sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Os Lares São a Nova Manta

Muito se tem falado dos lares ultimamente, não pelos melhores motivos e, certamente que, digo eu, não será alheio o facto de serem instituições privadas que, como tal, se baseiam na produção de lucro e não em prestar o melhor serviço possível às pessoas. Mas eu não vou escrever sobre o funcionamentos dos lares nem da cruzada anedótica do líder da oposição, o sindicalista de direita da Ordem dos Médicos até porque isso tem sido tema que me dá tanto asco que até fujo dele. 

Venho falar de uma lenda que ouvia em criança. Era a história que se contava que quando os idosos estavam velhos demais para trabalhar era tradição os filhos levavam-nos às costas, monte acima para ali serem abandonados para morrer longe de casa, não dando assim trabalho até aos seus últimos dias. E contava a lenda que, certa dia, um filho carregou o seu pai às costas para fazer o mesmo procedimento. Chegado lá acima, deitou o pai e para o deixar mais confortável cobriu-o com uma manta e foi à sua vida. Mas o pai resolveu cortar a manta a meio e chamou o filho para lhe dar a outra metade. O filho insistiu que o pai ficasse com a manta inteira mas o pai - moral da história - disse-lhe estas sábias palavras:

"Não filho, leva esta metade porque vai-te fazer falta quando os teus filhos te vieram cá trazer." 

The Wounded Angel - Hugo Simberg
Hoje em dia já não se vai abandonar os familiares no monte para morrerem. Até há uma lei que não permite que isso não seja feito aos animais de estimação. Contudo a mantinha confortável são agora os hospitais onde os velhos ficam depositados e depois os filhos não os vão buscar, e são principalmente os lares, onde ficam tranquilamente depositados sem chatear nem dar trabalho a ninguém. É este o mundo perfeito onde vivemos. Mas um dia, a mantinha que te levou a depositar os teus pais num lar, será a mesma com que os teus filhos te depositarão a ti. E isto era tudo muito bonito se os lares fossem locais de enriquecimento e de vida feliz. O que a pandemia está a provar é que, por esse país fora, do norte ao sul, os lares simplesmente não dão condições para as pessoas viver. E eu diria mais, vivemos num tipo de sociedade em que, por um lado os pais já não têm possibilidade de educar e estar com os seus filhos, nem depois o têm para acompanhar os últimos dias dos pais. Triste esta sociedade. 





2 comentários:

  1. A minha avó também me contava estas lendas e terminava com um proverbial, de que muitas vezes me lembro - " Filho és, pai serás. O que fizeres, assim receberás"
    Eram tempos difíceis, em que por vezes se tinha que escolher que bocas se iam alimentar, pois não havia suficiente para todos...
    Bom fim de semana!

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    1. E nem de propósito, por estes dias, um doutor da nossa praça escrevia no Twitter que não havia fome no tempo de Salazar. Parece que há pessoas que querer reescrever a história para depois poderem voltar as cometer as mesmas atrocidades que antes negaram existir!
      Foram tempos muito difíceis. Mas lá está, hoje, apesar da vida ser muito mais confortável temos estas situações incompreensíveis de abandono dos mais velhos, por exemplo nos hospitais. Pessoas que já estão curadas, mas que vão ficando a ocupar uma cama de hospital porque não têm para onde ir. E isso é muito triste, e como dizes, assim como procedes assim receberás. A vida é uma roda que se ai repetindo.
      Bom fim de semana para ti também ;)

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