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sexta-feira, 22 de agosto de 2025

A Fome e a Miséria em Portugal na Ditadura Fascista de Salazar

Depois das memórias de Henrique Galvão e Camilo Mortágua, eis que terminei agora as memórias de Humberto Delgado, candidato presidencial em 1958, e que afirmou "obviamente demiti-lo-ei" referindo-se a Salazar e, posteriormente, assassinado pela PIDE em 1965. 

Bastante revelador o estado de pobreza do país, após várias décadas de ditadura fascista do governo de Salazar. para ler e refletir. 


"De alto a baixo, Portugal é um país de pobres, que pedem pão, ou trabalho, ou protecção, e isto inclui, não só os pedintes sem um tostão de seu, mas também o futuro professor que jamais terá o seu lugar se a P.I.D.E. se opuser à sua nomeação, o comerciante que tem de pertencer ao Grémio apropriado se quiser vender alguma coisa e que fracassa com certeza se houver a mínima presunção de que partilha opiniões políticas pouco recomendáveis, e até mesmo o médico que precisa de se treinar nos hospitais civis e que corre o risco de ser reprovado se não pertencer à «ordem estabelecida».

A situação foi analisada há pouco tempo em «The Reporter», nos Estados Unidos. E o artigo concluía: «Qualquer português só pode exercer a sua profissão, seja ela qual for, desde que esteja sujeito ao poder político do Estado», o que não é mais do que outra forma de apresentar o que o próprio ditador disse a um amigo meu: «Serão simplesmente aquilo que queremos que sejam».

Típico desta maneira de ver é o exemplo de Aquilino Ribeiro, o grande escritor, que, aos setenta anos, foi perseguido pela polícia, só porque no seu livro «Quando os Lobos Uivam» critica a sociedade criada por Salazar e sublinha a estupidez e malefícios do sistema totalitário.

MISÉRIA EM PORTUGAL 

Quando se estuda o mecanismo humano, é conveniente começar pela substância que o faz trabalhar. O Português subsiste com uma média de cerca de 700 calorias por pessoa, menos do que o mínimo fixado pela F.A.O. Mas como poderia ser de outra forma, com os salários miseravelmente baixos e a notória desigualdade na distribuição da riqueza, que concede ao trabalhador rural no Alentejo 16 escudos por dia, para os poucos dias da semana em que consegue arranjar trabalho?

(,,,)

Quando, entretanto, em 1958, a minha campanha eleitoral me levou ao Alentejo, mulheres a chorar agarravam-se a mim dizendo-me que no Inverno anterior tinham recebido 8 escudos por dia e, mesmo assim, só durante parte da semana. Podia-se ver a verdade das suas palavras nas crianças que me rodeavam, pele e osso, com grandes olhos tristes que obrigariam qualquer pessoa, inevitavelmente, a dar-lhes um pedaço de côdea.

(...)

A minha secretária Brasileira, Sra. Arajarŷr Campos, disse-me um dia que tivera uma jovem criada Portuguesa, à qual ouviu dizer que em Portugal jamais comera carne, e que, só agora, na casa da sua patroa, podia finalmente comer uns bifes.

Esta esfomeada rapariga tocara num ponto muito importante, pois o consumo anual de carne em Portugal é, efectivamente, de 15 quilos por pessoa, contra 69 quilos nos Estados Unidos, 61 na Inglaterra, 43 na Alemanha Ocidental. Quanto ao leite, o Português bebe 1 litro por mês, em contraste com 20 a 40 litros nos países menos atrasados.

Tudo isto prova que as proteínas fundamentais são um luxo para as classes pobres e médias. Basta olhar para as populações rurais, para se ver como, em pouco tempo, se tornam num simples saco de ossos; as mulheres, entre os quarenta e os cinquenta anos, envelhecem precocemente, e os homens começam a ficar curvados e com as pernas arqueadas, perdendo ambos os sexos, muito cedo, os dentes. A carência de vitaminas origina magreza, ou pelo excesso de carbo-hidratos, obesidade doentia.

Acertadamente, embora com dolorosa acuidade, o consumo de proteínas em Portugal foi assim descrito: «Um pequeno copo de leite por dia, um bife por semana, três ovos por mês, uma galinha por ano». Considerando que muita gente come três ovos por dia e uma quantidade proporcional de outros alimentos, não é de surpreender que, tal como constatei, haja muitas pessoas, tanto nos meios rurais como na cidade, que nunca comem tais alimentos, excepto em dias de festa. No campo, não comem ovos nem galinhas, pois que, mal dando o seu rendimento para se alimentarem, só vendendo estes pequenos extras conseguem comprar alguma coisa para além das necessidades básicas.

Contudo, o trabalhador Português gasta 67 a 87% do seu rendimento na alimentação, e, por consequência, vive pouco melhor do que um animal. Se fizermos uma comparação com um país semi-socializado do tipo democrático-progressivo, como a Suécia, constatamos que somente 31% do orçamento familiar são consagrados à alimentação. Se tomarmos a França como exemplo, o mais politicamente amadurecido e socialmente progressivo dos países latinos, constatamos que 49% do rendimento é consagrado ao mesmo fim.

SALÁRIOS

Um salário só pode ser avaliado com relação ao seu poder de compra. Assim me recordo claramente das lições de estatística que segui, há mais de cinco anos, quando me matriculei na Universidade Americana de Washington, muito embora não passasse de um curioso, interessado somente em aprender um pouco mais acerca de economia. Um trabalhador americano trabalhava cinquenta horas para comprar uma camisa de algodão, um fato e um par de sapatos, enquanto um trabalhador russo precisava de cinco vezes mais para adquirir as mesmas coisas. Isto diz-nos mais do que qualquer declaração em rublos ou em dólares, que falharia certamente, ao darmos qualquer informação acerca do respectivo poder de compra.

Uma análise similar da situação em Portugal dá-nos resultados alarmantes. É difícil calcular o salário do trabalhador rural, porque é geral o desemprego, mas ascende provavelmente a dois terços da média do trabalhador na indústria, que é de cerca de 24 escudos. Uma comparação do rendimento deste último mostra que, para comprar um quilo de carne, ele tem de trabalhar quase um dia inteiro (6 a 7 horas) em contraste com hora e meia na Inglaterra. Quanto ao leite, um inglês só precisa de trabalhar um quarto de hora para comprar um litro, enquanto o trabalhador Português, que, de qualquer forma, nunca bebe leite, teria de trabalhar quatro vezes mais. Um quilo de batatas, um dos ingredientes do «cavalo verde», dieta típica dos habitantes subalimentados do norte, requer quase uma hora do tempo do trabalhador Português, contra cinco minutos na América. Que pode ele fazer se tiver uma família a alimentar, especialmente porque um quilo de pão, alimento básico em Portugal, não custa menos do que uma hora de salário?

Isto prova que o nível nutritivo do Português é equivalente ao de um Tunisiano ou de um Congolês, como acentua o «New Scientist» de 21 de Julho de 1960. Os salários portugueses, que desceram cerca de um terço entre 1938 e 1958, só podem comprar fome, e por isso, na falta de pão, os únicos luxos possíveis são os equivalentes Salazaristas do circo Romano - futebol, fado e Fátima. (O fado é uma canção nacional melancólica e Fátima é uma localidade onde se supõe que tenha aparecido Nossa Senhora em 1917).

O PROBLEMA DA SAÚDE

Na verdade, o Português nasce em circunstâncias pouco usuais, dado que em muitas aldeias jamais se ouviu falar de parteiras ou de médicos e 50% das mães dão à luz sem assistência.

A taxa de mortalidade durante o primeiro ano de vida é de 88 por mil, contra uma média de 50 por mil em 102 países. Durante o reinado de Salazar a posição com relação à Checoslováquia, Japão e Singapura, por muito estranho que pareça, foi invertida, pois, em 1925, era o dobro da de Portugal enquanto agora é precisamente o contrário («W.H.O.», Relatório das Estatísticas Vitais e Epidemiológicas).

Mesmo que o Português não morra no berço, é-lhe quase impossível conseguir cuidados médicos, uma vez que tem de escolher entre comer e receber tratamento; este é muitas vezes demasiado caro, não deixando outra alternativa além da morte. Em Portugal há apenas 1 médico por cada 1 400 habitantes, contra 1 por 800 na Itália; similarmente, existe uma enfermeira por 3 000 habitantes, contra 1 por 500 nas democracias ocidentais. As consequências são inevitáveis e significam que 58 pessoas em cada 1 000 morrem de tuberculose, contra 5 por 1 000 na Holanda, e que, por cada criança que morre de tosse convulsa na Inglaterra, morrem quatro em Portugal, enquanto a percentagem de sarampo nestes dois países é de 1 para 9.

HABILITAÇÃO E ASSISTÊNCIA PÚBLICA

Suponhamos que um Português consegue sobreviver a tudo isto e que pretende comprar uma casa, para casar. O último recenseamento mostra que, num total de 2 047 398 famílias, 2 592 não tinham acomodações, 10 596 viviam em casas temporárias, 2 583 em habitações impróprias, 193 221 em partes de casa. Dos factos que me foram fornecidos por pessoas que vivem no país, posso assegurar que estas estatísticas oficiais ficam muito aquém da verdade.

Não se pode ler à luz de uma lâmpada nem ouvir o rádio, porque, tal como descobri quando passei um Verão em Cela, não há electricidade, apesar das promessas feitas há uns doze anos. Quando finalmente ia ser instalada, visitei a localidade na minha qualidade de candidato à Presidência, e então o Presidente da Câmara de Alcobaça, sob cuja jurisdição se encontra aquela povoação, informou os pobres desgraçados que ali viviam de que, ao fazerem-me um tão entusiástico acolhimento, tinham perdido o direito àquele luxo. Em 1953, só 1 251 das 3 374 freguesias de Portugal, possuíam electricidade, e, ainda assim, 484 já a tinham em 1935, o que implica portanto um singelo aumento de 42 freguesias por ano.

Quando chega a velho e já não pode trabalhar, o Português sem meios pessoais tem de depender dos filhos, ou, como acontece na maioria dos casos, acaba por viver da caridade, porque a assistência pública e as pensões de velhice só raramente são mais do que simples benefícios teóricos.

A situação respeitante à assistência nacional Portuguesa mostra até que ponto o país precisa de sangue novo e de novas ideias. O Estado, muito embora pague muito menos, tira muito mais ao empregado e ao patrão do que em qualquer outro país Europeu; dos 7% ao empregado e 18% ao patrão, 25% cabe ao Socorro Social, contra 5,3% na Inglaterra, 18,66% na Alemanha e 18% na Espanha.

(...)

Não admira, pois, que, no período 1948/53, a esperança de vida média do Português fosse de 49 anos, contra 71 na Suécia, 69 na Holanda e 68 na Inglaterra.

RENDIMENTO NACIONAL

Depois de apreciar o aspecto individual, gostaria de me dedicar à situação mais geral. O trabalhador não tem direitos. O sindicato não passa de uma pequena engrenagem na roda totalitária. O trabalhador não pode estabelecer qualquer opção e mal se atreve a expor as suas opiniões, não sendo pois de surpreender que somente 40% da produção industrial seja consagrada ao pagamento de salários, deixando os outros 60% para lucros de capital, em contraste com os respectivos 70% e 30% dos países democráticos mais avançados. Em Portugal não existem Keynes nem Marx.

Não é igualmente de espantar que, por causa desta medieval estagnação, o rendimento do país per capita não ultrapasse os 182 dólares, contra 1 453 dólares nos Estados Unidos, 342 na Argentina, 209 na Turquia, e isto apesar da sua grande fonte de matérias-primas nas colónias, as quais são, pelo menos, 23 vezes mais importantes do que as da mãe-pátria.

O Regime de Salazar descrito por Henrique Galvão

terça-feira, 15 de julho de 2025

Os Melhores 50 Anos de Sempre

Por estes dias, a separar tralhas para o lixo, dei de caras com um trabalho que fiz na escola e encontrei cópias da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que, recorde-se, em Portugal, só foi ratificada trinta anos mais tarde. Tão simplesmente porque tivemos quarenta e oito anos de ditadura, período no qual o único direito que as pessoas tinham era de estar caladinhas, isto se não queriam que a vida lhes corresse mal. 


Já agora, para recordar como estes últimos cinquenta anos foram os melhores da nossa História basta ler alguns factos na crónica de Filipe Luís na Visão do dia 3 de julho:

"Os últimos 50 anos, período que coincide com o regime democrático, foram, provavelmente, aqueles em que o nível de corrupção, em Portugal, terá sido mais baixo (...) Os cartazes e os discursos populistas – sim, refiro-me ao Chega – que falam de 50 anos de corrupção são desmentidos pelos factos: houve imensa corrupção, como há, em todos os regimes, mas nunca ela tinha sido tão sistematicamente prevenida, investigada e, no final – o mais difícil e, portanto, ainda com caminho para andar –, punida. Os portugueses mais velhos, com boa memória, lembram-se do País da “atençãozinha”, do “empenho”, do untar as mãos ao fiscal, ao polícia de trânsito ou ao simples manga de alpaca das Finanças. Tudo isto ainda se passa? Sim, pontualmente. Mas é muito mais arriscado. Na pirâmide de favores, cunhas e endogamia sistémicos, a dimensão da metástase corruptiva aumentava consoante crescia a importância do detentor do cargo público ou do servidor do Estado, até à dimensão da oligarquia pura e simples. Antes disso, desde os Descobrimentos, passando pela Monarquia Constitucional e pelos desmandos da I República, é bom nem falar. No Estado Novo, a inexistência de imprensa livre e a ficção de uma separação de poderes que não existia eram sinónimo de inexistência, também, de exemplos de corrupção. Claro, nunca apareciam à luz do dia. E até um escândalo sexual, o caso Ballet Rose, em que altas figuras do regime estiveram comprovadamente envolvidas numa terrível organização de pedofilia, quando foi denunciado, pela oposição, à imprensa internacional, valeu aos seus denunciadores perseguições políticas implacáveis, ordenadas pelo governo e pela polícia de Salazar.

# Ao Menos no Tempo de Salazar Não Havia Corrupção

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Efeméride do Dia: Salazar, a Maçã Podre

A 22 de Julho de 1946, passam hoje 78 anos, a revista Time colocou na primeira página o ditador português, Salazar, apresentado-o ao lado de uma bonita maçã por fora mas, podre por dentro. Como é lógico, a revista foi proibida de circular em Portugal. 


Podia ler-se ler-se na revista:

"A poucos quarteirões do grandioso e imaculado Rossio, o equivalente lisboeta da Times Square, os bairros de lata da Cidade Velha não têm eletricidade, água canalizada ou esgotos".

"Depois de 20 anos de Salazar, o decano dos ditadores da Europa, Portugal era uma terra melancólica de pessoas empobrecidas, confusas e assustadas"

"As vitrinas de Portugal estavam cheias de bens de luxo inacessíveis na maior parte da Europa. A sua unidade monetária, o escudo, manteve-se estável em quatro cêntimos. Por trás deste exterior brilhante de sucesso, a decadência corrói Portugal. O Mago Financeiro Salazar não equilibrou os orçamentos das famílias portuguesas. Os preços dos alimentos quase duplicaram desde 1939."

domingo, 26 de maio de 2024

O Regime de Salazar descrito por Henrique Galvão

Fui à estante, peguei num ou noutro livro, até que olho mais demoradamente para "O assalto ao Santa Maria" de Henrique Galvão (1895-1970). Abro e começo a ler. Sento-me e, rapidamente, devorei umas vinte ou trinta páginas. É um livro extraordinariamente interessante e que aconselho todas as pessoas a ler. Primeiro para se ficar a conhecer, na primeira pessoa, sobre o próprio Henrique Galvão, escritor, militar, político, mas, principalmente, herói esquecido (na sombra de Humberto Delgado) que lutou pela liberdade e contra o regime de Salazar. 

Depois porque narra, na primeira pessoa, todos os contornos do assalto ao paquete Santa Maria, golpe que, durante semanas, apaixonou o mundo e colocou sob os holofotes as ditaduras Ibéricas. Mas na primeira parte do livro, Galvão descreve o regime de Salazar e a personalidade do ditador. São alguns excertos dessa parte, até à Constituição de 1933 que aqui deixo (talvez posteriormente partilhe outros excertos, como por exemplo, a descrição da corrupção e podridão do regime) :


Estamos perante um livro de História.
Henrique Galvão foi, sem dúvida, um grande português, a quem o país ficou a dever inestimáveis serviços. Sofreu muito. Morreu pobre, esquecido, abandonado, como sucede, em geral, aos que lutam sinceramente pelas suas ideias. 

 "Embora a situação económica da nação durante o primeiro período da ditadura militar fosse desastrosa, o povo conservou uma certa dose de otimismo e confiança. Assim, apesar do seu descontentamento, evitou-se uma insurreição geral e preparou-se o caminho para o êxito de um Ministro das Finanças partidário do autoritarismo - um futuro ditador financeiro. Esta pasta, depois de ter sido declinada por vários reputados professores de Economia, foi confiada a um obscuro professor da Universidade de Coimbra, António de Oliveira Salazar, cujos artigos começavam a aparecer nas colunas de um jornal católico e que, em tímidos panfletos, proclamava direitos e liberdades que posteriormente negou ao povo Português, O professor Salazar tinha fama de ser honesto, temente a Deus e tecnicamente competente. 

Após a desastrosa administração fiscal dos militares, o povo concedeu imediatamente a Salazar um fundo de confiança ilimitada. Completamente liberto das dificuldades encontradas por outros peritos num regime parlamentar caótico, não lhe foi difícil obter, pela simples aplicação dos seus conhecimentos técnicos, um êxito fiscal que proclamou então como sendo o seu próprio. A sua vaidade nunca permitiu que se revelassem as verdadeiras razões por detrás deste facto, que era coletivo da nação como um todo. 

A sua vaidade, tanto mais perigosa quanto se gabava de ser modesto, experimentou assim assim a primeira grande satisfação. Ao mesmo tempo, a sua astúcia de camponês dizia-lhe que a melhor maneira de manter a ilusão popular e desfrutar o consequente estado de mito, era ser visto o menos possível, evitar o contacto com o povo e fugir assim ao risco de vir a conhecer-se a verdade sobre a sua personalidade. Isto Era-lhe bastante fácil, pois, para alcançar o seu tão desejado propósito e fonte de prazer - o poder arbitrário - teria apenas de sacrificar o que lhe era desagradável, ou pelo menos enfadonho: convivência, espetáculos, companhia de mulheres e outras diversões do homem vulgar. 

Assim, agarrou a oportunidade e começou a criar a máscara que, a partir daí, o protegeria, a ele e ao mito da sua infalibilidade. O povo, ingénuo, e isolado pela censura , das democracias que poderia esclarecê-lo, só muito mais tarde descobriria quanta malícia de campónio, quanto ódio reprimido e quanto orgulho mórbido estavam ocultos sob a capa de simplicidade e de modéstia que ele usava (...)

E assim aumentou a enorme mentira de Salazar. Se fosse realmente um homem modesto, simples e desinteressado, como a propaganda levava o povo a acreditar, ele teria declinado a tarefa (dar forma a uma Constituição a ordem e a liberdade) e confessado, nobre e patrioticamente , a sua incapacidade moral a intelectual para governar um povo livre e tradicionalmente democrático. E esta confissão teria tornado o seu trabalho teria tornado o seu trabalho, como dirigente das finanças, merecedor de respeito incondicional, por muito óbvias que se tornassem as circunstâncias que facilitassem esse trabalho e por muito peritos pudessem criticar os seus métodos.

Infelizmente, a sua personalidade era totalmente diferente. Ele era, por exemplo, devoto, mas não genuinamente religioso. Um professor de veterinária que acreditara nele, mas que veio mais tarde a conhecê-lo como realmente era, descreveu-o como se segue num artigo que escapou à censura por ter sido publicado clandestinamente:

"... um inconcebível amontoado de incongruências, tortuosidades e contradições, todas originadas por um estado psicológico nitidamente desiquilibrado, um imoderado amor de poder, e a repressão simultânea de tudo que pudesse impedir a realização dos seus planos".

Estes traços de carácter já se tinham manifestado no ditador financeiro, embora ele procurasse ocultá-los a todo o custo e o povo, na sua cegueira, se não apercebesse de tal. Consequentemente, ele não declinou a terefa que, na verdade, de há muito cobiçava, nem confessou a sua incapacidade, nem se preocupou com a justeza da sua posição. Preferiu alimentar a falsa conceção de si próprio que a Nação e o Exército tinham aceitado cegamente e completou-a com uma série de mentiras oportunas e atitudes místicas, às quais chamou, para cúmulo de tudo, uma "política de verdade". 

Foi assim obrigado a fabricar uma falsa personalidade, o que fez com evidente prazer. A falsa personalidade servir-lhe-ia de disfarce para ocultar a verdadeira, que era incapaz de atos democráticos. E assim, a fundação de instituições livres e a solução dos problemas de Portugal ficariam suspensas eternamente - o "eternamente" Salazariano. 

E não teve que inventar nada de novo. Primo de Rivera em Espanha, Mussolini na Itália, tinham já criado uma forma de ditadura, Estaline outra. Ele tinha apenas de fazer adaptações. Uma vez que, ao contrário dos seus mestres, ele nada arriscara para obter o poder, faltando-lhe até a aparência marcial daqueles que se expõem ao perigo, não podia copiar exatamente os seus antecessores. Completou-os com modelos da Idade Média, que foi buscar às suas apressadas mais influentes leituras de literatura antiga, criando assim uma cruel caricatura, uma miniatura híbrida, de Maquiavel, Estaline, Savonarola, Mussilini e Inquisidador do Santo Ofício. (...)

Mandou um projeto de uma Constituição a dois professores de Direito que considerou de confiança. Os pormenores foram elaborados em segredo. Em 1933, um plesbicito fraudulento, uma das primeiras lições aprendidas nas escolas nazi e fascista, permitiu-lhe apresentar a sua Constituição como a expressão da livre vontade duma Nação e a estrutura conceptual de um estado republicano - isto por parte de alguém que nunca escondera antes os seus sentimentos monárquicos! Para todos os fins práticos era apenas a base estatutária de uma nova disfarçada forma de ditadura. 

Foi uma rude deceção. A imprensa portuguesa, amordaçada pela censura, não pôde revelar o logro, mas este depressa foi descoberto nos sectores da imprensa estrangeira que seguiam a situação em Portugal. Martin Serrano, na revista francesa Temps Mordernes, comentou como se segue a Constituição imposta por Salazar:

... é poder absoluto, poder fascista encoberto com Cristianismo, o que constituiu a única ficção original do sistema de Salazar. O elemento essencial da Constituição (...) é a concentração do poder absoluto nas mãos do Executivo. O parlamento, pomposamente chamado Assembleia Nacional, é uma pura ficção".

(...)
Escolhe um imbecil e nomeia-o para esse cargo (Presidente da República) através do mecanismo de uma "eleição", onde os votos são contados em segredo por agentes de confiança de Salazar. 

Quando a Constituição foi imposta, uma grande parte da nação ainda acreditava em Salazar, tal como acreditava em bruxas". 

domingo, 14 de maio de 2023

Empatia com Casal Desconhecido


 Quando me telefonou gostei logo dela. Que vozinha de menina e que doçura, simpatia e que educação. Ficou combinado passarem cá por casa por volta da hora de jantar. E que idade teria aquela voz? Vinte e cinco, quarenta? Não, é um casal com idade para ser meus pais e, nota-se, com um certo nível cultural e, se calhar até, certo nível económico também. 

Confidenciou-me que quando chegaram e me viram que disse ao marido que eu era parecido com ele há uns anos. Também ele usava cabelos compridos pelo fundo das costas, ainda que ele andasse de moto e eu, se aos vinte anos gostava da ideia, a verdade é que, e ainda bem, desisti da ideia por ser extremamente perigoso.  

Eu sei que falo de mais. Deveria ser mais reservado. Não me deveria expor tanto. Mas não vai ser agora quase com cinquenta anos que conseguirei mudar. Culpem o meu mapa astral. 

E conversa vai e conversa vem, e já com o marido presente (que não interessa saber porque se ausentou e chegou com um punhado de magnórios) acabo a falar aqui da aldeia. Todos gostam deste sossego que eu também gosto e que não trocaria um T4 na Foz pela minha caverna, mas, menciono o problema da poluição da central a gás. 

Fala-se de política. Do filho da puta do Salazar e das recentes simpatias fascistas. Das dificuldades dos tempos dos meus pais e avós. De como a minha mãe ia para a escola quase descalça de inverno com o gelo que fazia. Da miséria e da fome que havia. De como Portugal era uma espécie de Coreia do Norte e de como ficamos atrasados. Dos 2/3 que as pessoas que faziam os terrenos tinham que dar ao senhorio. De como agora os terrenos estão todos a mato e silvas porque já não há escravos a trabalhar por uma codea de broa e uma malga de vinho. 

Da revolta que sinto quando ouço alguém dizer que "precisávamos era de outro Salazar". O Portugal fascista não foi o "Conta-me Como Foi" do centro de Lisboa. A ditadura salazarista, principalmente nas aldeias, foi fome e miséria. Foi racionamento. Era preciso enterrar os cereais para não levarem as "sobras de Portugal". 

Até que a senhora me diz: "ele foi perseguido pela PIDE porque os pais eram de esquerda. E ele ainda hoje tem traumas do que passou"...


segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

"Ao Menos no Tempo de Salazar Não Havia Corrupção"

 

De vez em quando lá me vem alguém com o mito: "ao menos no tempo de Salazar não havia corrupção". Não sei se é ingenuidade, se é o poder na negação (agora chamado de negacionismo) ou se é mesmo burrice. E para que, da próxima vez que me vierem com essa tanga de que no tempo da ditadura fascista-católica, que apesar das pessoas não terem liberdade, serem presas e mortas arbitrariamente, mas que, ao menos, era tudo gente muito séria, aqui deixo o testemunho do historiador Fernando Rosas na revista Sábado de 18 Novembro de 2020:


"Os pedidos de cunhas e de empregos ao Presidente do Conselho

Os pobres pediam-lhe dinheiro, mas as elites (médicos, engenheiros, deputados, juízes, militares, empresários, padres e condes) queriam colocações em bancos, aumentos, cargos e comendas. Durante 36 anos, o ditador acedeu a centenas de cunhas".


!Acarta, datada de 16 de junho de 1960, começava de forma pungente: “Já não é a primeira vez que, em desespero de causa, recorro à bondade de Vossa Excelência.” Maria do Céu Taborda Barreto escrevia a Oliveira Salazar a partir da rua das Pedrinhas, em Vila Real. Mãe de sete filhos, “todos rapazes, que vão dos 5 aos 20 anos”, lamentava-se que as contas domésticas tinham mais despesas do que receitas. Estas resumiam-se ao ordenado do marido – 5.700 escudos (€2.140, usando os coeficientes de desvalorização da moeda), como engenheiro e diretor de Urbanização de Vila Real – e a “uma quintinha no Douro, que tão depressa dá 12 pipas, como dá 20”.

O Caso do Acidente

Mathilde Bornhöft (viúva alemã a viver em Portugal havia 30 anos) teve um desastre com vítimas em 1951, foi presa e teve de pagar caução de 20 contos. Em 1953 o juiz absolveu-a de culpa, foi “mandada em paz”, mas não conseguia reaver a caução, que terá sido roubada num desfalque que houve no tribunal do Torel. Dizia que precisava do dinheiro para manter a sua empresa familiar. O caso resolveu-se em menos de uma semana".





O governo de Salazar além de representar a fome, a repressão e a morte, representou também o caciquismo, o favor, a cunha, o compadrio, a corrupção, tanto a pequenina, envergonhada como a corrupção ao mais alto nível, Que se acabe pois, de uma vez por todas, com este mito e esta enorme mentira. 



quarta-feira, 15 de setembro de 2021

O Paraíso Que Era Portugal nos Anos 60

Por estes dias andei a separar um montão de tralhas para deitar ao lixo, desde toda uma sérias de capas ainda do tempo da escola, bem como o primeiro computador (que me custou 250 contos!) e toda uma série de tralhas que já não faz sentido estar estar guardadas, apesar de eu ainda ter espaço (até porque estou solteiro e não tenho filhos) mas é preciso que nos livremos de um monte de tralha desnecessária, para que outras tralhas ocupem o seu lugar.

Foram horas e horas a passar os olhos por muita tralha antiga, até que cheguei a um monte de revistas, a maioria de Heavy Metal que fui colecionando ao longo dos anos e que, definitivamente, não irão para o lixo, mas encontrei também outros tipos de revistar, mormente Notícias Magazine, dos tempos em que comprava, quase religiosamente, todos os domingos, o Jornal de Notícias. Mas porque há hábitos que se perdem, há muitos anos que deixei de comprar, quer revistas ou jornais de quaisquer espécie.

Um número em particular da Notícias Magazine chamou-me a atenção. A capa do  #832 de Maio de 2008 sobre os quarenta anos do Maio de 68 fez-me pegar e abrir a revista. No meio de várias reportagens interessantes, como, por exemplo, o feminismo em Portugal, as "Três Marias", as drogas, o rock, os equipamentos eletrónicos dos anos sessenta, até que passo por uma entrevista com Jacinto Godinho, vencedor do Grande Prémio Gazeta 2006 pelo documentário da RTP "Ei-los que partem - Uma história da Emigração Portuguesa".

E as imagens dos portugueses nos arredores de Paris, em bairros de lata, fotografados por Gérald Bloncourt chocam, e levam a questionar, mas que raio de boa vida se levaria no Portugal fascista de Salazar para ser preferível ir viver para outro país naquelas condições?

"Foi uma consequência da crise do modelo económico do Estado Novo. Por variadíssimas razões, os campos ficaram esgotados, não tivemos a capacidade de basear a nossa produção industrial apenas nas matérias primas nacionais. A mecanização tardia nos campos, nos anos cinquenta, introduziu mais uma crise neste modelo, voltando a produzir muitos desempregados: a industrialização absorveu parte da mão-de-obra mas não a absorveu toda. França porquê? Porque a América estava fechada. E no Brasil praticamente tinha deixado de existir trabalho para mão-de-obra barata. 

Porque é que as pessoas emigravam na década de sessenta? 

A guerra foi um fator, mas o motivo principal que levava as pessoas a saírem do país era a falta de emprego. A agricultura ocupava muita gente e quando a mecanização chegou aos campos, com a introdução das ceifeiras, a partir dos anos cinquenta e muito fortemente na década de sessenta, deixou de haver trabalho". 



Aos poucos querem apagar e reescrever uma história passada. Branqueador o nosso ditador, que, afinal, nem matou tantas pessoas como os outros. Se calhar até era fofifnho. Se calhar nunca vivemos tão bem como no tempo de Salazar. Se calhar, o que precisávamos, hoje, a meio dos anos vinte do terceiro milénio é de outro Salazar! 

Não! Vivemos 48 anos de obscurantismo, de repressão, fome, miséria e de morte. De prisões e mortes arbitrárias. De um atraso descomunal. A vida era tão difícil que os portugueses arriscavam um ano de cadeia a tentar emigrar ilegalmente. E só na década de sessenta, nos últimos anos governados pelo ditador, cerca de um milhão de portugueses emigrou, principalmente para França. 

Não precisamos de outro Salazar. Precisamos é de aprender alguma coisa com a História. 

# Quem Foram os Responsáveis pela Ditadura em Portugal?

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Será Que Não Aprendemos Mesmo Nada Com 48 Anos de Fascismo?

Há coisas muito curiosas. Depois de ter terminado o primeiro volume de Andanças para a liberdade e porque gostava de confrontar a opinião de Mortágua com outras opiniões de outras pessoas que privaram de perto com o "general sem medo", Humberto Delgado, o candidato à presidência da república opositor de Salazar, resolvi que não iria ler de seguida o segundo volume, mas sim pegar no "Obviamente Demito-o". Findo este livro lá retomei as andanças do segundo volume.

Mesmo antes do final do livro já tinha pensado para comigo em jeito de piada que, se calhar, a grande  última missão do autor na luta pela liberdade já em tempos de democracia foi as duas filhas que deu à democracia no parlamento.


"Foi numa quarta-feira de manhã, na cave-"poço" da Repro-Rapid, n número 4 da rua de Cretet, Metro Pigalle ou Anvers em Paris, que por volta das nove da manhã ouvi o Idálio gritar: É pá, a rádio está a dizer que houve uma revolução em Portugal...

O dia 27 foi destinado a carregar o Simca e a convencer os colegas da minha decisão inabalável de participar da Festa tão esperada, nem que fosse a última coisa a fazer na vida.

A estrada até Vilar Formoso era o Rio da Alegria, bandeiras e cantares enchiam a paisagem de cores e as gargantas anunciavam aos ventos... Somos livres! Somos livres! Mesmo sem saber se de facto o éramos. Os peitos inchados de orgulho! Finalmente, íamos demonstrar ao mundo que neste país também havia gente capaz de lutar pela sua dignidade, capaz de sacrifícios para alcançar a LIBERDADE.

Chegámos a Vilar Formoso por volta da meia-noite do dia 30 de Abril e a Lisboa ao romper da mais bela aurora da minha vida!
Da minha e, certamente, da de todos os que encheram as estradas da Europa a caminho da pátria em festa, de todas as organizações, de todos os comités. Trotzquistas, maoistas, comunistas, de todas as tendências e inspirações, cruzavam-se, saudavam-se abraçavam-se como nunca tinham feito."

E não é que, no mesmo dia em que terminei o livro do herói revolucionário romântico que lutou como poucos, arriscando muitas vezes a própria vida contra a ditadura de Salazar, nesse mesmo dia da semana que passou, e na sequência da manifestação de cara tapada, ao melhor estilo KKK que a extrema-direita nazi e fascista fez em frente sede da SOS Racismo, nesse mesmo dia venho a saber que a sua filha, Mariana Mortágua, foi ameaçada de morte conjuntamente com outras deputadas e pessoas ativistas anti-racismo? E para a semana ter terminado em beleza, a PSP processou o jornal Público por causa de um cartoon satírico!

Vivemos tempos muito estranhos e não, isto não tem nada que ver com a pandemia. Será que não aprendemos mesmo nada com quarenta e oito anos de fascismo?

sábado, 18 de julho de 2020

A Incredulidade e a Raiva de Salazar

"Eu tive, na altura, através duma pessoa de inteira confiança, informações de que um inspector da polícia, Pessoa de Amorim, dera conhecimentos dos factos a Salazar, e que o ditador respondeu: "Ora, onde é que ele vai arranjar o dinheiro? Fica muito caro! Não tem viabilidade. Não pense nisso!"

"Mais tarde, após a "derrota" de Humberto Delgado, o polícia teria voltado a escrever ao Primeiro-Ministro, como a censurá-lo por não ter acreditado na notícia e observando que teria sido fácil evitar tantos "aborrecimentos". Bastava, na altura, ter voltado a nomear Delgado para qualquer missão no estrangeiro. Ao que Salazar teria respondido, com um cartão:
"Sr. Pessoa de Amorim, tem você razão, mas continua a ser o mesmo malcriado". Não admitia que lhe chamassem a atenção para o facto de ter errado. O episódio foi-me contado assim e estou convencido de que é exacto.

 Tinha sido muito simples para o governo. Delgado viera de Nova Iorque ou de Washington? Pois iria para adido militar ou outra coisa, noutro lado. Era um oficial, tinha de cumprir. E matava-se a candidatura à nascença. Salazar não acreditou, porque sabia quanto lhe custavam as "eleições", e julgava que, com a Oposição, se passava a mesmo coisa. Não que fazíamos todo o trabalho  sem receber nada e que o dinheiro era o povo, depois, que o dava. A colaboração era espontânea. Ninguém recebia por trabalhar na candidatura. Pelo contrário, oferecia-se dinheiro. Este pormenor foi, afinal, definitivo. Ainda bem que se esqueceu dele, porque assim, felizmente, foi possível ir até ao fim." 

"Obviamente Demito-o - Retrato de Delgado nas Palavras dos Companheiros de Luta" - Manuel Beça Múrias (1975)

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Quem Foram os Responsáveis pela Ditadura em Portugal?



Antecedentes do 28 de Maio

"A República, com a generosidade que caracteriza todos os regimes democráticos, consentiu aos vencidos de 1910 (os monárquicos e a igreja reaccionária), as mesmas liberdades que aos vencedores, e agravando o erro, descurando a vigilância de tais elementos, politicamente retrógrados, socialmente parasitários - mas economicamente dominantes.
Ressentidos da derrota mas não convencidos, os monárquicos dão aguerridamente a face Tentam a ação revoluionária. Estimulam e provocam atos reivindicativos. Usam a Imprensa como arma que acutila, fere, penetra o campo adversário e aí aumenta a divisão que foi nota dominante, mal extinta ainda a madrugada festiva que viu elevar aos mastros a bandeira verde-rubra.

O Golpe Final e... Salazar!

O governo dominado de facto por uma maioria reaccionária não responde nem às interogaçoes nem às solicitações do Povo. Sente que o Exército ganhou, e apronta-se para desferir o derradeiro golpe nas esperanças dos democratas. O obstáculo maior e imediato é Mendes Cabeçadas. A um homem de tal envergadura, e que conta com o apoio popular, há que opor outro outro homem de envergadura idêntica e que conte com o apoio do Exército. Estas condições não as reúne Carmona, a carta oculta na manga dos reaccionários - mas que não pode ainda ser jogada. Faltam-lhe todas as estaturas. O seu valor está em se ter prestado a ser joguete nas mãos dos mentores da Revolução - a Igreja reaccionária e os monárquicos. Opta-se por isso por Gomes da Costa. O general presta-se a ser ator... e o cenário começa a preparar-se (...)

É este ambiente com que Salazar se depara quando chega ao comando Geral da GNR. Pede a Mendes Cabeçadas para conversarem em particular e este acede. Não se sabe o que foi dito no curto diálogo que marcou a entrevista, mas no termo dela, o capitão-de-mar-e-guerra José Mendes Cabeçadas Júnior anunciava a sua demissão. Eram 16 horas e 20 minutos do dia 17 de Junho (...)

A 18, o jornal A BATALHA retoma a ideia da greve geral anteriormente exposta num suplemento apreendido, e a União Anarquista Portuguesa solidariza-se com a CGT afirmando:

Há 15 dias que se vem enganando audaciosamente o Povo Português. Porém, agora, a máscara que escondia a face hedionda da ditadura acaba de cair por terra. Quais são os seus propósitos? Ei-los!
Liberdade religiosa e capacidade jurídica da Igreja - ou seja: a livre expansão das manifestações do catolicismo intolerante, com a mordaça para que os que possuam ideais contrários. 

... E nasce a PIDE

O golpe de Estado que conduziu Carmona à chefia da Ditadura deu origem a que aumentassem as manifestações de desagrado popular, às quais o Governo respondeu com o aumento da violência, que estimulou com a criação das medalhas de Segurança Pública destinadas a premiar os serviços prestados em defesa da vida, dos haveres ou da propriedade dos cidadãos. 
Não se sentindo ainda suficientemente forte para decretar a censura à Imprensa, mas necessitando impô-la, a Ditadura faz publicar o Decreto nº 12 008, de 29 de Julho de 1926 o qual, começando por aceitar que é lícito manifestar livremente o pensamento por meio da Imprensa (artigo 1.º), acaba por limitar esse mesmo direito, ao sujeitar a prisão correccional e multa aos autores dos escritos e desenhos que contenham injúria, difamação ou ameaça contra o presidente da República, (...) ou que aconselhem, instiguem ou provoquem os cidadãos portugueses a faltarem ao cumprimento dos seus deveres militares, ou ao cometimento de atos atentatórios da integridade e independência da Pátria, ou contenha boato ou informações capazes de alarmar o espírito público ou de causar prejuízo ao Estado, ou que contenham afirmação ofensiva da dignidade ou do decoro nacional (artigo 10.º).

(...) Fosse porque tomasse conhecimento desta aliança, ou fosse pela sensação de insegurança que é comum a todos os regimes usurpadores, o certo é que o Governo criou uma polícia política que mais tarde viria a denominar-se PIDE, mas que no seu primeiro batismo recebeu o nome de Polícia Especial. Dependia esta Polícia do Governo Civil de Lisboa, e o seu quadro era composto por um diretor; dois adjuntos; um secretário; dois amanuenses e um chefe - além dos agentes efetivos e auxiliares que fossem considerados necessários. 

sábado, 9 de maio de 2020

A Doutrinação Política que o CDS Gosta

Nesta semana que agora termina várias foram as polémicas causadas pelos fachos dos CDS e pelo facho-coiso-comentador-da-bola-que-de-vez-em-quando-mete-os-pés-na-assembleia-da-república para atos racistas e que mais uma vez foi driblado, desta vez com uma trivela do primeiro-ministro António Costa.

O CDS, na pele do eurodeputado Nuno Melo, o português mais faltoso do parlamento europeu, veio-se insurgir contra o historiador Rui Tavares, e o partido acabou mesmo a perguntar ao governo se este era professor da Telescola e falaram mesmo doutrinação política. Não, o historiador Rui Tavares não é professor da Telescola, apareceu simplesmente num vídeo de uma aula.

Mas eu acho é que o CDS e o Nuno Melo têm muitas saudades e salivam pelos tempos do fascismo e da ditadura, tempos esses de verdadeira isenção no ensino! Nesses tempos, como se provam as imagens abaixo retiradas dum livro de ensino para adultos do meu avô, era o próprio presidente do conselho de ministro, "Doutor Oliveira Salazar" que publicava textos para os alunos lerem!, e ainda diziam cobras e lagartos do comunismo, principal motor da oposição em Portugal ao fascismo. 

Ah, Nuno Melo, nesse tempo é que havia isenção no ensino, não era? 



quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Maldito Salazar!

roubado daqui: http://pedroribeiroferreira.blogspot.com
Depois de nas legislativas um pequeno partido de extrema-direita ter eleito um deputado no parlamento português, soaram os alarmes. Cuidado! Os fascistas também já chegaram a Portugal, como se de mais uma moda se tratasse, e  como bem sabemos, tudo que são modas, e que vêm lá do estrangeiro, demoram sempre mais um bocado a chegar a Portugal! Mas isto é tão ridículo porque esse mesmo deputado estava no Partido Social Democrata e teve inclusive o apoio de Passos Coelho para ser candidato à Câmara Municipal de Loures em coligação com o Centro Democrático Social (CDS), que depois lhe retirou o apoio, quando o senhor veio com aquele discurso polémico e racista sobre os ciganos. 

Fala-se com muito medo da extrema-direita, mas a verdade é que isto não surge de geração espontânea! Os fascistas já vivem no meio de nós! E de vez em quando lá mostram a sua face!, e ontem confrontei-me com um colega que treina comigo e de quem nada sei, mas que após o velho argumento do ressabiamento da direita que "o Costa tomou o poder de assalto", passado um bocado já me estava a dizer maravilhas do Salazar!!

Alto! Para tudo! Então a democracia não presta - bem lhe tentei explicar que em democracia governa quem tem mais deputados! - mas, espera lá, a solução é uma ditadura em que o ditador pode matar  qualquer pessoa que pensa diferente? Mas o que é que esta gente tem dentro da cabeça, caralho?

Eu comecei por tentar explicar - não estava a ser fácil fazer-me ouvir! - porque parece que as pessoas já se esqueceram do que aconteceu na sequência das eleições legislativas de 2015! Vêm com a puta da cantilena que quem teve mais votos foi a coligação de direita, mas fazem o choradinho que foi o Costa que tomou o poder., como se ele tivesse montado num tanque de guerra e tomado o pode de assalto! Não! Não foi nada assim que se passou. A PAF teve mais votos nas eleições e o senhor presidente da república Cavaco Silva (aquele que não conseguia viver com 15 mil euros por mês, lembram-se?) empossou como primeiro-ministro o Passos Coelho, mesmo já sabendo que os partidos de esquerda no parlamento se tinham pela primeira vez unido para varrer  a direita, visto que como tinham maioria absoluta no parlamento poderiam suportar um novo governo. Chama-se a isso democracia!

O senhor Passos Coelho toma posse, mas fica na história portuguesa como o primeiro-ministro dum governo que durou menos tempo: onze dias!, porque após uma moção de censura, 123 votoram a favor e 107 votaram contra. E caía assim o governo de Passos e Portas, simplesmente porque tinha menos deputados no parlamento. Então se calhar a direita não ganhou eleições nenhumas, tão simplesmente porque não elegeu 116 deputados (mais de metade do total de 230) A isto chama-se: democracia, mas parece que anda por aí muita gente, até com responsabilidades, que não sabe bem o que isso é!

Depois desta explicação o meu contendor começa a disparar em todas as direções! Mais parecia um soldado com uma metralhadora descontrolada! Que não deveria ser assim, que está mal, que os partidos se deveriam coligar antes e não depois das eleições - o que faz um sentido do caralho visto que eu posso-me identificar com um partido, que estando coligado com outro que detesto já irá perder o meu voto! Os partidos vão a votos, as alianças a existir fazem-se depois, ainda que também possa ser feitas antes. Mas caso não se concorde com este sistema então que se mude a Constituição e se façam leis diferentes! Mas para já são estas as regras que temos, não temos mais nenhumas, nem se mudam as leis a meio do jogo.

E conversa vai e conversa vem, e fico a saber que nos tempos de Salazar é que afinal o país estava muito bem!! Puta que pariu!!

E são sempre os mesmos argumentos de sempre! Já parecia os argumentos dos defensores das touradas! Porque no tempo de Salazar havia "respeito" e não havia crime como hoje! "Tu vives no terceiro país mais pacífico do mundo caralho, queres o quê"? No tempo de Salazar não havia respeito, havia era muito medo, porque arrebitavas cabelo e ias servir de alimento aos peixes no fundo do rio Douro!

Ah, e a economia!! Sempre o argumento da economia! O povo morria de fome, os bens eram racionados, mas o país estava rico! Recentemente também houve outro iluminado, Luís Montenegro, ex-líder da bancada parlamentar do PSD que, em pleno governo de Passos Coelho veio dizer essa alarvidade: "a vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor"! Fico realmente na dúvida em saber o que afinal será um país!



As pessoas morriam de fome, fala-se na célebre "sardinha para três" e comia-se muita batata com couves - quem as tinha! - senão era batatas com batatas, mas o país estava um espetáculo! Havia racionamento, aos agricultores era confiscada toda a produção do que produziam, mas depois todo esse roubo ia para o estrangeiro em comboios que diziam - veja-se da falta de vergonha da propaganda fascista! "As Sobras de Portugal"!



"Eu tinha quatro filhos e era filha de lavrador – filha única, que eu não tinha mais irmãos. E o milho era todo arrecadado para depois ir para as outras nações que tinham a guerra, não é? Os comboios diziam assim: Sobras de Portugal. Cá não havia sobras: era fome! A gente aqui esticada à fome! (Foi a [guerra] de 1939 a 45. Chamavam o racionamento. Nem os próprios lavradores podiam ter o milho! Tinham de o esconder. Levaram o milho todo!"

Portugal viveu um período de cinquenta anos de obscurantismo, de repressão e de analfabetismo, de fome e censura, no entanto há hoje pessoas que acreditam cegamente - e que puta de lavagem cerebral lhes devem ter feito! - que no tempo de Salazar é que é era! E já diz o povo "mais vale cair em graça que ser engraçado"! Nada do que se argumente convence estes fanáticos. Nada!! É um dogma: "Salazar é o melhor português de sempre" mesmo que tenha matado montes de pessoas, umas diretamente como Humberto Delgado do "obviamente demito-o", como tantos outros anónimos que combatiam o regime, como matou tanta gente à fome e de miséria, e muitos outros na guerra colonial.

Eu gosto de discutir e trocar ideias, porque "é da discussão que se faz luz" mas quando encontramos gente que diz este tipo de barbaridade, então simplesmente é melhor cada um ficar na sua. Passamos uma hora a discutir em vez de treinar - e há torneio na 6a feira! - e ainda por cima apanhei um leve resfriado, e aquela hora da noite se calhar ainda incomodamos os vizinhos.

Maldito Salazar!

domingo, 13 de abril de 2014

A "escola de excelência"

Passava os olhos pelas capas dos jornais, e o cherne Durão, ex-comunista e ex-primeiro-ministro, que abandonou o país, para ir nadar em águas europeias, bem mais ricas que aquilo que as nossas lhe poderiam dar, vem agora, com grande lata, falar da "cultura de excelência" da escola de Salazar. Ainda por cima escolhe o momento certo, quando estamos a duas semanas de comemorarmos os quarenta anos de 25 de abril. E como eu não acredito em coincidências...

Deus, sempre amigo dos fascistas!

Eu já nasci depois do antigo regime ter caído da cadeira, não vivi nesse tempo, mas tive pais e avós, e sei muito bem, ao contrário de alguns, que sempre viveram numa bolha e protegidos da realidade o que se passava na altura. A cultura de excelência da escola dos fascistas, era uma criança ter de andar a trabalhar no campo de manhã bem cedo, para ajudar os seus pais, e depois ir para a escola quando calhasse, além de suja, na maioria dos casos descalça, pois a maioria das pessoas, nem dinheiro tinha, para poder comprar um par de sapatos para dar aos seus filhos.

São tão lindos os "pretinhos" - não são?

A cultura de excelência da educação nos tempos de Salazar era tal, que a larga maioria das pessoas era analfabeta! E com muita sorte, as crianças naquele tempo, tinham a oportunidade de fazer a quarta-classe, mesmo que tivessem capacidades para muito mais. Ainda hoje é o dia, que a minha mãe se lamenta, de não ter tido a oportunidade, de ter podido estudar e fazer mais do que a instrução primária. Olha que sorte teve ela teve em viver na "cultura de excelência" fascista!

Propaganda fascista nos livros de instrução primária
E tu cherne, também  ias para a escola descalço, ou caminhavas com sapatinhos de burguês?