segunda-feira, 20 de março de 2017

As fotografias dela: Nua

Não é que eu achasse propriamente que ia morrer, mas uma operação é sempre uma situação de risco, por mais vulgar que seja. Há pessoas que vão tirar um furúnculo e depois acabam por morrer por incompetência médica, por uma qualquer complicação, ou simplesmente por azar. E os azares acontecem a qualquer um. Nós podemos morrer a qualquer momento, talvez a nossa data até já esteja marcada, não sei, mas acho que talvez seja normal, antes de uma cirurgia, refletirmos sobre a eventualidade de podermos morrer.

No dia anterior paguei as contas. Bom, neste caso não era com medo de morrer, pois se morresse, ao menos já não tinha de pagar mais nada a ninguém! Foi simplesmente para deixar as coisas já tratadas, apesar de, em princípio, vir embora do hospital no dia seguinte.

Nós podemos morrer a qualquer momento, mas na verdade nunca preparamos a nossa morte. E da minha morte, para já, só é conhecida a minha vontade de não ter nenhum padreco por perto. Não sou católico, não preciso de nenhum advogado de defesa - que ainda por cima nem sequer me conhece! - para meter uma cunha junto lá do São Pedro. Se for preciso, eu mesmo apresento a minha defesa sozinho, obrigado. Sinceramente, não acho que os 100€ que o padre cobra me irão ajudar de muito. Acho que o devem ajudar mais a ele!

E de repente pensei nas fotografias dela. Nua. 
Eu tenho aquele CD, sei lá, há uns doze anos talvez. Por que é que nunca apaguei as fotografias?Bom, em primeiro lugar aquilo não é de apagar. Apagar está à distância de dois cliques. Num disco compacto implica parti-lo. Não sei, mas parece-me algo de extrema violência. Deve ser o equivalente a rasgar as fotografias em papel ou a queimar os negativos. 

Via Pinterest

Eu guardei as fotografias, em primeiro lugar, porque as fotografias são minhas. Fui eu que as tirei. com autorização da própria. Mas depois também vos pergunto: mas será que sempre que terminamos uma relação, temos de destruir todas as fotografias? Se sim, porquê? Ou são só as comprometedoras? E por que é que teríamos de o fazer? Eu, tantos anos depois, ainda não o fiz, porque na verdade nunca achei que teria de o fazer.

Se não estou em erro, são fotografias a preto e branco. Sem dúvida que as pessoas ficam muito melhor nuas, em fotografias a preto e branco. Incomparavelmente! 

Eu não guardei as fotografias para passar a vida a andar a olhar para elas quando que me apetecesse. Aliás, há muitos anos que não as revejo. Mas também se visse, qual era o problema? Eu estou solteiro, qual é a diferença entre ver fotografias nuas de uma namorada ou, por exemplo, ver pornografia? 

Depois atentemos no seguinte. Eu se quiser ver as fotografias dela, não preciso ir buscar o CD e metê-lo aqui na gaveta do computador. Eu se quiser vê-la nua, basta ir à pasta dela, que está no meu cérebro! As nossas memórias não se apagam! Eu entendo que muitas pessoas destruam tudo que esteve ligado a uma relação anterior, como que se querendo purgar-se do passado. Mas na verdade não acho que isso faça muito sentido, tão simplesmente porque nós não apagamos o passado! Nós hoje, somos o produto de todas as experiências que vivemos no passado! Nós carregamos o passado sempre connosco e de maneiras que muitas vezes nem sequer nos apercebermos. Há pequenos acontecimentos, e que nem sequer tiveram importância, mas que ficarão guardados para sempre, e de vez em quando saltam cá para fora.

Na verdade, acho que a única coisa que me preocupa naquelas fotografias, é quando eu morrer. E não é por mim obviamente, é por ela. Quando eu morrer, já nada vai importar, mas é como se eu me sentisse o guardião da imagem dela contida naquelas fotografias. Talvez eu tenha mesmo que destruir o disco um dia destes, Não sei. Talvez o melhor mesmo fosse eu entregar-lho, mas isso também já não se coloca, desde logo, porque já não temos qualquer ligação há mais de uma década. 

Eu lembro-me frequentemente de uma frase dela quando nos despedimos, e que acho que, sinceramente, também nunca percebi muito bem o que ela quis dizer: "Preserva a nossa história". Preservar significa proteger; resguardar. Então nesse sentido, tem sido isso que eu tenho feito com as fotografias dela. Tenho-as preservado todo este tempo. 

4 comentários:

  1. Mas com o passar do tempo, o que acontecerá às fotografias?
    É uma questão que terás de te colocar mais tarde ou mais cedo.
    Não estarás sempre por cá para controlar isso.
    Mesmo que não penses nisso agora, há a possibilidade de um dia, elas poderem cair nas mãos erradas e passarem a fazer parte das muitas fotografias que aparecem na internet.
    Não será evitares isso, também uma forma de "preservares a vossa história"?
    Não precisas de fotos para o fazer porque está tudo aí dentro, sempre estará ;)
    SF

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    1. Olá SF, sempre bom ver-te por cá!
      Eu percebo-te, no fundo foi o que eu questionei aqui no texto. Mas as fotografias (mesmo essas mais íntimas) não devem fazer parte daquelas coisas todas que guardamos das relações anteriores? Eu até estava agora a pensar, que poderia pegar no CD e colocá-lo dentro de uma caixinha, junto com todas as coisas que tenho dela...
      Eu sei que tu tens razão, mas eu não gosto muito de destruir coisas! Tenho muito mais um espírito de acumulador de tralha!
      Já agora, não sei se chegaste a ler isto que escrevi, e que se intitulava precisamente "Coisas da Ex" (que até editei agora a imagem!):
      https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/564x/26/44/64/264464f4c5b2212db64e1486365621e2.jpg
      Beijinho

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    2. Mas Konigvs, por muito que não gostes de destruir coisas, coisa que também não gosto (posso até nunca mais olhar para aquilo, ou até posso voltar a ler ou a ver, não sei), não podes simplesmente ignorar o que pode acontecer.
      Sim, cheguei a ler o teu post há muito tempo, mas não se trata de umas cartas, um simples objecto ou até de fotografias inocentes. É algo que deve ser tratado de forma diferente de tudo, pela importância do impacto que tem noutra pessoa se acontecer o que não era suposto.
      Pensa nisso com a devida atenção que o assunto merece :)
      Beijinho grande

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    3. Sim, tens razão. É a suscetibilidade da coisa que merece uma atenção diferente... Mas independentemente de saber disso não sei se eliminarei aquilo! Também há coisas mais importantes em que pensar!

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