"Viva o espaço que me fica pela frente e não me deixa recuar
Nem muros para derrubar"
Assim talvez me encontre"
"A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão."
Depois de meses a fio sempre a chover, aproveitei o sol e domingo passado fui dar a primeira volta de bicicleta do ano mas não foi com a segunda bicicleta que entretanto comprei porque precisa de uma afinaçãozinha no travão. O inverno é sempre uma boa altura para comprar uma bicicleta usada a bom preço e todos os dias são colocadas centenas à venda porque é quando as pessoas descobrem que têm ali um mono parado sem utilização.
Decidi rumar à ponte Dom Luís e daí virar à esquerda e ir até à praia de Avintes. A ponte continua em obras. Estas supostamente deveriam ter acabado em outubro passado mas a verdade é que a ponte ainda continua um verdadeiro estaleiro por onde as pessoas têm que passar numa espécie de gincana para conseguir chegar à outra margem. Duas mulheres que falavam espanhol vão à minha frente e eu sigo-as silenciosamente. De repente quando dão pela minha presença quase se assustam e querem-me deixar passar, como se fosse possível. Não é, porque naquele corredor de tábulas em forma de túnel uma bicicleta não consegue passar sequer por uma pessoa e o remédio é esperar pacientemente.
Mal se sai da ponte sobe-se umas centenas de metros e chegado lá ao alto avista-se para a ponte do Infante. Encostei a bicicleta, tirei o telemóvel da mochila e quando me preparava para enquadrar o cenário a bicicleta tomba com o peso da mochila num dos punhos do guiador.
Sigo viagem e fotografo os lábios do A-Rosa Alba ancorado metros à frente e lá vou pedalando tranquilamente vendo os turistas passarem nos barcos. Na praia de Avintes onde pintaram uma ciclovia constato a falta de educação ou falta de civismo ou falta sei lá do quê dos portugueses. Têm um enorme passeio junto ao rio para caminhar mas não. Fixe mesmo é caminhar todos a par pela ciclovia!
Não consigo mesmo compreender tal como não entendo como é que alguém que conduz um Renault Megane de 2016 e vira para uma rua cheia de boas moradias pode atirar, mesmo à minha frente, lixo pela janela. Não consigo mesmo compreender. E depois ainda há gente a reclamar das aulas de cidadania. É verdade que muito evoluímos desde os tempos da ditadura mas ainda nos falta melhorar tanto!
Chego até ao fim do percurso sempre junto ao rio Douro e inverto o sentido. Rumo de novo até à Ponte D. Luis e depois seguir pela Marina do Freixo até Gramido.
Coloco a bicicleta no reboque e reparo que não tenho a garrafa da água. Que estranho, tenho quase a certeza que o tinha trazido, como é possível que não esteja aqui? A verdade é que o suporte está partido, e tenho que comprar um novo, para não correr o risco de perder a garrafa. Preparo-me para entrar para o carro, quem sabe para ler um pouco do livro "Anatomia de um regicídio" que ando agora a ler enquanto refastelado no carro apanharia os últimos raios de sol do dia.
Vou à mochila, procuro e volto a procurar mas não tenho a chave. Não pode ser! Como é possível ter perdido a chave do carro? Não adianta, vou ter que chatear os meus pais que aquela hora deveriam estar entretidos com os programas deprimentes da tarde da televisão e pedir-lhes se me fazem o favor de me virem trazer a chave do jipe.
Naquela meia hora pude refletir e passar em revista todos os meus passos.
Fechei o carro e saí com a chave e sei que a coloquei dentro do bolso da mochila. Então, onde é que a poderei ter perdido? Pensa. Claro! No único ponto onde abri a mochila! No local onde tirei o telemóvel e quis fotografar. E agora tinha percebido o porquê do bidão não estar na bicicleta. Tudo fazia sentido.
Os meus pais iriam chegar e eu já sabia como proceder. Eles levariam o meu jipe que estava com o reboque da bicicleta e eu ficaria com o Toyota Scarlet e iria a pé procurar a chave perdida. Frustrada a procura restava talvez participar o extravio.
E assim foi. Estacionei o carro a umas centenas de metros da ponte e já mais agasalhado comecei a caminhar em passo apressado até ao local do crime. Estava agora a poucos metros, aproximei-me, olhei para o chão e ali estava a garrafa de água caída... procuro em volta rapidamente mas nada. A chave não estava ali. Como seria possível? O que é que levaria alguém a apanhar uma chave de um carro?
Já desanimado levanto a cabeça para cima e dou de caras com ela! Estava ali à minha frente, pendurada na parede! De facto alguém apanhou a chave do chão mas deu-se ao cuidado de a pendurar talvez para melhor chamar a atenção da pessoa que a perdeu, neste caso eu.
Aqui fica o meu obrigado a essa pessoa.
O meu colega:
"Não vás de bicicleta. Assim ficam logo a saber em quem vais votar"!
E, de facto, ele tem toda a razão! Ficavam logo a saber que vou votar num partido de Esquerda!
Primeiro fim-de-semana de novo pseudo-confinamento. Mais uma camada de geada a deixar tudo branco no monte e nas ruas, mas também um belo dia de sol, antes da chegada da chuva, amanhã. Decidi ir fazer o meu "passeio higiénico", neologismo que dá para as pessoas justificarem tudo aquilo que não seja o seu dever de estar em casa confinadas e, logicamente que neste caso contra mim falo porque também saí, ainda que, em minha defesa, possa dizer que quase não me cruzei com viva alma.
Peguei na bicicleta e fui fazer um pouco de exercício, não que já esteja propriamente redondo, mas, principalmente, arejar um pouco em véspera de mais uma semana de "trabalho". Resolvi ir para montante do rio Douro, aldeia vizinha e freguesa anexada e fui explorar uns caminhos ali pela beira do rio.
Saí de mochila às costas e roupa comum, botas e caças de ganga justas e elásticas, porque não sou daqueles que para andar de bicicleta têm que vestir o equipamento desportivo todo, como se fossem fazer a volta a Portugal. Saí agasalhado, com gorro preto na cabeça e óculos de sol. Cabelos esvoaçantes e barba de duas semanas.
Por onde passava e se me cruzava com alguém, educadamente dizia "boa tarde". Imagino que para quem me leia e que viva na cidade isto pareça estranho, mas nas aldeias, quer as pessoas se conheçam, ou não, sempre foi normal cumprimentarem-se, e não vergarem simplesmente os cornos ao chão, fazendo de conta que não vêem ninguém. Até me estou a lembrar, dos sítios onde fui fazendo caminhadas, sempre vi o bom hábito das pessoas se cumprimentarem. Em Espanha, por exemplo, sempre que me cruzava com alguém, quer na Senda Del Cares ou nos Lagos de Covadonga ouvia sempre um "Holla!".
Então sempre me pareceu natural e instintivo cumprimentar quem passa. Ontem, infelizmente, várias vezes do outro lado respondia-me o silêncio. Numa das ruas, de boas vivendas (a aldeia vizinha não é como a minha, pobre, até porque em tempos até já foi sede de concelho) mas entretanto chego a um cais onde estavam dois pescadores a pescar e, minutos depois, no regresso, cruzo-me de novo com o senhor, um dos que não me respondeu e vi-o a fechar o portão da sua bela vivenda, não fosse eu decidir, sei lá, assaltar-lhe a casa, em pleno fim-de-semana de confinamento com toda a gente em casa!
Pedalar calmamente também é bom para pensar. E eu refletia como há coisas que não mudam. Há uns anos lembro-me (já não sei se contei esta história aqui no blogue) que uns emigrantes radicados em França, numa altura em que estavam de novo cá na aldeia, ficaram estupefactos a olhar para mim quando passei por eles na rua. E eu não vi essa surpresa, mas ouvi ao longe uma vizinha, que seguia no carreiro do campo de carro-de-mão carregado: "Não tenhais medo, é o filho da Rosa Maria"!
E, não deixa de ser muito curioso que, ainda por estes dias em conversa com a minha amiga carioca dizia-lhe que nunca me senti muito discriminado em Portugal por causa deste meu aspeto mais "exótico". E exótico talvez seja uma bela palavra quando tantas vezes sou interpelado em inglês no meu próprio país. Mas, para o bem ou para o mal, nós somos sempre vítimas ou reféns da forma como nos apresentamos e do nosso aspeto físico. No entanto eu sempre arranjei empregos e nunca senti propriamente que o meu aspeto fosse um entrave a fazer a minha vida normalmente. Há sempre reserva e medo com aquilo que não se conhece, ainda que, digo eu, eu não devesse ser motivo para que sejam mal educados quando passo.
Por outro lado, não deixa de ser irónico, que, se um qualquer meliante se vestir bem, como qualquer "pessoa de bem" (expressão muito em voga pelo candidato fascista) e usar um fato e gravata, e for por aí pelas aldeias dizer que vem trocar as notas de Euro, porque como agora o Reino Unido saiu da União Europeia, tem que se retirar do mapa aquele país, aposto que as pessoas os recebem quase de braços abertos. É assim a sociedade, sempre a julgar pelas aparências, e, como diz a minha mãe: "as pessoas enganam-se tanto".
Ontem, dia de Natal, a grande generalidade dos portugueses ainda estava a dormir porque se deitou muito tarde porque ficou à espera do Pai Natal que este ano não veio porque lhe mataram as renas todas na Quinta da Torre Bela e já eu andava de bicicleta junto ao rio Douro. Mas não satisfeito, logo após o almoço que aqui em casa dos meus pais é sempre ao meio-dia, meti a bicicleta no reboque e rumei em direção à cidade do Porto. Deixei o carro a três quilómetros do Freixo, peguei na bicicleta e fui dar uma volta, para exorcizar do meu corpo os últimos vestígios de bolo-rei da noite anterior. Fiz o passadiço de Valbom e rumei ao passadiço de Rio Tinto, passando pelo Parque Oriental.
Ainda era cedo e fui vendo poucas pessoas a caminhar. Maioritariamente ninguém usava máscara, e na rua, a caminhar ao ar livre eu também não vejo grande problema com isso uma vez que o distanciamento facilmente se consegue. Eu também não ando de bicicleta com a máscara colocada, ainda que de vez em quando lá passa uma pessoa com ela colocada.
Sobre a China muita gente coloca dúvidas como é que eles erradicaram o vírus tão rapidamente e já fazem a sua vida normal e vão aos bares e discotecas. Colocam-se dúvidas porque é um regime autoritário que não cumpre os direitos humanos e devemos sempre ter cautela com as informações que de lá vêm. Contudo a China não foi o único país asiático a resolver o problema da pandemia, foi a grande generalidade. O Japão, por exemplo, pertence ao G7 (os países mais industrializados do mundo) e é de todos eles o país que está melhor.
Podem-me dizer que por aquelas bandas eles estão mais preparados porque já convivem com as máscaras há mais tempo e é verdade. Em muitas cidades chineses sei que já se usava máscara simplesmente para as pessoas se protegerem da poluição. Existe essa familiaridade com esse objeto que para nós, excluindo as pessoas que já as tinham que usar nos seus trabalhos, era ainda uma novidade.
Mas os asiáticos resolveram os seus problemas com a pandemia porque cumprem! Os asiáticos que estão em Portugal poderiam comportar-se como qualquer português e não usar a máscara, ou usá-la no queixo, mas não, eles usam-nas sempre e de forma correta. Estão em Portugal, e aqui não há nenhum regime autoritário de pontos que os possa prejudicar. Da Ásia também conheço nem ouvi falar em grupos negacionistas como aqui na Europa, e que infelizmente chegaram também a Portugal, que são contra o confinamento e contra o uso das máscaras como os conhecidos grupos de mentirosos pela verdade.
Os asiáticos têm um sentido de comunidade muito forte. Ajudam-se uns aos outros e respeitam o próximo. Nós portugueses e ocidentais em geral, só pensamos no nosso umbigo. Devemos guardar distanciamento e respeitar as regras para que a pandemia acabe mais depressa? Nada disso, eu faço o que me apetece e ninguém manda em mim e têm que respeitar a minha liberdade individual de ser um atrasado mental.
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Foto Emprestada da Net |