totalmente saciada: o sono. 


É ainda de noite e com as luzes da rua acesas que lá tenho ir à cavalariça, carregar no botão da ignição e acordar o cavalo preto para me levar até à empresa que dista vinte e cinco quilómetros de casa. À hora que nesta altura do ano poderia estar a acordar é a hora a que tenho que começar a trabalhar. Entretanto nove horas depois, à hora que saio da empresa é de novo de noite. Um dia da minha vida, um dia atrás do outro, desperdiçado, fechado todo o dia num caixote de cimento, sem janelas nem luz natural. Dias e dias perdidos sem sequer ver sequer a luz do dia.

E de repente lembro-me de quando era criança e via os pintainhos em caixotes de cartão com a luz de um candeeiro por cima, para os aquecer. Estamos no século XXI e a vida dos seres humanos é igual às dos pintainhos. Dias passados dentro de grandes caixotes, não de cartão mas de cimento e iluminados por luz artificial, cumprindo uma função estúpida e desperdiçando as suas vidas enclausurados. 

2 comentários:

  1. Hoje acordei às 6 horas e já não dormi. Às 8 já estava a pé...Custa-me acordar com dias escuros e que o final do dia seja anunciado também com pouca luz bastante cedo. Se chove tudo piora. E tudo melhora no verão. Se tivesse de ir viver para países mais a norte morria. Ainda que digam que a gente a tudo se habitua. A rotina do trabalho não é lá muito gloriosa, não.É o que temos de fazer. Herdamos isso. Pode ser que daqui a gerações seja diferente. Dizem que no futuro haverá menos trabalho, semanas de 4 dias de trabalho...mas não sei o que isso poderá significar ao certo. São tudo especulações. Para mim, o ideal seria o meio-tempo de trabalho. Se pudéssemos ganhar o suficiente assim, isso seria óptimo.Assim resta-nos ser pintainhos e às vezes nem lâmpada.

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    1. À medida que vamos envelhecendo não precisamos dormir tantas horas. Mas enerva-me sair de noite de casa e chegar de noite a casa, sem ver a luz do dia, sem apanhar sol. Que as coisas vão melhorar já se dizia nos anos oitenta. Que os computadores iam substituir as máquinas de escrever e nem papel ia ser preciso; que íamos trabalhar menos horas. Tudo mentiras. Cada vez temos menos tempo para nós, cada vez os impostos são maiores e os salários mais baixos. Trabalhamos para comer e pagar contas. Tempo livre de qualidade que é bom nem vê-lo. E por cá nem a merda das 35H semanais para todos nos deram. O peso da escravidão sente-se mais no Outono/Inverno...

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