"Não fiques triste. Olha que eu acredito que os pais ficam nos filhos. É como se os pais não morressem. Porque tiveram filhos. Percebes?"
Mal Viver - João Canijo (2023)
"A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão."
"Não fiques triste. Olha que eu acredito que os pais ficam nos filhos. É como se os pais não morressem. Porque tiveram filhos. Percebes?"
Mal Viver - João Canijo (2023)
Rever um filme anos mais tarde, chama-nos a atenção para pormenores que antes não interessavam e muitas vezes, com o passar do tempo determinado filme, livro ou outra obra qualquer ganha uma dimensão diferente. Blade Runner (que traduziram para "Perigo Iminente" em português apesar de ser o nome da personagem principal) é um filme de ficção científica de 1982 realizado por Ridley Scott.
O mais curioso é que o filme foi um fiasco de bilheteira, mas, tal como dizia, com o passar dos anos acabou por se tornar num filme de culto.
Mas o que desde logo me chamou a atenção no filme foi passar-se em Novembro de 2019, início da pandemia de COVID-19.
E, mais curioso ainda, é, ao longo do filme, vermos várias imagens de uma senhora asiática nas paredes de um prédio, a sorrir e a comer uma espécie de pequena cápsula.
Blade Runner (vi a versão integral) é de facto um filme interessante. Confronta-nos com questões éticas e morais perante o evolução tecnológica. No fim de contas até os replicantes só querem viver um pouco mais e viver para ter as suas próprias memórias.
Foi em 2007 a primeira vez que fui à Opera. Um colega tinha arranjado bilhetes e ia com a irmã. Talvez os amigos dele, que eram mais meus colegas que amigos, tenham achado que ser gótico ou metaleiro não se coadunava com idas ao Coliseu para ir ver La Traviata e acabou por me perguntar se eu queria ir com eles. Por essa altura todas as desculpas eram boas para não estar em casa, mas também aceitei pela curiosidade. Por vezes na vida há oportunidades que, se não as agarrarmos nesse exato momento, elas passarão e não mais voltaremos a ter a oportunidade de fazer determinada coisa. E assim foi. Nunca mais voltei a ir à Opera e devo dizer que gostei bastante de ter ido, mas, temos que ter em conta que, já na altura os bilhetes mais baratos andavam à volta de 30/35€ daí que não tivesse estranhado em ter visto toda a gente muito bem vestida na plateia.
Tudo isto da Opera para dizer que, só conhecendo de facto determinada coisa é que estaremos preparados para a melhor poder apreciar (ou não).
Se "Tempos Modernos" de Chaplin é um filme (que também recebi neste lote) é muito conhecido por ser uma sátira ao capitalismo bem como ao nazismo e, aos maus tratos dos trabalhadores na indústria, "O meu tio" é uma sátira à vida moderna, das pessoas com muito dinheiro, que vivem em casas que mais parecem caixotes, com eletrodomésticos sofisticados e botões onde se carrega para fazer tudo de forma automática. Vidas modernas a fazer lembrar o Admirável Mundo Novo mas onde se calhar falta o mais importante.
Em 2019 regressei pela segunda vez a Allariz para o Festival de Jardins espanhol que tinha por tema "Jardins de Cinema". E nos jardins a concurso tinha precisamente um jardim espanhol que era uma representação da casa e jardim dos Arpel, a família rica do patrão de uma fábrica de plásticos.
"Eu quando escrevi essa canção estava-me a pôr na pele de quem tem quinze anos em 1968. Alguém que em 1989 se estava a pôr na pele de alguém m 1968 num outro quadro mental e saiu-me aquilo assim.
Claro que eu também tenho um bocado dessa pessoa mas, sempre tive essa noção de que, obviamente, isso é uma cena muito a preto e branco, não é?, mas, em 1968-70, as coisas estavam tão extremadas que se podia dizer quem estava do nosso lado e que não estava só pela roupa que vestia. só pela música que ouvia. Hoje isso já não acontece, já nos anos noventa não acontecia... as coisas mudaram tanto. Mas, nos anos sessenta, era exatamente assim. Havia em "eles" e um "nós". Nós, os que éramos os bons, que estávamos pelos lados das mudanças, que queríamos a revolução sexual, que usávamos a cor certa, que ouvíamos a música certa, o cabelo certo... E os outros eram os caretas. Tão simples quanto isto. E havia essa divisão e querer, de algum modo misturar os dois mundos era quase impossível. E ao nível do amor isso era muito claro".
É muito curioso como eu acho que, nos tempos atuais, de novos desafios com a subida ao poder da extrema-direita populista nos Estados Unidos, Itália e Brasil e a tornarem-se relevantes em França, Itália, Espanha, e, pasme-se, até em Portugal, e com os recentes movimentos "negacionistas", muitos deles financiados por grandes magnatas de extrema-direita, e com todas estas clivagens políticas, acho mesmo que estamos precisamente a voltar ao tempo dos anos 68-70, um tempo, como Carlos Tê refere, do" nós" e do "deles". "Nós" que defendemos o ambiente, os direitos das minorias, a democracia, e "eles", o inimigo, que defende voltarmos a um tempo não muito distante de obscurantismo, de guetos para minorias raciais, do regresso da pena de morte e da tortura, de prisões políticas e expatriamentos.
Ainda assim, e graças à aberrante globalização, hoje é muito mais difícil olhar e separar as águas. Se antigamente um nazi rapava o cabelo e usava botas de combate, hoje, o mesmo indivíduo com ideias nazis, pode ser o teu vizinho, que veste camisinha ou polo Lacoste e pullover pelas costas, com cabelinho à foda-se e, aparentemente, ser aquele indivíduo bonitinho ideal para se levar lá a casa a conhecer os pais.
Como várias vezes costumo repetir (frase de Bernard Shaw) a História ensina-nos que não aprendemos nada com a história. E se é verdade que não são fáceis estes tempos, ainda assim, e porque são insondáveis os mistérios do amor, acho perfeitamente possível que nos possamos encantar ou criar empatia por quem, à partida, qualquer pessoa vendo de fora acharia impossível de acontecer.
Mas entristece-me ler determinadas coisas na internet como "eu simplesmente não me dou com pessoas diferentes de mim ou que não pensam como eu". Toda esta loucura irracional está a levar que pessoas outrora veneradas, artistas respeitados por toda a gente, como, por exemplo, Chico Buarque ou Caetano Veloso, de repente, passaram a ser censurados ou, como agora se diz "cancelados".
Mas, se até Wilhelm Hosenfeld, um oficial alemão nazi, ajudou a salvar a vida do pianista polaco e judeu Wladyslaw Szpilman (ver filme: O pianista de 2002) porque é que duas pessoas que pensam diferente não podem encontrar pontos comuns? Porque raio é que não podemos amar quem vota num partido diferente do nosso?
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The Book Of Secrets by ShaynART |
Quando vamos ao cinema sozinhos não temos ninguém ao nosso lado para falar sobre as expectativas do filme. Quando lemos um livro quanto muito alguém já nos pode ter falado do livro, que é muito bom, que a história prende o leitor, que é muto interessante para conhecer determinados factos da História, etc. Por exemplo, comecei a ler o primeiro livro de Murakami porque coloquei uma fotografia no Instagram de vários livros que tinha recebido e uma pessoa comentou que "Murakami é muito bom". Quando vemos um filme, se formos daquelas pessoas que olham primeiro para o nome do realizador do que dos atores, também já dará para ter algumas informação, ainda que, no meu caso, tal como acredito que seja a larga maioria, as pessoas olham sim para os nomes dos atores e não propriamente para o nome do realizador. Se calhar nem os conhecem, se calhar ninguém sabe quem é o realizador do "Sozinho em Casa" que deu passou mais vezes na televisão do que o número de testes à COVID-19 que o Marcelo fez no último ano! O que não deixa de ser algo injusto para o realizador, porque o artista, a obra, o filme neste caso é do realizador e quem tem quase sempre « os louros da fama são os atores, ainda que todos os realizadores precisem de bons atores para terem uma boa obra.
No que aos livros diz respeito, também já podemos conhecer o escritor de uma obra anterior e saber, mais ou menos, ao que vamos. Mas, por mais livros que tenhamos lido, uma obra de ficção é sempre algo novo e diferente. Temos que ser nós, ao contrário, por exemplo, da televisão ou do cinema, a criar os nossos cenários com as descrições que nos vão sendo feitas. E, tal como no cinema, se lá estivermos sozinhos na sala, quando o livro acaba e as luzes se acendem enquanto passam os créditos finais, não temos ninguém ao lado com quem trocar impressões sobre o livro que acabamos de ler como quem pergunta: "então, gostaste do filme"?
Enquanto li "Memórias íntima e confissões de um pecador justificado" senti essa falta de ter alguém alguém com quem conversar sobre o livro. Naquela alegoria, afinal, o homem estaria possuído por espíritos malignos; era o próprio chifrudo do "Balha-me Deuz"; era tudo fruto da sua imaginação e sofria de perturbações mentais, ou sofria de dupla-personalidade? O que é que outra pessoa pensaria daquilo? Se calhar até teria precisamente as mesmas dúvidas que eu, porque o livro foi precisamente escrito desta forma para não dar a papinha toda feira ao leitor, mas para o deixar a pensar.
Contudo, talvez essa seja a vantagem dos clubes de leitura. Colocar várias pessoas a ler o mesmo livro e a opinar sobre ele. Sei que existem mas nunca estive em nenhum e duvido que venha a estar. Conheço também dos filmes e séries americanas. Em Lost, por exemplo, existia um "Book Club", e ao longo da série muitos livros iam sendo sugeridos sub-repticiamente. Eu não sei se os clubes de leitura funcionam bem ou nem por isso. Mas, na falta de um clube de leitura, cabe-nos conversar connosco próprios e tirar as nossas próprias conclusões. E, quem sabe, sugerir, ou não, um determinado livro aos amigos e colegas. Como quem sugere, ou não, um bom filme.
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