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quarta-feira, 14 de maio de 2025

Conversas Improváveis (86) - Mãe-de-Sete



No trabalho, um dos colegas vira-se para a colega que está sentado ao meu lado: 

"A tua mãe..." 

Ao mesmo tempo, o outro colega ouve um programa de finanças pessoais, em que uma mulher questiona o apresentador e autor do programa sobre a forma como tem aplicado o seu dinheiro, e usa uma linguagem cheia de anglicismos modernaços  

No segundo seguinte à pergunta do colega "A tua mãe..." eu interpelo:

- A tua mãe-de-sete? 

(sou muito sério e saturnino - culpem o mapa astral - há que confessar que, às vezes, ainda que muito raramente, sou tão engraçado!)

domingo, 7 de janeiro de 2024

Amar o Trabalho é Abraçar a Nossa Escravidão - Mais Glamour e Menos Salário

Tema extremamente interessante sobre as novas formas como as empresas, continuando a explorar e pagar mal aos trabalhadores, os seduzem a amar onde estão e o que fazem. Artigo de Juan Boix (escritor e professor de Filosofía e da Cultura na Universidade Complutense de Madrid) publicado no El País a 7 de Janeiro de 2023



Amar o trabalho é abraçar nossa submissão. As empresas comprovaram que cuidar do vínculo com o trabalhador aumentava a produtividade. É por isso que eles tentam nos seduzir de modo que a esfera do trabalho se confunde com a vida

Conheci a N. numa aplicação de encontros. Passeamos por Alicante à procura de uma pizzaria e conversamos sobre as nossas ocupações. N. estuda Belas Artes e trabalha num outlet de roupa desportiva. Ela conta-me que o seu trabalho é um pouco aborrecido, mas que coloca música nos auscultadores e as horas passam. E depois continua com desconcerto: as suas colegas estão encantadas com a empresa. Tem valores verdes e feministas, oferece-lhes um desconto em toda a loja e recompensa-as com um bónus se trabalharem a um bom ritmo. Um cocktail de ética verde, competição e chantagem consumista torna encantador um trabalho mal remunerado que consiste em empilhar caixas de sapatilhas para fazer exercício e ficar em forma para empilhar mais caixas de sapatilhas. Não imaginava encontrar, numa única tarde, semelhante desfile de sedução.

Paul Lafargue escreveu em "O Direito à Preguiça" que todas as misérias das sociedades capitalistas tinham uma única causa, e essa causa é o amor ao trabalho. Lafargue não se refere à ganância ou à inveja, mas à paixão desenfreada que os próprios trabalhadores sentem pelas suas ocupações. Assim, situava a fonte das nossas fadigas na esfera da reprodução social, uma mudança de perspetiva que nos permite questionar o trabalho a partir do afeto e da sua economia libidinal: como aprendemos a amá-lo? Quem o tornou tão atrativo, tão estranhamente edificante? Por que razão os nossos trabalhos nos deslumbram com uma retórica de vida boa quando só impedem isso, saturando com as suas exigências todos os tempos, todos os afetos, todas as capacidades que temos?

No seu livro "Intimidades Congeladas", a socióloga Eva Illouz fala-nos das experiências Hawthorne, desenvolvidos por Elton Mayo na Chicago dos anos vinte. Os resultados revelaram que a produtividade não aumentava tanto com uma melhoria das condições materiais do local de trabalho, mas prestando atenção aos operários. Mostravam que o cuidado de um vínculo afetivo entre trabalhador e empresa era uma chave para o sucesso e uma exploração tão sofisticada quanto desconhecida. A partir desse momento, avalia Illouz, o estilo empresarial e a gestão começaram a revolucionar-se, e as empresas dedicaram-se a investir nas obscuras artes da sedução: encheram-se de psicólogos e coaches ontológicos, transformaram o seu ambiente num espaço sinistramente amigável, empunharam as bandeiras da ajuda humanitária. O que Mayo descobriu nos anos vinte, o filme "Monstros SA" ensinava-nos em 2001: as paixões alegres geram muito mais energia do que o medo.

Não importa que trabalho tenhas, qualificado ou não, manual ou intelectual, sedentário ou nómade. Não importa se empilhas caixas ou ensinas álgebra, o trabalho tentará sempre seduzir-te, confundindo-se com a tua vida, com a sua crença, com os seus valores, com os seus anseios. A chave da servidão já não está em governar o corpo com várias disciplinas, como nos tempos do capitalismo industrial, mas em governar as almas, ou seja, governar o desejo. Trata-se de envolver completamente o sujeito no comportamento que deve seguir, como explicam os pensadores Christian Laval e Pierre Dardot, de relativizar a rigorosa fronteira entre lazer e negócio em favor do capital. O amor ao trabalho denunciado por Lafargue, em suma, é uma versão contemporânea do que La Boétie chamou de servidão voluntária: amar o trabalho é abraçar a nossa submissão.

Se atentarmos para o que o sociólogo Renyi Hong explica em "Passionate Work", essa gíria do entusiasmo conta com dois traços essenciais. O primeiro é uma armadilha ideológica: devemos ser felizes e viver bem apesar das dificuldades económicas. O segundo passa por reconhecer que a paixão pelo trabalho não é apenas um sentimento, mas uma estrutura afetiva: as formas contemporâneas do trabalho tornaram-se ao mesmo tempo mais desejáveis e mais exploradoras, de modo que nos pedem para seguir os nossos sonhos precisamente para combater os problemas económicos. A paixão pelo trabalho é mobilizada como um escudo, um meio de atenuar o esgotamento psíquico da incerteza económica e da escassez de rendimento. Assim, o trabalho deixa de ser um espaço de exercício da virtude ("o trabalho dignifica") para ser interpretado em termos de compensação psicológica ("não reclames, trabalhas no que gosta"): oferece-nos mais glamour e menos salário, disfarça a precariedade com as vestimentas da aventura, chama de flexibilidade à disponibilidade absoluta. A realização pessoal prometida é uma exigência velada de não parar de trabalhar, de nos tornarmos emocionalmente dependentes da nossa ocupação. Estamos diante de uma nova cultura das emoções onde estar motivado é sinónimo tanto de alto desempenho quanto da ausência de qualquer questionamento crítico.

O que quero dizer, explica-me N. com uma fatia de pizza na mão, é que às vezes temos que nos proteger do que desejamos, como clamava a artista Jenny Holzer nos seus letreiros luminosos. Ou, pelo menos, temos de estar cientes de como desejamos, do que damos quando amamos: já que temos de vender a nossa alma para pagar o aluguer e os carboidratos, vendamo-la um pouco caro. Se os ensinamentos do nosso coração sobre a vocação e suas fanfarrices nos levaram a estar submetidos em nome da liberdade e da paixão, a dissidência consiste em perguntarmos se podemos amar de forma diferente, se podemos transformar a maneira como desejamos para boicotar assim a cultura das emoções profissionais.

E o certo, felizmente, é que não estamos sozinhos neste aprendizagem do desamor. Onde parecia ser necessário trabalhar 10 ou até 12 horas, a greve de La Canadiense mostrou-nos, em 1919, em Barcelona, que bastava trabalhar oito, e hoje entendemos que é suficiente com 32 horas semanais. Onde parecia que as mulheres tinham que se dedicar ao lar e que o seu trabalho não era trabalho, mas o tributo devido ao seu amor, as greves feministas que começaram na Argentina em 2016 criticaram a divisão sexual do trabalho e deram visibilidade àquela maioria silenciosa que se desdobra em casa e não recebe salário.

Na segunda metade de 2021, cerca de vinte e cinco milhões de americanos deixaram os seus empregos: queriam uma vida com menos reputação e mais saúde mental, disse-se. O fenómeno foi apelidado de "A Grande Renúncia", e embora tenha durado muito pouco, aspirava a inaugurar o que o The New York Times chamou de "a era da anti-ambição". As greves na França na última primavera contra a reforma das pensões levantaram-se para reivindicar que a vida está noutro lugar, para além da meritocracia. Todas estas são histórias de desamor, mas de desamor bom: ensinam-nos a desapaixonar-nos do trabalho. Lembram-nos que a nossa relação tóxica com o nosso emprego não é incondicional, incentivam-nos a viver e amar de outra maneira. Porque não é amor. O que sentimos chama-se obsessão.

Apenas quando o proletariado se desapaixonar e disser "eu não quero", todas as misérias capitalistas se dissiparão, promete Lafargue. Apenas desapaixonando-nos do trabalho poderemos direcionar nosso desejo para inventar uma vida boa. Não voltei a ver N., creio que agora vive em Bilbau. A pizzaria fechou na semana passada por falta de pessoal.

"Amar el trabajo es abrazar nuestro sometimiento" |  Juan Evaristo Valls Boix (escritor e professor de Filosofía e da Cultura na Universidad Complutense de Madrid) | El País 7 de Janeiro de 2023

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

A Minha Vida é uma Paródia



Num destes dias desta última semana que passou ria-me, quando, vestido com o equipamento da seleção de ténis-de-mesa, seguia em direção ao trabalho, ao volante do meu bólide de 1995 que nem direção assistida ou vidros elétricos tem, a ver a série da RTP que todos falam: Pôr-do-Sol. 

E para tornar as coisas ainda mais bizarras levava uma bíblia comigo para entregar a um colega de trabalho, e que me tinha custado 1€ na visita a um armazém com centenas de livros, todos à venda por um euro cada fosse qual fosse o livro. 

Bom, não é sempre, mas, por vezes, a minha vida é uma verdadeira paródia quase saída dum filme de Chaplin ou Jacques Tati. E, obviamente, que isso me diverte!

sábado, 4 de junho de 2022

Conversas Improváveis (68): do Ombro Amigo à Mama Amiga


 Conversa no trabalho. Relações e infidelidades. 

Fazendo só um parêntesis para contextualizar os seguidores-fantasma do blogue que teimosamente ainda resistam em ler o que se passa por aqui, dizer que, depois de sete anos a trabalhar numa empresa que se chama "Terra-Mãe", acabei por não sobreviver à crise dos sete anos e ter mesmo que sair, eu e toda a gente (menos a colega mais velha na empresa) e então, desde o início do ano, estou a trabalhar num outro lugar que se chama "Voz-Calma". Obviamente que sim, só aceito trabalhar em empresas que considere que tenham um nome sonante, que se enquadre no meu perfil, caso contrário rejeito de imediato!

Um dos colegas é da minha opinião. Não há lugar mais propício às infidelidades que o local de trabalho. Eu sempre o disse e por aqui também terei escrito. Esqueçam as redes sociais. É no campo fértil do trabalho, muitas vezes com largas dezenas ou até centenas de trabalhadores, mas também até só com meia dúzia de colegas, como no meu anterior emprego, as coisas dão-se. 

Deu-se com pessoas que conheço e deu-se comigo mesmo por isso sei do que falo por experiência própria. Onde houve pessoas a conviver dia após dia após dia é muito mais fácil passar-se do trabalho para o quarto do Hotel ou para a minha casa ou, se quiseres, na tua. Não dizem que os Moteis estão cheios à hora de almoço? Certamente para a sobremesa ou para melhor fazer a digestão!

Quando trabalhei na Nokia, que é uma cidade viking da Finlândia, eu bem ia vendo namoros acontecer e acabarem. A colega do atendimento numa semana chegar ao trabalho com um colega, na semana seguinte chegar com outro. Infelizmente nesse mapa de turnos rotativos não fui incluído, mas alguma coisa de especial aquela colega deveria ter tal era a atração que provocava, mesmo nos colegas casados. 

E depois, como disse à minha nova colega que assinou contrato no mesmo dia que eu e que tem idade para ser minha filha (e eu ainda não percebi como de repente sou a pessoa mais velha numa empresa!) tudo é muito lindo aqui entre nós. Damo-nos bem, rimos, dizemos piadas, encomendamos comida, é fixe criar uma boa empatia entre todos. Contudo, com o teu namorado, e por mais que gostes dele, tens que lidar com todas as coisas menos boas. Mas se um dia o deixares por aquele colega de trabalho que está sempre ali, que é simpático e te trata bem, mais à frente perceberás que tudo voltará ao que era com o teu ex-namorado. (De repente já nem sei se estava a falar com a minha colega de trabalho ou se viajei no tempo para falar com a minha primeira ex-namorada que me trocou por um colega de trabalho...)

Entretanto e porque reforcei que o importante é cada casal ter as suas regras e ver o que funciona para si, lembrei uma conversa que tive com uma pintora que conheci no Tinder e que me disse que não levaria nada a mal se o companheiro, e só porque teve uma vontade momentânea, decidiu ir com alguém dar uma valente trancada. Porque são instintos e foi uma coisa do momento e isso é perfeitamente aceitável. Agora registar-se numa cena qualquer e andar à procura de alguém, isso seria traição e seria impensável. Interessante como diferentes pessoas têm diferentes pontos de vista sobre as relações. 

Mas mais importante, foi a frase que ficou, rematada pelo meu colega sobre as relações de amizade no local de trabalho. Tomem nota:

"Do ombro amigo à mama amiga é um pequeno passo".

domingo, 12 de dezembro de 2021

Por Isso é Que o Trump Nunca Teve um Blog ou Não Há Ócio Que Não Dê em Negócio

https://www.pikist.com/

Depois de quase sete anos de outra coisa qualquer,  2021, que está agora a acabar (e parece que ainda foi ontem que tantos suspiravam em 2020 por um novo ano que findasse com a pandemia, e ainda tanta pandemia temos pela frente) tem sido um ano de mudanças para mim.

Nem que seja só nas rotinas. 

Sempre que algo acaba há necessariamente algo que muda, nem que seja nas rotinas. Todas essas rotinas de levantar e rumar a um determinado destino e estar 8h com determinadas pessoas e passamos a ter outras rotinas, nem que seja deixar de ter rotinas e ficar um pouco mais na cama ou fazer uma sesta depois de almoço. E tão bem que me soube fazê-la durante uns meses. 

Há um ditado que diz "põe-te a dormir que depois comes do sono". Como quem diz "não te mexas e espera que as coisas venham ter contigo".

Mas a verdade é que as coisas acabaram mesmo por vir ter comigo, sem eu mexer uma palha. E, de um dia para o outro, ainda que mais ou menos temporariamente, a minha vida deixou de ter quase todo o tempo livre para fazer o que me apetecesse, para passar a trabalhar de segunda a sábado. Acabou-se o bem bom do ócio para vender o meu tempo livre. 

E basicamente é isto. Ultimamente a minha vida resume-se a trabalhar e treinos de ténis-de-mesa, duas vezes por semana, quase sempre sem tempo, mas, principalmente, sem vontade, daquela falta de vontade tantas vezes transformada em "dores de cabeça", para parar um pouco e escrever aqui no diário, as minhas lamentações. Porque escrever um texto, por pequeno que seja, exige bem mais do que partilhar uma frase no Twitter. E por isso é que o Trump escrevia uns 25 tweets por dia mas nunca teve um blogue (e eu até tenho três).

domingo, 12 de abril de 2020

Cuidado Com O Que Se Deseja

https://www.saatchiart.com/parvinnabati
Os sinais estavam lá e os cães de Pavlov percecionaram-nos. Um novo Setembro se seguiu e tudo se repetiu. E talvez porque as crianças precisem de se entreter para que não fiquem aborrecidas, então, em vez de tirarmos uma sesta depois de almoço, em vez disso havia filmes. É verdade que sempre tínhamos que passar o tempo de alguma forma, mas eu sempre achei que faria mais sentido ficar em casa, do que ir todos os dias para o trabalho  ficar simplesmente à espera que as nove horas passassem.

Talvez seja do cair da folha. Eu por exemplo ficava sempre muito mal em Setembro. Talvez também haja qualquer doença que dá nas empresas por essa altura do cair da folha. Não sei. Mas o que sei é que desta vez não houve as necessárias explicações. Afinal, já todos tínhamos passado pelo processo, não é? Acho que deve ser mais ou menos como quando o marido (ou esposa) trai o respetivo e, depois de perdoado, quando o voltar a fazer, não deve sentir qualquer necessidade de voltar a contar. Para quê? Uma vez corno, corno para sempre não é? Então falar para quê?

Depois da prolongada chuva deste Inverno (e já ninguém se lembra que tivemos cheias este Inverno, pois não? Nem que o Trump mandou assassinar o Soleimani e vinha aí a terceira guerra mundial no início do ano, ou que em Portugal os média descobriram que afinal a Isabel dos Santos não é uma empreendedora mas sim uma grande ladra, não é?) mas, depois das chuvas do Inverno vinha aí a Primavera. E eu tenho sempre tanto para fazer no jardim.




E se há coisa que me chateie mesmo é, no Inverno, todos os dias, ter de sair de casa ainda de noite para ir trabalhar e quando regressar ser novamente noite. Tanta vida lá fora desperdiçada. Nem sequer nos apercebemos da mudança das estações.

"Se ao menos agora ficar desempregado..."

Mais valia que tudo isto se decidisse de uma vez por todas. Ou sim ou sopas. Ao início é o choque. Se a empresa fechar lá vem o fantasma do desemprego para nos assombrar. O processo de andar todos os dias a ver anúncios e mandar currículos e ir a entrevistas e aparar a barba e vender-mo-nos o melhor possível como putas nos classificados dos jornais. Mas depois começamos a relativizar. É assim com tudo. Criam-se defesas. Não há-de ser o fim do mundo.

Mas o tempo passa. Um ano, dois anos, três anos. Tudo continua na mesma. Nem fode nem sai de cima. Os anticorpos avançam e a vontade de seguir um novo rumo já é muito superior ao medo da incerteza. E a Primavera está quase a chegar e os dias vão ficar maiores. E eu tenho sempre tanto para fazer no jardim.

Eu não acredito propriamente no que diz o Paulo Coelho no Alquimista, que o universo conspira a nosso favor para concretizar os nossos desejos. Ainda por cima porque há tantos desejos contrários, de tantas pessoas diferentes, que o universo iria ficar completamente baralho acerca de quem conspirar a favor.

Mas a verdade é que eu secretamente, desejava ficar por casa nesta Primavera. E o universo lá me fez a vontade. Eu só acho é que não seria era necessário lançar uma pandemia mundial só porque eu tenho tanto que fazer no jardim, mas tudo bem. De qualquer forma eu já aprendi a minha lição. É preciso muito cuidado com o que se deseja.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Quantos Anos é Preciso Trabalhar Para Compensar uma Licenciatura?

"O homem pode amar o seu semelhante até ao ponto de morrer por ele; 
mas não o ama tanto que trabalhe em seu favor." 
(Proudhon)

heraldsun.com.au/
Nesta sociedade, todos nós que vimos ao mundo somos obrigados a trabalhar para podermos sobreviver. Vamos para a escola e lá passamos muitos anos, uns mais do que outros, quer pelas diferentes capacidades de cada um, quer muitas vezes pelas possibilidades socio-económicas que os nossos progenitores têm, em poder, ou não, de nos proporcionar os estudos e mais concretamente ainda os estudos universitários. 

Desde criança que ia ouvindo dos adultos que se quisesse ser alguém na vida (seja lá o que isso queira dizer) que teria que estudar, ou então, em alternativa, ir acartar baldes de massa (só porque nasci com um pénis).

Ninguém dizia às crianças "estuda para seres culto e saberes muitas coisas" ou "vê se te esforças na escola para aprenderes e não seres um ignorante". No fundo as crianças passarão longos anos a fio nas escolas, e mesmo durante a vida adulta, para serem treinados para o trabalho e em função disso terem expectativas melhores ou piores na retribuição salarial. E muitas vezes escolhe-se em função disso, das expectativas salariais, porque sinceramente, eu duvido que haja tanta gente com vocação para medicina!

Quando eu era miúdo, ouvia muito falar na quarta classe, que eram os estudos que a maioria da população tinha, e ouvia também falar no "quinto ano" ou então no "sétimo ano", que já era uma coisa importante! Mas aos poucos e poucos a sociedade portuguesa foi mudando e os estudos e os empregos também. Se quando eu era criança a grande parte das mulheres ainda ficava em casa a cuidar da casa e dos filhos, nas últimas décadas já trabalham homem e mulher e chegados ao fim do mês muitas vezes não há dinheiro para se pôr de lado. 

Entretanto os estudos obrigatórios passaram para nove anos e de nove para doze anos (apesar do CDS ser contra). Os primeiros nove, segundo ouço falar, são agora quase de passagem obrigatória, e os doze são, se calhar a nova quarta classe. Cada vez mais os alunos vão para as universidades, e longe vão também os tempos em que as meninas ficavam em casa a aprender a bordar, e são agora elas que enchem mais as universidades. Aconteceu também o processo de Bolonha, as licenciaturas estão mais curtas, e entretanto investe-se mais em mestrados e doutoramentos que, de facto, depois compensam realmente mais do ponto de vista salarial. 

Só que, fruto de todas estas mudanças, e da recente crise que implicou a última vinda do FMI a Portugal, os salários praticados vêm sendo nivelados muito por baixo, e a crise serve de desculpa para se pagar menos e os patrões embolsarem ainda mais. E já não há vergonha para se oferecerem salários mínimos, ou pouco mais que mínimos a licenciados. E depois temos ainda o problema da falta de empregabilidade, ou seja, o jovem adulto passa três, quatro ou cinco anos na universidade, para depois ir dobrar roupa para uma loja ou estar na caixa de um hipermercado. 

Diz-se que em Portugal ainda é dos países onde mais compensa fazer fazer um curso superior visto que o salário mínimo é miserável. Mas, vamos lá ver uma coisa: quantos anos é que um jovem licenciado tem que trabalhar para compensar ter passado cinco anos a estudar a mais?

Vamos fazer umas pequenas estimativas. Segundo alguns estudos, o salário base anual dos recém-licenciados, no primeiro emprego, situa-se entre os 13 280 euros e os 17 856 euros anuais, ou seja, mais coisa menos coisa mil euros.

Vamos então supor o seguinte. Um jovem com o 12º anos, começa agora a trabalhar e nos primeiros cinco anos tem um vencimento médio de 700 euros. Ao fim de cinco anos ganhou cerca de 50 mil euros. Já o jovem que foi para a universidade, e que por lá estará durante cinco anos, vai pagar propinas, muitas vezes terá que pagar o aluguer de um quarto e todas as despesas inerentes ao estudo, como manuais, material, etc.

Se daqui por cinco anos o jovem que se ficou pelo 12º ano terá ganho cinquenta mil euros, o recém licenciado só daqui por cinco anos ganhará o seu primeiro salário (sim, é verdade que entretanto poderá fazer uns biscates, mas esse dinheiro será para sustentar os seus estudos). Fazendo as contas sem aumentos salariais será então assim:

Daqui por seis anos e seguintes:

                                  58.800    /    14.000
                                  68.600    /    28.000
                                  78.400    /    42.000
                                  88.200    /    56.000
                                  98.000    /    70.000
                                107.800    /    84.000 
                                117.600    /    98.000
                                127.400    /  112.000
                                137.200    /  126.000
                                147.000    /  140.000
                               156. 800    /  154.000
                                166.600    /  168.000
                                   
Respondendo, um licenciado que fique cinco anos na universidade, com estes valores estimados que introduzi, precisa de dezassete anos para ultrapassar o rendimento obtido por um aluno que se ficou pelo secundário.

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Já Que se Fala Tanto em Ambiente e Produtividade...

Agora não se fala de outra coisa. É Ambiente para cá ambiente para lá, são as palhinhas e beatas, mas falemos de coisas verdadeiramente importantes: e se experimentássemos trabalhar só quatro dias por semana? 

Sim senhor António Costa, em vez de proibir a entrada de carros anteriores a 2000 na cidade de Lisboa (como fez quando era presidente da câmara) medida simbólica e que apenas descrimina as pessoas que não têm rendimentos para terem carros mais modernos, diga-me lá,  quanto é que representaria retirar 20% por semana, dos mais de um milhão de carros que todos os dias circulam só em Lisboa e Porto?

Ah, mas ó Konigvs, e quanto é que isso custaria às empresas, tadinhas das empresas...

Falemos então de produtividade. Senhor empresário: interessava-lhe ter um aumento de 40% produtiviade na sua empresa?

Então atente no seguinte. Ontem o The Guardian trouxe uma reportagem muito interessante. Então não é que a Microsoft testou uma semana de trabalho de quatro dias em seus escritórios no Japão e descobriu que os funcionários não eram apenas mais felizes, mas também significativamente mais produtivos?



Durante o mês de Agosto, a Microsoft experimentou um novo projeto chamado Work-Life Choice Challenge Summer 2019 (qualquer coisa como Trabalho-Vida Desafio-Escolha 2109) oferecendo a todos os seus 2300 trabalhadores as cinco sextas-feiras seguidas sem diminuir os salários.

"Trabalhe por um curto período de tempo, descanse bem e aprenda muito", afirmou o presidente e CEO da Microsoft Japão, Takuya Hirano, em comunicado ao site da empresa. "Quero que os funcionários pensem e experimentem como podem alcançar os mesmos resultados com 20% menos tempo de trabalho."

Então não é que além do aumento da produtividade, os trabalhadores tiraram ainda menos folgas durante o teste, o uso de eletricidade caiu 23% no escritório e imprimiram menos 59% páginas de papel?

Já um estudo publicado pela Harvard Business Review mostrou que, dias de trabalho mais curtos, diminuindo as oito horas de trabalho para seis horas, aumentam a produtividade. Outro estudo realizado em 2018 com 3000 trabalhadores descobriu que metade dos trabalhadores achava que poderia fazer o seu trabalho em cinco horas por dia.

Então, e até porque também não se pode fazer tudo de uma vez, e visto que os políticos querem tanto proteger o Ambiente (nem dormem de noite a pensar no Ambiente!) mas querem também captar votos, porque raio o governo não começa por dar o primeiro sinal, reduzindo o horário de trabalho dos trabalhadores do privado, tornando igual o que neste momento é desigual em relação aos trabalhadores do Estado? 

E depois por que é que a União Europeia não coloca um horário de trabalho igual em todos os países da zona Euro e reduz definitivamente a semana de trabalho para quatro dias?

terça-feira, 29 de outubro de 2019

De Onde Vem a Palavra Trabalho?



O que é trabalhar? 

Na coluna "Ainda ontem" do Miguel Esteves Cardoso no Público intitulada "Sai-nos do couro", ele explica-nos que trabalhar vem do latim tripaliare que significa torturar alguém no tripálio. Ou seja, antigamente ao torturado dava-se o nome de escravo, depois servo ou criado, mais recentemente ao escravo deu se o nome de empregado ou trabalhador. Mas como convém higienizar as palavras, a novilingua contemporânea passou a usar o termo "colaborador", dando ao escravo atual a falsa ideia de liberdade, afinal, os escravos colaboram, como quem diz, que é só quando lhes apetecer, logo não são escravos forçados! E a verdade é essa, o escravo de hoje é muito diferente do que era torturado no tripálio. O escravo do século vinte e um vive livre numa prisão...

... e agora em seguida podem ler a frase de Huxley que está por baixo do título deste blogue. 


terça-feira, 24 de setembro de 2019

Não Trabalhar a Partir de Casa




Já não é de agora que há pessoas que trabalham a partir de casa. Não precisam deslocar-se para a empresa. Muitas podem até mesmo trabalhar a partir de qualquer sítio.

E eu agora estava cá a pensar com as minhas barbas... 
Quer dizer...
Eu levanto todos os dias cedo. Vou para o banho e tomo o pequeno-almoço, meto-me no carro e faço cinquenta quilómetros a poluir o ambiente num carro a gasóleo, para depois basicamente ficar na empresa à espera da hora de sair, nove horas depois. 

- Será que não dá para não trabalhar a partir de casa?

sábado, 2 de março de 2019

Dúvida Existencial (6) - Trabalhadores do Porto e Trabalhadores de Lisboa

Via Pinterest

A meio da semana estive a trabalhar perto de Lisboa. A dado momento, a pessoa que estava a trabalhar comigo (subcontratado e que não é da minha empresa) dizia-me que, uns dias antes, tinha estado a trabalhar na Exponor com pessoal de Lisboa, e que, não tinha nada a ver a forma deles trabalharem. Segundo ele, eles não fazem metade de nós.

Depois do nosso trabalho feito, e de, visivelmente, o cliente estar satisfeito, comentou-se o facto de ficado muito agradado com o nosso trabalho, e falou-se, de novo, também nisso, de ser normal ficarem muito satisfeitos com o pessoal do norte, porque nós somos muito mais trabalhadores do que a malta de Lisboa, em que o trabalho não é para se fazer, é para se ir fazendo. 

Mas isto deixou-me a pensar com as minhas barbas:

"Oh pá, então se nós no norte somos assim tão bons trabalhadores, tão espetaculares, e ainda por cima o pessoal do Lisboa pede licença a uma mão para mexer a outra, então porque será que nós no grande Porto ganhamos, genericamente, bem menos que o pessoal de Lisboa?

Quer-me parecer que se calhar aqui no grande Porto deveríamos era começar a fazer menos, para ver se os nossos patrões nos aumentavam, para ganharmos, pelo menos, tanto como a malta de Lisboa. 

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Trabalhadores Pseudo-Dedicados

"Um estudo conduzido no Reino Unido pela Ashridge, da Hult International Business School, uma faculdade de gestão, concluiu que em 28 empresas existem colaboradores que parecem ter um elevado grau de empenho, parecendo sempre muito ocupados, quando na realidade trabalham pouco e prejudicam a produção coletiva, noticia a BBC.

Estes trabalhadores, que a equipa de pesquisa batizou de “pseudo-dedicados” caracterizam-se por se saberem vender bem, promovem-se em reuniões de equipa e têm a tendência de se juntarem às conversas que lhes convém, no local de trabalho. Por isso, são normalmente encarados como colaboradores “altamente dedicados”. (Jornal Económico)

Conheço-os bem. Todos conhecemos não é? Todos, vírgula, pois na verdade, só um bom trabalhador pode identificar um trabalhador pseudo-dedicado. Quando um pseudo-dedicado está na presença de outro pseudo-dedicado o mundo deles é aquele, são ambos espertos, os outros, os verdadeiros bons trabalhadores é que são uns otários.

Na imagem abaixo vemos um exemplo do trabalhador pseudo-dedicado. Mal o patrão ou a chefia abriu a porta ou ficou num ângulo em que o possa observar, ele ataca furiosamente o teclado:



Mal o chefe ou o patrão vira costas e o trabalhador pseudo-dedicado lá volta à sua rotina de fazer o menos possível. Não há como dizê-lo doutra forma. O trabalhador pseudo-dedicado é um especialista, especialmente na arte de não fazer um caralho! Mas aparenta, sempre, logicamente quando as chefias estão por perto, muita pró-atividade e dinamismo! Está sempre preocupado com a empresa! O trabalhador pseudo-dedicado passa o dia a consultar páginas da internet que não era suposto, de telecrã na mão a atualizar a rede social mas, subitamente, quando alguém se aproxima, rapidamente comuta para o que era suposto estar a fazer. Só que por vezes é lento, e quando a porta abriu lá vemos aquela comutação de janelas tããããão lenta! Acho que há trabalhadores pseudo-dedicados que deveriam fazer um curso para pseudo-dedicados, para se tornarem mais rápidos na arte  invisível de mudar de janela sem ninguém se aperceber!

O trabalhador pseudo-dedicado tem um ego imenso. É o maior. Não há ninguém como ele. Os outros é que são uma merda. Ele é que trabalha muito e os outros é que não fazem nenhum. São super despachados, principalmente a despachar o seu trabalho para os outros! Mas quando entram mais pessoas para a empresa "no tempo deles é que era"! Sozinhos faziam o trabalho de três ou quatro pessoas! Eu nem quero imaginar como seria!

O trabalhador pseudo-dedicado é especialmente dedicado na arte da coscuvilhice. A informação é poder, logo, há que se fazer amigo de toda a gente, ou, no mínimo, tentar parecer amigo de toda a gente, estar sempre em cima do acontecimento, ter o máximo de informação para se conseguir sempre antecipar ao que irá acontecer. Por exemplo, se há uma auditoria ou um trabalho mais chato de se fazer, convém antecipadamente saber a data, para que, com tempo se elabore uma estratégia de fuga, de fugir com o rabo à seringa! Porque a verdade é essa, o pseudo-dedicado é muito esperto, principalmente na arte de fazer o menos possível da forma mais rápida possível, nem que para isso tenha de atalhar caminho e deixar tudo mal feito!

Só que, infelizmente, não se consegue enganar toda a gente ao mesmo tempo. Há ângulos de visão diferentes e, aos poucos, estes pseudo-dedicados começam a ser apanhados nos seus estratagemas. E nós, os trabalhadores comuns, até fazemos de conta, mas por favor, não insultem a nossa inteligência ou os nossos ouvidos! Eu estou-me a cagar se os pseudo-trabalhadores não fazem um caralho! Não sou eu que lhes pago o salário! Eu não sou polícia, quem paga que abra os olhos, se quiser. Mas já me incomoda um bocadinho, quando vejo certos espertinhos a picar o ponto depois de almoçar, ficando assim com quase meia hora de almoço que eu. Contudo, também não me estou a ver no papel de queixinhas. Incomoda-me e revolta-me, mas, o papel de queixinhas está reservado aos pseudo-dedicados. No entanto, quando elas tiveram que sair, certamente que sairão.

Mas como os pseudo-dedicados gostam de mostrar que se preocupam muito com a empresa, passam a vida a enviar e-mails às chefias. A fazer queixinhas, a mostrar como os outros é que são maus trabalhadores, para que eles passem pelos pingos da chuva. Daí que seja normal ver um pseudo-dedicado chegar a chefe. Porquê? Porque um chefe não tem de trabalhar como os outros, só tem que mandar os outros fazer!

Por isso, muito cuidadinho com risinhos e palmadinhas nas costas. Pode ser só um trabalhador pseudo-dedicado a espetar-te uma faca nas costas. 

domingo, 18 de novembro de 2018

A Fidelidade Laboral Não Compensa - Queres um Aumento? Muda de Emprego!



Ser "fiel" para com a entidade patronal não compensa. Minimamente. Vamos ficando porque nos sentimos bem, porque estamos confortáveis, mas não somos valorizados naquilo que mais interessa, que é a retribuição do nosso trabalho ao fim do mês, porque palmadinhas nas costas não compram bens no supermercado para comermos. E a larga maioria dos trabalhadores trabalha porque precisa, não trabalha porque gosta do que faz. E os anos passam (e eu que o diga) e aumentos salariais nem vê-los. 

Por outro lado, quem está empregado e muda de emprego é logo valorizado à cabeça. 
- Não é estranho isto?
Valoriza-nos mais quem não nos conhece, que aqueles para quem trabalhamos há anos e que sabem que desenvolvemos um bom trabalho. E se calhar é assim em tudo na vida. 

Portanto, se queremos ser valorizados e receber um aumento salarial só temos uma solução: mudar de empresa. Não podemos esperar que sejamos valorizados pelo bom desempenho, temos simplesmente procurar quem nos valorize mais. Isto é um concelho que eu mesmo deveria seguir. Porque não o fazemos? Isso são outros quinhentos. 

sábado, 3 de novembro de 2018

O Evangelho da Riqueza

"A santificação da propriedade privada e a conversão de qualquer valor mercantil têm por consequência a profunda desumanidade da classe dirigente, o seu desprezo pelo homem, a maior parte das vezes mascarado sob as aparências de uma falsa filantropia, mas então exibido cinicamente. Os homens são julgados pela sua força de trabalho e considerados como simples instrumentos. As relações humanas são vazadas de qualquer conteúdo que não seja utilitário e o trabalho de um assalariado pode ser comparado a qualquer mercadoria: "O trabalho como farinha ou o tecido de algodão, deveria ser sempre comprado ao preço mais baixo e vendido ao preço mais alto". A regra que comanda a retribuição dos operários ("qualquer salário é equitativo se é igual ao que obtém este tipo de trabalho no mercado livre") não deve sofrer nenhuma exceção nem ser submetida consideração de ordem humanitária. Pois "a beneficiência e os negócios são e devem permanecer eternamente dissociados. Um patrão não está mais adstrito a obrigações financeiras em relação aos seus operários após lhes ter pago salários ordinários, que estes a seu respeito ou ao de um desconhecido". A verdadeira ética do business está completamente contida nesta declaração de um industrial: "Eu considero os meus operários exatamente como considero as minhas máquinas. Enquanto puderem executar o meu trabalho por aquilo que decidi pagar-lhes mantenho-os tirando  deles o que posso tirar". E sem dúvida espera tirar ainda mais convencendo o operário que o triunfo está à mercê de todos, que só depende do mérito individual. Daí o regresso a um puritanismo militante e agressivo. 

O Capitalismo Selvagem nos Estados Unidos - Marianne Debouzy (1972)

domingo, 16 de setembro de 2018

Bem-vindos Às Falsas Promessas do que Seria o Trabalho no Século XXI

Quando eu era miúdo prometiam-nos uma vida muito melhor. Diziam-nos que num futuro próximo as máquinas de escrever iam ser substituídas por computadores e imaginem que até se dizia que o papel iria desaparecer. Infelizmente o papel não desapareceu, e por causa disso temos um país infestado de eucaliptos. Diziam também que iríamos ter de trabalhar muito menos horas por dia e com os computadores até se poderia passar a trabalhar de casa.

As novas máquinas vieram, e hoje, ao contrário de quando era criança, em que basicamente a maioria das pessoas só tinha uma motorizada para se deslocar, hoje, toda a gente tem o seu carro, dois ou mais até, ou pelo menos um para cada elemento do agregado familiar. Hoje, ao contrário do tempo em que era criança, todos já têm o seu computador de secretária ou portátil, têm dois ou três, e todos até têm o seu telemóvel com acesso à internet. A indústria sofreu uma verdadeira revolução e até aí estão os robots para, supostamente, substituir os humanos. Mas afinal, até que ponto a nossa vida mudou verdadeiramente para melhor? A vida mudou realmente para melhor, ou as pessoas passaram a ter de trabalhar muito mais para comprarem as merdas que o capitalismo meteu na cabeça das pessoas não podem sem as ter? 

Pois é. Afinal todas as promessas não passaram de mentiras deslavadas e continuamos a ter de trabalhar de sol a sol, tal como antigamente. Simplesmente já não nos levantamos com o sol com uma enxada na mão para ir cavar. A única coisa que mudou foram os objetos dos escravos trabalhadores. Se antigamente os trabalhadores usavam foices e martelos, hoje vão para a jorna de trabalho (olha o Google nem sabe o que é jorna e sublinha como se fosse erro!) e vão para a jorna dobrar roupa, estar o dia todo, de pé a passar códigos de barras ou de telefone na mão a atender clientes ou a impingir-lhes serviços. As ferramentas foram a única que mudou.

De resto, continuamos a ter que trabalhar de sol a sol, oito horas por dia. Talvez hoje ainda se trabalhe mais, visto que antigamente as pessoas só se levantavam com o sol, e hoje, graças aos carros, já todos poderemos ir trabalhar para bem longe de casa, nem que para isso tenhamos de sair de noite, e percamos duas horas de viagem, todos os dias e viagens essas que os patrões não pagam. Mas depois as pessoas revoltam-se é com a mudança da hora! Se trabalhássemos duas horas de manhã e duas horas de tarde, alguém andava a discutir se era preciso ou não mudar a hora? Andamos sempre a discutir o que não interessa para nada, em vez de exigirmos as mudanças que interessam verdadeiramente. 


Sim, o futuro chegou, a nossa realidade mudou e foi higienizada, e tomamos dois ou três banhos por dia, mas ao contrário do que se pensa, a nossa realidade mudou para pior. Acham que não? Então pensem um bocadinho. Hoje já ninguém se reforma aos cinquenta anos, ao contrário do tempo em que era criança. Hoje, em pleno século vinte e um, vamos ter de trabalhar em prol de outro ser humano, não até aos cinquenta anos mas sim até morremos! Quão espetacular é isso, trabalhar até morrer? E vamos ter de trabalhar até morrer porque não vai haver dinheiro para pagar as reformas. Mas dizem-nos até, como se nós fôssemos muito burros, que é por causa da "esperança média de vida"! Maldita esperança média de vida que deveria era de diminuir para não sermos obrigados a trabalhar, sem forças, até aos setenta anos! E dizem-nos ainda, como se fôssemos muito burros, que temos de fazer muitos bebés para que depois, quando eles crescerem, nos possam pagar as reformas que não vamos ter porque não há dinheiro para as pagar!

Quando eu era criança, maioritariamente só o homem o trabalhava e o dinheiro de uma só pessoa chegava para construir uma casa. Acham que estamos melhor hoje? Hoje quase nenhum jovem terá dinheiro para comprar um terreno e construir uma casa! Antigamente a mulher ficava em casa a tomar conta dos filhos que não precisavam de infantários nem de amas. Eram verdadeiramente educados pelos pais. Hoje são educados por quem? Eu vou ter um filho para quê? Para ter de pagar para os outros o educarem? Antigamente as crianças brincavam livremente, tal como eu brinquei, sem horários, pelo menos até aos seis anos de idade, quando então tínhamos de ir para a escola primária.  

Hoje trabalha o homem, trabalha a mulher e aos seis meses as crianças vão para a ama ou para o infantário que é mais uma despesa no orçamento familiar. As pessoas correm de um lado para outro, as crianças correm de um lado para o outro. As pessoas não têm tempo nem pachorra para se ouvirem. Não têm disponibilidade física nem mental para ainda chegar a casa, depois de um longo dia de trabalho, e terem de fazer as tarefas domésticas, cuidar dos filhos, ouvir os problemas do cônjuge ir para a cama e ainda ter vontade fazer sexo. Temos setenta, repito, 70% de divórcios e as crianças além de correrem de um lado para o outro por causa das dezenas de atividades que os pais agora as obrigam a fazer, têm ainda de correr de casa da mãe para casa do pai por causa da guarda partilhada. E há uma nova geração de gente que cresceu em famílias disfuncionais, que mais não foram que armas de arremesso entre pais e mães. 

A vida supostamente melhor que o século vinte e um prometia, no final de contas, é ser ainda mais escravo do trabalho e ter cada vez menos tempo. É trabalhar mais horas, é fazer mais horas-extra que agora deixaram de ser pagas porque se inventou uma coisa chamada banco de horas, e é trabalhar de noite com menos horas de subsídio noturno (muito obrigado aos senhores Passos Coelho & Paulo Portas), e é, por exemplo, trabalhar sábados e domingos no turismo, que em Portugal está a fazer dinheiro como ninguém faz no mundo, e ter um salário principesco de 620€. Repito: 620€ para trabalhar aos sábados e domingos!!  E é viver num dos países da Europa onde os patrões se aumentam a si mesmos 40%  em três anos, mas onde ironicamente os escravos, perdão, é a força do hábito, onde os trabalhadores (que agora lhes chamam colaboradores) são os menos aumentados da Europa. 

sábado, 3 de março de 2018

Ofereço-me para Trabalhar na Indústria Hoteleira Portuguesa

Farto de ouvir os empresários portugueses, especialmente os ligados ao turismo que, segundo eles, não encontram ninguém disponível para trabalhar no setor, motivo pelo qual não conseguem crescer mais e, por conseguinte, a economia portuguesa também ela deixa de poder crescer ainda mais, eu , num ataque de patriotismo, decidi desde já disponibilizar-me para trabalhar na industria hoteleira para qualquer trabalho indiferenciado. Seja fazer camas, limpar casas de banho, conduzir aqueles veículos arejados pela cidade com turistas, seja o que for. Faço o que for preciso. Aproveitem, têm aqui um trabalhador, de quem, julgo eu, nunca nenhuma entidade patronal teve o que dizer.

Estou pronto a abandonar a minha profissão, o ténis-de-mesa diário na empresa e, dois meses depois, ingressar nesta nova atividade. Não quero que fiquem novos hotéis ou novos negócios turísticos por abrir. Eu estou aqui! E digo presente! E todos os portugueses deveriam fazer o mesmo. 

É incompreensível que tantos portugueses abandonem o país, tantas vezes para trabalhar em hóteis, fazendo camas e limpando e que depois, em Portugal, os empresários do turismo não tenham gente para trabalhar! Não faz sentido nenhum.

Diário de Notícias
Mas por que é que os portugueses não querem afinal trabalhar em Portugal, no seu próprio país, onde têm família e amigos, e vão para tão longe trabalhar? Não fiz qualquer sentido não é?

Se calhar vão para tão longe, fazer as camas dos outros, limpar e trabalhar nos hotéis dos outros, porque se calhar os donos dos hotéis e empresários do turismo em Portugal querem é ter escravos para trabalhar. Não querem pessoas que recebam salários minimamente dignos. Querem é escravos, sem direitos, que trabalhem sábados e domingos, a troco - pasmem-se!! - de um salário médio de 632€ por mês!! Quando na maioria dos casos não contratam pessoas a falsos recibos verdes a troco de salários mínimos.

Pois bem, eu estou disposto a deixar a minha atividade e ir trabalhar para o turismo, e estou a falar muito seriamente, e nem exijo muito. Sé peço um mero salário mínimo. Mas é um salário mínimo do Luxemburgo. Arredondando são dois mil euros. E por um contrato de 2 mil Euros mensais, um mero salário mínimo do Luxemburgo, eu estou à vossa disposição para trabalhar no turismo, no que for preciso.

Ofereçam salários decentes. Deixem de ser um chupistas e de quererem ficar com o dinheiro todo. Portugal bate recordes no turismo, os empresários fartam-se de ganhar dinheiro, mas continuam a pagar salários miseráveis. E é por isso que as pessoas abandonam o país. Ofereçam salários decentes que as pessoas deixarão de abandonar o país. Deixarão de estar longe dos seus familiares e amigos, e trabalharão, com todo o gosto, fazendo no seu próprio país, as merdas que vão fazer para o estrangeiro.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

A Inveja é uma Coisa muito Feia

De repente toda a gente se lembrou de falar da Autoeuropa. Parece que os trabalhadores estiveram em greve. E se há uma ou outra pessoa que a ouço defender os trabalhadores, outros há, a maioria, que fazem deles uns abusados, uns idiotas que não sabem o que é melhor para eles, e que não sabem ver que já ganham muito dinheiro e mais não sei o quê. Sim, como se quem os critica, fosse algum exemplo, e passasse constantemente a vida a dizer ao patrão que está a ganhar demais, e que, se tivesse oportunidade de ganhar mais algum recusasse.

Na verdade eu raramente gosto de atafulhar a memória do meu cérebro com informação inútil, e este é um desses casos. Não trabalho na Autoeuropa, estou-me a cagar para a greve, para o que os alemães lhes propuseram. Simplesmente não me interessa. Mas as pessoas querem logo saber! Ultrage! Há gente a ganhar muito mais do que! Esperem, para tudo! Mas só agora descobriram que na empresa que mais dinheiro ganha em Portugal se ganha bem? É que então estavam muito mal informados!

Mas no entanto, depois de tantas manifestações contra os trabalhadores, que não roubaram nada a ninguém, nem foram eles que quiseram mudar as regras do seu contrato a meio (foi a empresa!), pergunto então, a todos aqueles que são trabalhadores como eu, se isso tudo é só inveja? Porque se não é, parece! Parece que caiu o Carmo e a Trindade quando descobriram que são trabalhadores a trabalhar numa linha de produção e que ganham tanto dinheiro. No entanto, e contra os tipos que nem falar sabem, e que simplesmente dão uns chutos numa bola e que ganham numa hora aquilo que os trabalhadores da Autoeuropa ganham num mês, contra isso já ninguém se insurge! Ah, malandros daqueles trabalhadores que deveriam ganhar menos do que eu! 
É que, para mim, é muito feio estar do lado do patrão em vez de estarem do lado daqueles que são trabalhadores como nós. É que, entre uns e outros eu defendo a minha classe, defendo os meus, não defendo aqueles que muitas vezes querem pagar pelo meu trabalho, o mínimo possível. Mas e se fosse convosco nas vossas empresas? Estou a ver que rapidamente vergariam o cuzinho e aceitariam tudo o que vos propusessem.

Então, se não estão por dentro da situação, se não sabem o que é estar na pele deles, então, não julguem os outros. Ainda por cima eu sempre ouvi dizer que quem está de fora racha lenha. E parece-me mesmo muito feio, que, sem conhecerem minimamente a realidade, estarem do lado dos que estão do outro lado da barricada, quando um dia poderá ser com vocês, e gostava de saber o que fariam.

E sabem que mais? A inveja é uma coisa mesmo muito feia. 

terça-feira, 20 de junho de 2017

Só Quando me Apetece Time

Todos nós sabemos que existem dois tipos de horários: a tempo total (Full time) e a tempo parcial (Part-time) mas hoje constatei que ainda há um outro tipo: 

É o "Só-Quando-Me-apetece Time"! referiu de forma certeira a minha colega, aludindo ao nosso colega estagiário, que apesar de muito disponível e voluntarioso, gosta de trabalhar, mas só quando o trabalho lhe cheira, e quando lhe apetece, até porque, ainda por cima, há muitas tarefas que "não lhe competem"! 



Bom, se quiserem dar-lhe um nome pomposo estrangeiro, talvez lhe possam chamar: 

"Only-when-in-the-mood Time"!


quinta-feira, 15 de junho de 2017

Coração de Desportista

"Já vos contei que a enfermeira disse que eu tinha um coração de desportista? Ah pois é!"

Passei o dia de ontem a dizer isto aos colegas de trabalho. E é verdade, eu por vezes consigo ser mesmo muito chato.  Por que é que acham que eu ainda estou solteiro? Não há mulher que me ature! 

Passou-se mais um ano, e lá tivemos nós mais uma consulta de medicina do trabalho. E isto agora é muito modernaço, nem temos de sair da empresa, sair e arejar, perder duas ou três horas e regressar. Agora são eles que vêm até nós, para os trabalhadores não perderem produtividade. 

Eles vêm à empresa e em minutos - não devo ter estado mais do que cinco minutos dentro da carrinha - e já nos conseguem dizer se estamos aptos ou não para trabalhar. Basta medir a pressão arterial, levar uma picada no dedo, e encostar um aparelho ao peito que se vê logo se estamos aptos ou não para trabalhar! Eu estou em crer que antigamente, quando se compravam escravos - uma pouca vergonha terem acabado com a escravatura, ao que isto chegou!, pois agora têm que pagar pelo trabalho e tudo! - e eu estou em crer que antigamente, quem comprava escravos, demorava bem mais tempo a analisar se determinado preto(a) estava em boas condições! 

Agora não há cá tempo a perder, tem de ser tudo muito rápido como convém, à tão falada produtividade. É sempre a aviar, sempre a despachar, que há muito dinheiro para ganhar noutras freguesias.



Cinco minutos e já se sabe tudo!

Um gaijo até tem um cancro terminal, está com os pés para a cova nos próximos dias, mas tem a tensão boa e os níveis de açúcar no sangue impecáveis, está apto para o trabalho! 

Eu fui logo o primeiro. As minhas colegas já tinham avisado, que ela, a enfermeira, era feia. Mulheres! Eu achei-a simpática, e para mim, feias são as mulheres que não sabem sorrir. E lá por uma mulher usar uns óculos com alguma graduação já é feia? Mulheres! 

E depois de me apertar o braço para medir a tensão arterial, e de me picar o dedo, lá me disse, depois de encostar um aparelhómetro, mais pequeno que os telemóveis de agora, ao peito:

"Pratica desporto? Tem uma frequência cardíaca baixinha, típica dos desportistas". 

(e nem queiras saber como são outros dos meus órgãos! Olha, se soubesses como é a minha vesícula ou meu fígado, ficarias boquiaberta!)

E lá empurrei a porta para ser visto pelo médico. E "ser visto" é mesmo a expressão apropriada, Ele só olhou para mim, e não fez mais nada, além de, durante um minuto me ter perguntado meia dúzia de coisas a que respondi quase sempre na negativa. E lá saí da carrinha e fui trabalhar. 

Eu já vos disse hoje que tenho um coração de desportista? 

(ou então estou a morrer!)

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Conversas Improváveis II

A uns cinco metros de mim, um patrão para outro patrão?

Via Pinterest


"Viste como ele impermeabilizou aquilo tudo? Ele parece o Dexter antes de assassinar as vítimas..."
E minutos depois. surge outra observação:
"Estás a ver o que ele está a fazer?"
Mas ouve, ele não sabe o que está a fazer! Ele está a fazer naturalmente, porque ele não vê televisão"!!

Após uma breve pesquisa por "Dexter" parece-me que esta imagem é bastante apropriada ao que eu estava a fazer... (sorriso maléfico!)