Desde sempre que me lembro de andar de bicicleta. Há uma fotografia minha, a agarrar na primeira bicicleta que tive, e que foi o meu pai que a montou com as próprias mãos. Só tinha três anos de idade nessa fotografia. Antes disso lembro-me do triciclo e da trotinete. E toda a gente pensava que eu me ia matar com a trotinete, quando pegava nela e ia a toda a velocidade monte abaixo.
Andei muito de bicicleta em criança, quando a rua de minha casa ainda era em terra. E andei mais ainda na adolescência, quando o piso já era de um asfalto manhoso, cheio de sulcos. Era uma simples camada fina de espiche por cima da brita, e montado em cima da bicicleta sentia-se uma leve trepidação.
Chegou a vida adulta, e trouxe os passeios frequentes com o melhor amigo e com a namorada, não raras vezes na companhia de ambos. Muitos anos passaram entretanto. Foi-se o amigo, foi-se a namorada. Ficou a minha vontade de continuar a andar de bicicleta.
Um outro companheiro haveria de chegar depois: o desemprego. O desemprego fez de mim uma pessoa muito rica, não em dinheiro obviamente, mas em tempo. E para aproveitarmos a vida, nem que sejam só as pequenas coisas da vida, é preciso tempo. E há tanta coisa bela na vida, se as pessoas conseguissem ver. Sim, nem que fosse só um grilo a cantar. E juntos, eu e o desemprego, divertimo-nos imenso. E com tanto tempo livre que o desemprego me deu, pegava na bicicleta e andava por aí, a conhecer coisas, na minha própria aldeia, coisas que eu nem sabia que existiam. Por vezes pedalava como um desvairado pela aldeia toda. Era também para as pessoas verem. Afinal eu ainda não estava numa cadeira de rodas, eu estava muito bem até, obrigado.
E agora tenho, de novo, duas bicicletas. Uma de montanha (por que é que os carro são "todo-terreno" e as bicicletas são de "montanha"?) e outra dobrável. A desculpa que eu dou a mim mesmo é que me vai dar muito jeito, para meter na mala, e até na hora de almoço do trabalho, poder ir dar uma volta. Se quiser até a posso deixar lá no trabalho. Também posso sair, e ir até ao mar. Afinal, eu trabalho a menos de 10Km do mar. Posso, um dia de vez em quando, sair do trabalho, e ir até ao mar. Pegar na bicicleta que se dobra e desdobra facilmente, e ir pedalar um pouco. Apanhar a maresia. Talvez me faça bem, talvez me limpe o diabito que por vezes carrego comigo.
Dou a mim todas estas desculpas, que nem serão propriamente desculpas. Até porque, eu não tenho por hábito comprar coisas para depois as encostar sem lhes dar utilidade. Mas não terei eu comprado uma segunda bicicleta, e as duas até caberão dentro na carroça, para um dia destes perguntar a alguém: queres vir dar uma volta de bicicleta?
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