segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Os Velhos Sonhos não se Realizaram Mas Estou Feliz Por os Ter Tido

"... É importante ter crianças.
Já não são crianças. As coisas mudam.
Sempre foi assim. É uma das leis da natureza. As pessoas têm medo de mudanças mas se tomarmos uma atitude de confiança, fica a ser um reconforto. Não há muitas coisas em que se pode confiar.
Sem dúvida.
Creio que faço parte dos medrosos...
Duvido.
Porque diz isso?
De Itália para o Iowa é uma mudança importante.
O Richard fez lá a tropa. Conheci-o quando vivia em Nápoles. Não sabia nada do Iowa. O importante é que era a América e que ia estar com o Richard.
Como é que ele é?
É muito asseado.
Asseado?
Quero dizer...tem outras qualidades também. É muito trabalhador, muito atencioso, honesto. É meigo, e é um bom pai.
E asseado...
Sim...
... E agrada-lhe viver no Iowa, suponho?
....
Diga lá, não vou contar a ninguém!
Devia dizer: é ótimo, calmo, e as pessoas são muito simpáticas." Tudo isto é verdade, a maior parte. É calmo... e as pessoas são simpáticas. De uma certa maneira... ajudamo-nos uns aos outros. Se alguém fica doente, os vizinhos vêm ajudar... Colhem o milho, ceifa a aveia, o que for preciso. Não é preciso fechar o carro e as crianças andam à vontade sem nos preocuparmos. As pessoas daqui têm excelentes qualidades. Respeito-as por isso. Mas...
Mas...?
Não é bem o que eu sonhava quando era jovem.
Eu anotei algo no outro dia, é um hábito quando viajo. Era mais ou menos isto:
"Os velhos sonhos eram bons sonhos. Não se realizaram mas estou feliz por os ter tido."



Muito me tinhas falado em vermos As Pontes de Madison County juntos, mas, por este ou por aquele motivo isso acabou por não acontecer e eu acabei por ver o filme, só agora, este fim-de-semana, sozinho, porque acabei de o receber conjuntamente com muitos outros que queria colecionar.

Não sei se sabias, provavelmente sim, mas podes não ter reparado que este filme, que eu não tenho dúvidas que seja um dos teus filmes preferidos, é do mesmo ano do meu filme preferido do mesmo género, o "Antes do Amanhecer". São ambos de 1995 e já têm vinte e cinco anos, vê lá tu! E como acho que de facto o filme é muito bom, até fui ver um listagem do The Guardian com os melhores filmes de sempre para ver em que lugar estava classificado, mas se o filme do Linklater está num espetacular 3º lugar, este, muito injustamente a meu ver, não figura no ranking porque se devem ter esquecido dele ou então por causa dum argumento muito batido: "mulher-casada-trai-o-marido".

E já agora, sabes que filme está também nos vinte e cinco melhores filmes de sempre na categoria Romance? Aquele outro que na altura emprestei, o "Eternal Sunshine of the Spotless Mind", que está no oitavo lugar! Acho que não é um filme muito falado, mas eu sei que sempre gostei muito desse filme, e afinal parece que tinha motivos para isso porque os críticos são da mesma opinião.  

Voltando ao filme. É assim, o Antes do Amanhecer é um filme romântico do ponto de vista da juventude, dos primeiros amores, da ilusão que aquilo que lhes aconteceu naquela noite na Áustria se irá repetir inúmeras vezes ao longo da vida. As Pontes de Madison County é um filme de amores já vividos e solidificados ou de sonhos destruídos, de uma outra fase da vida, até porque a Francesca e o Robert têm idade para ser pais da Celine e do Jesse. Se o Antes do Amanhecer é todo ele encantamento, As Pontes de Madison County é encantamento mas é também culpa, porque a Francesca é casada e tem dois filhos.

Mesmo antes do final há uma grande decisão a ser tomada: a italiana Francesca que casou com um americano e que foi viver para o Iowa parte com o fotógrafo Robert divorciado que corre o mundo a tirar fotografias para a National Geographic e com quem viveu quatro dias tórridos de amor que lhe abanaram as estruturas ou decide ficar com o seu marido honesto e trabalhador e bom pai de família? Sim, e asseado.

Eu não estou a estragar o final a quem eventualmente não viu o filme (e não leu o livro) dizendo que ela decide não viver o amor deste forasteiro porque o filme começa precisamente com os filhos a tratarem da sua morte e com a descoberta, depois de lido o testamento, deste seu romance secreto e com a sua vontade que lancem as suas cinzas da ponte (um choque para a população do Iowa de 1965).

Provavelmente a tua parte preferido do filme, como se calhar da maioria das pessoas, é aquela cena à chuva, a caminhar para o final, quando os carros ficam um atrás do outro no semáforo, o Robert coloca no retrovisor a cruz celta que era dela (e que tem o seu nome e que ela lhe deu como uma espécie de proteção)  e entretanto o sinal passa a verde. O Robert não arranca, a Francesca põe a mão na porta e começar a abri-la e não sabemos o que irá acontecer em seguida.

Mas se analisarmos bem a decisão mais importante da Francesca foi tomada bem antes, no momento em que, depois de lhe ter ido mostrar onde ficava a ponte que ele andava à procura, e quando depois ele a deixa em casa, ela, uma senhora casada, convida-o para entrar e beber um chá gelado (a cena que mostrei acima) e depois acontece o que se sabe... E mesmo tendo decido não viver aquele amor, vive-o no seu coração, a quem decide entregar os seus restos depois da sua morte.

"Num universo de ambiguidades, este tipo de certezas só existe uma vez, e nunca mais, não importa quantas vidas se vivam" (Robert)

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