Há coisas muito curiosas. Depois de ter terminado o primeiro volume de Andanças para a liberdade e porque gostava de confrontar a opinião de Mortágua com outras opiniões de outras pessoas que privaram de perto com o "general sem medo", Humberto Delgado, o candidato à presidência da república opositor de Salazar, resolvi que não iria ler de seguida o segundo volume, mas sim pegar no "Obviamente Demito-o". Findo este livro lá retomei as andanças do segundo volume.
Mesmo antes do final do livro já tinha pensado para comigo em jeito de piada que, se calhar, a grande última missão do autor na luta pela liberdade já em tempos de democracia foi as duas filhas que deu à democracia no parlamento.
"Foi numa quarta-feira de manhã, na cave-"poço" da Repro-Rapid, n número 4 da rua de Cretet, Metro Pigalle ou Anvers em Paris, que por volta das nove da manhã ouvi o Idálio gritar: É pá, a rádio está a dizer que houve uma revolução em Portugal...
O dia 27 foi destinado a carregar o Simca e a convencer os colegas da minha decisão inabalável de participar da Festa tão esperada, nem que fosse a última coisa a fazer na vida.
A estrada até Vilar Formoso era o Rio da Alegria, bandeiras e cantares enchiam a paisagem de cores e as gargantas anunciavam aos ventos... Somos livres! Somos livres! Mesmo sem saber se de facto o éramos. Os peitos inchados de orgulho! Finalmente, íamos demonstrar ao mundo que neste país também havia gente capaz de lutar pela sua dignidade, capaz de sacrifícios para alcançar a LIBERDADE.
Chegámos a Vilar Formoso por volta da meia-noite do dia 30 de Abril e a Lisboa ao romper da mais bela aurora da minha vida!
Da minha e, certamente, da de todos os que encheram as estradas da Europa a caminho da pátria em festa, de todas as organizações, de todos os comités. Trotzquistas, maoistas, comunistas, de todas as tendências e inspirações, cruzavam-se, saudavam-se abraçavam-se como nunca tinham feito."
E não é que, no mesmo dia em que terminei o livro do herói revolucionário romântico que lutou como poucos, arriscando muitas vezes a própria vida contra a ditadura de Salazar, nesse mesmo dia da semana que passou, e na sequência da manifestação de cara tapada, ao melhor estilo KKK que a extrema-direita nazi e fascista fez em frente sede da SOS Racismo, nesse mesmo dia venho a saber que a sua filha, Mariana Mortágua, foi ameaçada de morte conjuntamente com outras deputadas e pessoas ativistas anti-racismo? E para a semana ter terminado em beleza, a PSP processou o jornal Público por causa de um cartoon satírico!
Mesmo antes do final do livro já tinha pensado para comigo em jeito de piada que, se calhar, a grande última missão do autor na luta pela liberdade já em tempos de democracia foi as duas filhas que deu à democracia no parlamento.
"Foi numa quarta-feira de manhã, na cave-"poço" da Repro-Rapid, n número 4 da rua de Cretet, Metro Pigalle ou Anvers em Paris, que por volta das nove da manhã ouvi o Idálio gritar: É pá, a rádio está a dizer que houve uma revolução em Portugal...
O dia 27 foi destinado a carregar o Simca e a convencer os colegas da minha decisão inabalável de participar da Festa tão esperada, nem que fosse a última coisa a fazer na vida.
A estrada até Vilar Formoso era o Rio da Alegria, bandeiras e cantares enchiam a paisagem de cores e as gargantas anunciavam aos ventos... Somos livres! Somos livres! Mesmo sem saber se de facto o éramos. Os peitos inchados de orgulho! Finalmente, íamos demonstrar ao mundo que neste país também havia gente capaz de lutar pela sua dignidade, capaz de sacrifícios para alcançar a LIBERDADE.
Chegámos a Vilar Formoso por volta da meia-noite do dia 30 de Abril e a Lisboa ao romper da mais bela aurora da minha vida!
Da minha e, certamente, da de todos os que encheram as estradas da Europa a caminho da pátria em festa, de todas as organizações, de todos os comités. Trotzquistas, maoistas, comunistas, de todas as tendências e inspirações, cruzavam-se, saudavam-se abraçavam-se como nunca tinham feito."
E não é que, no mesmo dia em que terminei o livro do herói revolucionário romântico que lutou como poucos, arriscando muitas vezes a própria vida contra a ditadura de Salazar, nesse mesmo dia da semana que passou, e na sequência da manifestação de cara tapada, ao melhor estilo KKK que a extrema-direita nazi e fascista fez em frente sede da SOS Racismo, nesse mesmo dia venho a saber que a sua filha, Mariana Mortágua, foi ameaçada de morte conjuntamente com outras deputadas e pessoas ativistas anti-racismo? E para a semana ter terminado em beleza, a PSP processou o jornal Público por causa de um cartoon satírico!
Vivemos tempos muito estranhos e não, isto não tem nada que ver com a pandemia. Será que não aprendemos mesmo nada com quarenta e oito anos de fascismo?
Fui procurar o "Obviamente Demito-o" num Alfarrabista, e encontrei o.
ResponderEliminarJá o li, gostei e tive a consciência de que sabemos tão pouco sobre o General Humberto Delgado...
Ceres, eu acho que a maioria das pessoas da minha idade sabe muitíssimo pouco sobre os tempos da ditadura! e que são tempos tão recentes dos nossos pais e avós! Sabe-se mais da Idade Média do que do tempo recente de 48 anos de ditadura! Como é possível? Sem falar que anda muita gente a higienizar a vida do ditador com livros e séries fazendo dele um ditador fofifinho que era tão grande filho da puta como Franco, Mussulini e Hitler! Matavam-se pessoas como leste no livro, só porque abraçavam o Humberto Delgado... um verdadeiro horror.
EliminarSabe-se muito pouco do Humberto Delgado como de Henrique Galvão, como de todos aqueles que lutaram arduamente contra a ditadura, sejam militares, anarquistas, trabalhadores, comunistas, etc etc. Sabemos da luta da clandestinidade dos comunistas porque o PCP preservou essas memórias, até de Cunhal e dos livros que deixou, mas a maioria das pessoas sabe muito pouco. Fazem-se novelas e livros e séries sobre o ditador, curiosamente investe-se muito pouco sobre todos aqueles que lutaram contra o ditador.
Sobre Humberto Delgado, a visão de Mortágua sobre o general tem um ângulo diferente:
pág. 30 vol.2:
"Galvão, agradecido ao seu assíduo visitante na prisão e único militar do activo capaz de lhe demonstrar publicamente a sua solidariedade, tarde compreendeu todas as consequências da sua "retribuição".
A escolha do seu amigo Delgado para candidato à presidência da República revelou-se acertada, porém, a possibilidade de ter de vir a ser um líder duma oposição democrática nunca tinha sido equacionada, e a prática ia demonstrando que aquilo que o tonara um excelente candidato (ímpeto e coragem) não era suficiente nem adequado para ser um razoável líder político.
Galvão disso foi testemunha, sofreu e levou tempo a dirigir a situação. A completa fragilidade ideológica (falta de preparação política) que Delgado ia revelando incomodava o homem de fortes convicções que era Galvão. Ah, se a História tivesse dado destinos trocados a estes homens - o comando político a Galvão e a acção directa a Delgado, como seriam diferentes os destinos dois dois... e da nossa luta!"