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terça-feira, 12 de agosto de 2025

É Como se os Pais Não Morressem

 


"Não fiques triste. Olha que eu acredito que os pais ficam nos filhos. É como se os pais não morressem. Porque tiveram filhos. Percebes?"



Mal Viver - João Canijo (2023)

domingo, 4 de maio de 2025

Quando me Pediste para Te Deixar Ir...

 "Por favor vá-se embora. Sei que deveria ser eu a partir, é esse o meu dever, mas estou sem forças, não posso continuar assim. Quando me sento, senta-se ao pé de mim, quando eu falo é o senhor que responde. Fico corada ao pé de si e toda a gente repara. Mas... quando estou sozinha...

Suplico-lhe que se vá embora. Vá-se embora, por favor. 

- É isso que quer?

Que quer que lhe diga?

Que não quero que se vá embora? Não posso dizê-lo. Não posso!


Revi "Valmont" de Milos Forman, filme de 1989. Esta cena remeteu-me para o meu próprio passado, quando também ela, sem forças, pediu-me para a deixar ir porque não aguentava mais estar longe de mim... E eu "deixei"... Mas porque é que é tão difícil fazer o que parece certo? 

domingo, 17 de setembro de 2023

A Vida Secreta das Palavras

Há filmes que tenho de voltar a rever e, um deles, é este "A vida secreta das palavras". 

"Eles fecharam a plataforma. 
E para onde é que irão todos?
Ofereceram-nos trabalho no Chile. O Simon vai voltar e tentar o negócio do restaurante.

Chile...
Eu ainda não decidi o que fazer.
Ando a pensar nisso.
Que bom.

Eu pensei que... tu e eu...
Talvez pudéssemos ir para algum lugar juntos.
Um destes dias. Hoje.
Agora mesmo.
Anda comigo, Hanna.

Não, eu...
Não creio que isso seja possível.
- Por que não?

Porque acho que se formos embora,
para algum lugar juntos...
Tenho medo de que um dia...
Talvez não hoje...
Talvez amanhã também não,
mas um dia, de repente...
posso começar a chorar e chorar muito
que nada nem ninguém pode me impedir.
E as lágrimas encherão a sala,
Eu não vou conseguir respirar,
e eu vou levar-te comigo para o fundo comigo,
e os dois nos afogaremos.

Mas vou aprender a nadar.
Juro.

domingo, 10 de abril de 2022

Blade Runner Passa-se no Início da Pandemia de 2019

Rever um filme anos mais tarde, chama-nos a atenção para pormenores que antes não interessavam e muitas vezes, com o passar do tempo determinado filme, livro ou outra obra qualquer ganha uma dimensão diferente. Blade Runner (que traduziram para "Perigo Iminente" em português apesar de ser o nome da personagem principal) é um filme de ficção científica de 1982 realizado por Ridley Scott. 

O mais curioso é que o filme foi um fiasco de bilheteira, mas, tal como dizia, com o passar dos anos acabou por se tornar num filme de culto. 

Mas o que desde logo me chamou a atenção no filme foi passar-se em Novembro de 2019, início da pandemia de COVID-19. 


E, mais curioso ainda, é, ao longo do filme, vermos várias imagens de uma senhora asiática nas paredes de um prédio, a sorrir e a comer uma espécie de pequena cápsula. 


Blade Runner (vi a versão integral) é de facto um filme interessante. Confronta-nos com questões éticas e morais perante o evolução tecnológica. No fim de contas até os replicantes só querem viver um pouco mais e viver para ter as suas próprias memórias. 

domingo, 9 de janeiro de 2022

As Vinhas da Ira do Interstellar

"Nas estradas, onde o gado transitava e onde as rodas dos carros moíam o chão e as patas dos cavalos calcavam a terra, rompia-se a crosta de lama e formava-se a poeira. Tudo que se movia lançava a poeira no ar; um viandante levantava uma camada, que lhe chegava à cintura, uma carroça fazia-a subir até aos taipais e um automóvel deixava uma nuvem atrás de si. E só muito tempo depois a poeira acabava de assentar". 

"Homens e mulheres refugiavam-se precipitadamente nas casas e, quando saíam, atavam lenços ao nariz e punham óculos para proteger os olhos. 

Entre o Natal e o Ano Novo vi vários grandes filmes de vários géneros como: O Labirinto do Fauno, Amadeus, Efeito Borboleta (director's cut) e Interstellar. Relembrar que são filmes provenientes dos enormes lotes de DVD que comprei mas não esquecer também que, muitas vezes, faço verdadeiras séries com os filmes que vou vendo ao longo de vários dias. Ou seja, não vejo assim tantos filmes ao longo do ano.

Interstellar havia-me sido recomendado pelo meu ex-patrão. Se nada das suas opiniões políticas me interessava como, por exemplo, me ter massacrado que Trump merecia o Nobel da Paz ou que a pandemia era uma gripezinha, já no campo cinéfilo coincidíamos bastante. E, se já por sua sugestão acabei a ver Inception, primeiro filme que vi em 2016, curiosamente acabei agora por ver este Interstellar, primeiro filme de 2022. 

Apesar de não ser propriamente fã de filmes sobre a conquista do espaço, não posso dizer que o filme não seja bom (e ainda por cima tem o sorriso de Anne Hathaway, não é?) mas, para mim, o mais curioso de tudo foi ser transportado para os cenários narrados por Steinbeck em "As vinhas da Ira". 

Não é subliminar. Está tudo lá escarrapachado! A casa; o pó por todo o lado e os pratos em cima da mesa virados ao contrário; as máscaras e os óculos que as pessoas usavam para se proteger; os campos de cultivo cada vez mais improdutivos e a fome generalizada; o êxodo dos carros carregados com os haveres em cima do tejadilho; e até há um Tom no filme.

O filme, de facto  é muito bom, mas vão por mim, o livro é um clássico assombroso. 

E a Ira começou a Fermentar

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Filmes de Culto: O Corvo

"Antes dizia-se que, quando alguém morria, um corvo levava a alma para a terra dos mortos. Mas, às vezes acontece algo tão mau, que uma tristeza terrível acompanha a alma, não a deixando repousar. E, às vezes, mas só às vezes, o corvo pode trazer a alma de volta para corrigir o que estava errado". 

"Um prédio arde. Só restam cinzas. Pensava que tudo se passava assim. Famílias. Amigos. Sentimentos. Mas agora sei que, por vezes, se o amor for verdadeiro, nada separa duas pessoas que devem estar juntas."

Por estes dias comprei esta edição usada de "O corvo". Não sei quando foi a última vez que tinha visto o filme,  mas foi certamente há muito tempo para eu já não me lembrar de quase nada! 

Nem sequer da frase "Can't rain all the time"!

Nunca saberemos o que poderia tido sido o filme se o protagonista não tivesse morrido na rodagem (ou sido assassinado?). Porque quer queiramos, quer não, isso colocou imediatamente um grande foco de atenções em cima da estreia do filme. Tal como também não poderemos saber o que teria sido a carreira de Brandon Lee (filho de Bruce Lee) se esta tragédia não tivesse acontecido, e que, à semelhança do pai, também foi morto no quinto filme que rodava. Por outro lado tudo isto ajudou a perpetuar o mito de ambos. 

"O corvo" foi rodado em 1993 e é inspirado na banda desenhada de James O’Barr que, por sinal, também ele viveu uma tragédia pessoal. A namorada foi atropelada e morta por um condutor bêbado, e uma das formas que ele encontrou para exorcizar os seus demónios e sentimentos de culpa foi precisamente desenhando a história de Eric Draven (interpretada no filme por Brandon Lee) que regressa dos mortos para vingar o seu assassinato e o assassinato da namorada. 

 O filme é bastante negro, a própria fotografia do filme é sombria, passa-se sempre de noite, por vezes parece quase a preto e branco (como na banda desenhada), é bastante gótico com a pintura facial que Eric usa (quase ao estilo de Joker do Batman) com uma banda sonora muito boa (The Cure, Rage Against the Machine, Nine Ich Nails) e onde o fio condutor é esta ideia romântica do amor eterno, e, já agora que penso, se calhar, à semelhança de Dracula de Bram Stoker que saiu, precisamente um ano antes (e que também já é altura de rever!). Quem nunca viu "O corvo", veja, porque vale bem a pena. 


sábado, 22 de maio de 2021

Estamos Destinados a Estar Afastados?


 Aos poucos lá vou continuando a diminuir a quantidade de filmes em DVD que tenho para ver (mas calma, ainda faltam umas dezenas!). Hoje vi "Se as Montanhas se Afastam" (2015) do realizador chinês Jia Zhangke-Ke. Não conhecia o filme, acho que nunca vi nenhum filmes deste realizador, mas, costumo gostar de filmes asiáticos. E este não foi exceção. 

 "Se as montanhas se afastam" é um filme que se passa em três partes: 1999, 2014 e 2025. É um filme que faz alguma crítica social à China dos contrastes, típico dos países capitalistas com as suas grandes desigualdades, onde há quem tudo tenha, e quem viva com grandes dificuldades, e que também nos mostra como temos que nos ir adaptando a este mundo de constante mudança. 

Mas é essencialmente um filme sobre as relações entre as pessoas, e também dos graves problemas de comunicação entre as pessoas - o realizador mostra-nos isso muito bem quando um filho leva uma intérprete para traduzir o seu inglês para o pai chinês e em que acaba por lhe dizer ":"You're my dad. But it's like Google Translater is your really son" - e, mais importante ainda, que nos mostra como as nossas decisões que tomamos poderão ter consequências para o resto da nossa vida. 

No filme, a personagem central é Tao, uma jovem de 18 anos que, em 1999, tem uma dessas decisões importantes que a marcará para o resto da vida: a escolha entre dois pretendentes que disputam o seu coração. Escolher entre o honesto mas humilde mineiro de carvão Liangzi, ou o betinho empresário rico e fanfarrão Zhang, que só pensa em fazer mais e mais dinheiro. 

Os três são amigos, mas não sei se Zhang gosta realmente de Tao, ou se foi movido pelo ciúme e competição da proximidade entre Tao e Liangzi. Parece-me que se sentiu estimulado a abordá-la como quem espera que a cotação do carvão cai ao máximo para depois poder comprar uma empresa em dificuldades.  

Para não estragar muito a história do filme, dizer que em 2014 Tao estará divorciada e infeliz e longe do seu filho...  E que uma das frases do filme (que tem várias interessantes) é precisamente esta:

"Ninguém pode estar connosco a vida toda. Estamos destinados a estar afastados"


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

The Magdalene Sisters

Porquê? Em nome de Deus que fizemos para merecer isto? Não somos escravas... Nem inválidas, e o que é que fizemos? Ter um filho não é um crime. 
Tê-lo não sendo casada é pecado mortal. 
Pecado mortal nenhum justificava este lugar. Mas eu cometia qualquer um, mortal ou não, para sair daqui.
 

Calcula-se que umas 30 mil mulheres foram enclausuradas em Asilos Madalena por toda a Irlanda. A última lavandaria foi fechada em 1996.

"As irmãs de Maria Madalena" (The Magdalene Sisters) é um filme de 2002, muito bom, mas muito perturbador e revoltante também. O filme, vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza, é baseado em factos reais, que não são passados na Idade Média mas sim há meia dúzia de anos. Somos confrontados com a realidade dos conventos irlandeses até 1996 (mas que por certo serão a realidade dos conventos por esse mundo fora).

Os conventos de Maria Madalena na Irlanda eram administrados por freiras da Misericórdia em nome da Igreja Católica. A estes conventos (ou asilos?) iam parar jovens mulheres por motivos tão diferentes como: ser violadas, mãe solteira (os filhos eram-lhes retirados mal nasciam), ser demasiado bonita ou demasiado feia, demasiado ingénua ou demasiado inteligente. Ali eram levadas e fechadas e eram obrigadas a trabalhar numa lavandaria durante anos (às vezes toda a vida) sem qualquer pagamento. 

O filme acompanha a vida de quatro mulheres reais: Crispina, Rose Margaret e Bernadette ali encerradas para expiarem os seus pecados: serem mães solteiras, abusadas, demasiado bonitas ou demasiado simples ou inteligentes. 

Mas além de serem prisioneiras e escravas e, estarem impedidas de contactar com os filhos,  não pensem que as suas vidas dentro dos conventos eram mais fáceis. Não podiam falar umas com as outras (no filme mostram-nos as estratégias que arranjavam, por exemplo, enquanto dobravam os lençóis, era quando se aproximavam que iam trocando palavras por forma às freiras não ouvirem), eram espancadas e rapavam-lhes o cabelo se tentassem fugir, e eram alvo de constantes humilhações, por exemplo, no filme mostram isso quando as freiras as puseram nuas e faziam comentários sobre os seus atributos físicos.  

É perturbador pensar que, aqueles que se arrogam de defensores da moral e dos bons costumes, defensores da suposta palavra de Deus, acabam no fundo por ser os piores, opressores, que escravizam, humilham e maltratam os seus semelhantes. Pior ainda quando falamos de freiras, que também são mulheres, a ostracizar sadicamente outras mulheres. 

Os conventos Maria Madalena foram encerrados em 1996, mas podemos olhar para estes conventos como uma metáfora da nossa vida atual, em que as mulheres ainda são vítimas de discriminação a todos os níveis, discriminação essa perpetuada nos últimos dois mil anos pela religião católica, discriminadas ainda, seja no trabalho ou na sociedade, e vítimas de violência nas casas onde habitam, pagando tantas vezes com a própria vida só pelo simples facto de terem nascido mulheres.

sábado, 16 de janeiro de 2021

Diários de Motocicleta

Em 1952, Ernesto Guevara (Gael García Bernal) tem 23 anos e estuda medicina. Quase no fim do curso, deixa a sua casa em Buenos Aires para seguir numa viagem com o amigo Alberto Granado (Rodrigo de la Serna). Os dois partem na temperamental Norton 500, a mota de Alberto a que chamam "La Poderosa", para realizar um sonho comum: explorar a América Latina. O mapa de viagem que desenham é ambicioso: leva-os de Buenos Aires à Venezuela, passando pelos Andes, pelas costas do Chile e pelas ruínas de Machu Picchu até Caracas, onde tencionam chegar a tempo do 30º aniversário de Alberto. Mas a viagem torna-se mais do que uma descoberta geográfica e conduz os dois amigos numa grande odisseia de descoberta interior. Os dois começam a questionar o valor do progresso dos sistemas da época, que exclui tantas pessoas, e ganham uma consciência de justiça e uma vontade de mudar o mundo para melhor. Enquanto Alberto regressa ao seu trabalho, agora com diferentes objectivos e perspectivas, Ernesto "Che" Guevara tornar-se-á num dos mais importantes líderes revolucionários do século XX.

Há filmes, livros (até pessoas) que nos passam pelas mãos e que rapidamente nos esquecemos. Outros livros e filmes há que nos deixam a pensar dias seguidos. Foi o que me aconteceu com este último filme que vi "Diários de Motocicleta" (The Motorcycle Diaries) filme de 2004 que por estas bandas decidiram, e mal, traduzir para "Diários de Che Guevara" porque, certamente venderia bem melhor. Contudo eu sou da opinião que uma tradução deve ser o mais fiel possível e, neste caso, ainda por cima o filme é de um realizador brasileiro e aborda a história de dois jovens: Ernesto e Alberto, e o filme baseia-se nos diários de ambos. Este edição especial em DVD que tenho, além do filme tem ainda o documentário "A viagem de Che Guevara" (Gianni Miná) em podemos ver as filmagens do filme e os comentários do próprio Alberto Granado ainda vivo e com oitenta anos na altura e que vai relembrando como tudo aconteceu.

Argentina, 1952. Alberto Granado, de 29 anos, bioquímico, planeia uma verdadeira odisseia pela América Latina na sua moto "la poderosa" que tinha comprado em 1946 por 3600 pesos, qualquer coisa como mil euros nos dias de hoje. De Buenos Aires à Venezuela, passando pelos Andes, pelas costas do Chile e pelas ruínas de Machu Picchu até Caracas, onde tenciona chegar a tempo do seu trigésimo aniversário. Mas tem que escolher um companheiro para a desafiante e perigosa viagem, e a escolha recai num finalista de medicina, de 23 anos, chamado Ernesto Guevara, que era conhecido por todos como "Fúser". Ernesto, ou Fúser, como Granado lhe chama, era um grande desportista, porém, sofre de uma doença crónica e tem severos ataques de asma e tem que fazer inalações com a bomba.

A longa viagem iniciática destes dois médicos, irá mudar-lhes radicalmente as vidas ao serem confrontados com tantas injustiças e repressão. Ernesto tinha um grande conhecimento da América Latina pelos livros, mas queria conhecê-la ao vivo. E esta será uma viagem espiritual, de descobrimento e do desejo de transformação do mundo. Transformar o utópico em realidade. Ernesto superará a barreira da dificuldade da doença, e a barreira social, e decidiu a margem do rio que quis ficar. 

Na casa de Ernesto habitava uma família numerosa, além dos pais, cinco filhos, em que "Fúser" era o mais velho. Pela casa podíamos encontrar estantes repletas de livros, bons discos e muitos amigos. Era uma família de intelectuais, onde se conversava e discutia todos os assuntos. O Pai, de origem irlandesa era diretor da companhia de petróleo do Estado argentino e a mãe era uma mulher culta e desde cedo incentivou o filho Ernesto a ler. No livro do pai de Ernesto, este escreveu:
Um dia o meu filho, Che, disse-me: 
"Vou para a Venezuela". 
Fiquei muito surpreendido e perguntei-lhe por quanto tempo e ele respondeu-me por um ano. Quando lhe perguntei pela namorada, respondeu-me que se gostasse dele, esperaria. A namorada chamava-se Chichina. Ernesto e Alberto passariam por Miramar para se despedirem no início da viagem.

Antes da partida, a mãe de Ernesto recomendou Alberto, que era o mais velho, que ele fizesse tudo para que Ernesto acabasse o curso de medicina, porque um curso superior dá sempre jeito. Já o pai pergunta-se, o que é que lhe poderia dizer para impedir o filho de fazer esta viagem, se ele mesmo a quis ter feito?


Alberto refere que ninguém acreditava que eles conseguissem fazer tal viagem, mas diz que que Ernesto era um teimoso duro, ao passo que ele era um teimoso brando. Mas eram os dois teimosos e seria muito difícil desistirem. Contudo "la poderosa" acabaria por chegar ao fim de vida em Los Angeles, perto de Temuco (Chile) e a partir daí a expedição como que passa a ser liderada por Ernesto. 

"A mota mostrou-me um outro lado da vida. Eu nunca fui tímido, mas a mota tornou-me mais destemido, capaz de de fazer qualquer coisa. É algo que devo à mota. E para mim deixá-la custou-me muito. Era como deixar uma velha amiga". 

Depois de terem apanhado um camião até Valparaíso, é aqui que se dá uma grande revelação para o jovem Ernesto. Foi aqui que, depois de terem sido bem recebidos por pessoas bastante acolhedoras que até lhes pagaram o almoço, descobrem uma senhora bastante doente que Ernesto resolve visitar. E o que a senhora tinha era uma pneumonia grave e, ainda por cima havia uma grande falta de higiene. Quando Ernesto chegou até junto de Granado disse-lhe que a mulher estava muito mal, que era empregada e que tinha sido despedida, e que a família a olhava como uma intrusa. Este acontecimento foi tão marcante que Ernesto escreveu no seu diário:

"Está na hora dos políticos se ocuparem mais das pessoas e dos doentes e deixarem de lado a propaganda política". 

Granado conta que, já naquela época, sem ser um revolucionário, Che, tinha essa sensibidade, que fez dele o que fez. Na carta que escreveu à mãe:

"Querida mamã, eu sabia que não poderia ajudar aquela pobre mulher, que até há um mês tinha servido à mesa, ofegando como eu, tentando de viver com dignidade. Havia naqueles olhos moribundos um humilde pedido de desculpas e uma desesperada súplica de consolo, que se perdia no vazio, como se perderá em breve o seu corpo". 

Outro dos momentos importantes no filme é a passagem dos nossos aventureiros pela minas de Chuquicamata, de exploração de cobre, que se dizia serem as minas mais ricas do mundo e que estavam sob o domínio da empresa americana Anaconda Company. Foi em Chuquicamata que despertou o desejo de justiça social. Granado diz que aprenderam muitas coisas nas poucas horas que estiveram lá. Perceberam como a indústria estava muito avançada tecnologicamente. Depois como os operários de uma zona não sabiam o que os outros faziam. Foi por causa destas minas que foram nacionalizas pelo governo eleito democraticamente, que em 1973 os americanos, num golpe organizado pela CIA, assassinam Salvador Allende e lá colocam Augusto Pinochet, um seu fantoche, que impõe uma feroz ditadura que assassinou cerca de quarenta mil chilenos. 

O momento mais marcante do filme é quando os dois jovens são colocados a trabalhar na leprosaria de San Pablo no Peru. De um lado dum braço do Amazonas ficavam as instalações das pessoas saudáveis, do outro, a leprosaria. Os doentes de lepra ou com suspeitas de terem lepra eram alvo de grande descriminação por parte da administração do hospital, porque os médicos usavam máscaras, toucas e  luvas, e quando deixavam os doentes e regressavam de barco desinfestavam-se completamente. E foram estes dois médicos estrangeiros, Ernesto e Alberto, que romperam com todas essas normas instituídas apesar de serem muito criticados porque se misturavam com eles, comiam a comida deles e jogavam futebol com eles, cumprimentavam-nos com um aperto de mão, sem luvas. E isso fez com que se criasse uma espécie de mística sobre eles. 

No documentário, uma senhora leprosa, que tinha 18 anos quando Ernesto e Alberto chegaram a San Pablo refere-se a Ernesto (futuro Che Guevara) como "muito culto e extremamente honesto". 

Até que chega o dia de aniverário de Ernesto, e já de noite, este decide atravessar o rio e ir festejar o seu 24º aniversário com os leprosos. Alberto bem tentou demovê-lo, prevenindo-o que o rio tinha piranhas e bastaria arranhar-se e sangrar para que viesse um monte de piranhas, além disso também há crocodilos e a corrente é muito forte... Mas nada o demoveu. Atirou-se ao rio e conseguiu chegar ao outro lado para gáudio de todos. 

Para o realizar Walter esta é a cena mais emblemática do filme e foi um dos motivos porque quis fazer o filme. No dia do seu aniversário, no dia em que nós fazemos um balanço da nossa vida, Ernesto deseja ir para a outra margem do rio, deixando a margem sã, das freiras católicas e de rituais desnecessários e discriminatórios, e ir para o outro lado onde estão os deserdados, aqueles que são colocados à margem da sociedade.. 

O filme deixou-me a pensar em como os pequenos pormenores podem mudar vidas. A vida destes dois médicos teria sido igual se não tivessem feito esta viagem? E Ernesto teria-se transformado no grande revolucionário do século XX, Che Guevara, se não tivesse feito esta viagem? E estes pequenos acasos, estas pequenas revelações, são coincidências ou é o destino? No documentário, Granado, depois de ter sabido que no local em que estavam a filmar, era onde vivia a viúva de Luna (uma das peripécias que o filme retrata) quando param na cidade de Temuco, disse:
"Julgo que é a força de Che. No ano passado tive um enfarte. Salvaram-me no dia 8 de Outubro, o dia em que morreu o Che. Penso que isto tem tudo a ver com tudo, e ele está metido nisto tudo". 

Independentemente do que possamos acreditar, livre arbítrio, coincidências ou destino, a verdade é que há pequenas decisões que mudam vidas. 

Diários de Motocicleta / Walter Salles (2004)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Ler é como ir ao Cinema Sozinho

The Book Of Secrets by ShaynART

 Foi quando estava a ler Memórias Íntimas e Confissões de um Pecador Justificado que, ao sentir a falta de ter alguém com quem trocar ideias sobre o enredo que estava a ler e do que tudo aquilo poderia poderia ser, que me lembrei precisamente disto: o ato de ler um livro é  mais ou menos como ir ao cinema sozinho, só que, mas ainda mais solitário.

Quando vamos ao cinema sozinhos não temos ninguém ao nosso lado para falar sobre as expectativas do filme. Quando lemos um livro quanto muito alguém já nos pode ter falado do livro, que é muito bom, que a história prende o leitor, que é muto interessante para conhecer determinados factos da História, etc. Por exemplo, comecei a ler o primeiro livro de Murakami porque coloquei uma fotografia no Instagram de vários livros que tinha recebido e uma pessoa comentou que "Murakami é muito bom". Quando vemos um filme, se formos daquelas pessoas que olham primeiro para o nome do realizador do que dos atores, também já dará para ter algumas informação, ainda que, no meu caso, tal como acredito que seja a larga maioria, as pessoas olham sim para os nomes dos atores e não propriamente para o nome do realizador. Se calhar nem os conhecem, se calhar ninguém sabe quem é o realizador do "Sozinho em Casa" que deu passou mais vezes na televisão do que o número de testes à COVID-19 que o Marcelo fez no último ano! O que não deixa de ser algo injusto para o realizador, porque o artista, a obra, o filme neste caso é do realizador e quem tem quase sempre « os louros da fama são os atores, ainda que todos os realizadores precisem de bons atores  para terem uma boa obra. 

No que aos livros diz respeito, também já podemos conhecer o escritor de uma obra anterior e saber, mais ou menos, ao que vamos. Mas, por mais livros que tenhamos lido, uma obra de ficção é sempre algo novo e diferente. Temos que ser nós, ao contrário, por exemplo, da televisão ou do cinema, a criar os nossos cenários com as descrições que nos vão sendo feitas. E, tal como no cinema, se lá estivermos sozinhos na sala, quando o livro acaba e as luzes se acendem enquanto passam os créditos finais, não temos ninguém ao lado com quem trocar impressões sobre o livro que acabamos de ler como quem pergunta: "então, gostaste do filme"?

Enquanto li "Memórias íntima e confissões de um pecador justificado" senti essa falta de ter alguém alguém com quem conversar sobre o livro. Naquela alegoria, afinal, o homem estaria possuído por espíritos malignos; era o próprio chifrudo do "Balha-me Deuz"; era tudo fruto da sua imaginação e sofria de perturbações mentais, ou sofria de dupla-personalidade? O que é que outra pessoa pensaria daquilo? Se calhar até teria precisamente as mesmas dúvidas que eu, porque o livro foi precisamente escrito desta forma para não dar a papinha toda feira ao leitor, mas para o deixar a pensar.  

Contudo, talvez essa seja a vantagem dos clubes de leitura. Colocar várias pessoas a ler o mesmo livro e a opinar sobre ele. Sei que existem mas nunca estive em nenhum e duvido que venha a estar. Conheço também dos filmes e séries americanas. Em Lost, por exemplo, existia um "Book Club", e ao longo da série muitos livros iam sendo sugeridos sub-repticiamente. Eu não sei se os clubes de leitura funcionam bem ou nem por isso. Mas, na falta de um clube de leitura, cabe-nos conversar connosco próprios e tirar as nossas próprias conclusões. E, quem sabe, sugerir, ou não, um determinado livro aos amigos e colegas. Como quem sugere, ou não, um bom filme. 

sábado, 5 de dezembro de 2020

PERSEPOLIS


(1978) "Naquela época tinha uma vida tranquila e sem percalços. Uma vida de criança. Adorava batatas fritas com ketchup, o Bruce Lee era o meu herói preferido, calçava sapatilhas Adidas e tinhas duas grandes obsessões: poder um dia depilar as pernas e tornar-me o último profeta da galáxia"

Continuando ainda a saga de ir vendo os filmes daquela enorme compra que fiz (todos a 1€) o filme que verdadeiramente me surpreendeu ultimamente foi este Persepolis. 

Esta é a história de uma menina que cresce no Irão durante a Revolução islâmica mas é também a história autobiográfica de Marjane Satrapi (ilustradora e romancista) e a autora dos livros que deram depois este filme. A destemida Marjane de nove anos que é fã de Bruce Lee vê a esperança do povo iraniano ser destruída (com a queda da ditadura) quando os fundamentalistas religiosos tomam o poder, forçando as mulheres a usar o véu e prendendo milhares de pessoas.

Marjane é uma menina muito esperta e, apesar das proibições, consegue descobrir a cultura punk, os Abba ou os Iron Maiden. Mas quando o tio é cruelmente executado e as bombas começam a cair sobre Teerão durante a Guerra com o Iraque, o medo instala-se. Muito preocupados com o comportamento ousado de Marjane os pais acabam por tomar a difícil decisão de a enviar para uma escola na Áustria. 

Aí, sozinha, Marjane é alvo de discriminação e confundida com o fundamentalismo religioso, exactamente aquilo de que fugiu do seu país. Mas, com o tempo acaba por ser aceite. Quando termina o liceu, Marjane decide regressar ao Irão. Entretanto depois de regressar casa, porque nem sequer de mão dada pode andar na rua com o namorado (para um ano depois depois se divorciar, com o apoio da avó, figura importante no seu crescimento) e aos 24 anos percebe que não pode continuar a viver no seu país e acaba mesmo por emigrar para França...

Este é um filme de animação graficamente muito bonito. A história real é comovente, trágico mas ao mesmo tempo bem humorado e até divertido em alguns momentos. É um filme obrigatório para que as pessoas percebam que em qualquer país, por mais progressista que seja, a liberdade nunca está totalmente conquistada. E se permitimos que os extremistas religiosos tomem o poder, muito rapidmente podemos recuar séculos e entrar em novo período de obscurantismo. Acho até que é até um filme didático e que pode servir para ensinar aos mais novos que "quem adormece em democracia pode acordar em ditadura". 

Esta é uma grande história de vida que deu um livro e que posteriormente deu origem a este grande filme que ganhou vários prémios internacionais.

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Ana Karenina

 "Todos os géneros de felicidade se parecem, mas todas as desgraças têm o seu carácter peculiar. "

É com esta frase que começa o Ana Karenina, livro de Tolstoi que acabei por estes dias, e que posso garantir que acaba "bem". Este é um livro sobre relações de amizade e de amor, de traições, mas também sobre as dúvidas existenciais que nos assolam. É um livro sobre a vida e por isso intemporal. É um livro sobre todos nós ou, sobre todos aqueles que já amaram; sobre os que amaram e não foram correspondidos, sobre aqueles que se deixaram amar mas por quem as regras da sociedade não acham aceitável; sobre todos aqueles que já amaram e foram trocados por outro; sobre todos aqueles que já amaram e foram correspondidos. É também um livro sobre as dúvidas existenciais que nos assolam, como o medo da morte e sobre o porquê de aqui estarmos e se afinal isto faz algum sentido...

Neste romance identifiuei-me principalmente com a personagem de Levine, que se sentia bem era no campo, que preferia a companhia dos trabalhadores e não tanto a socializar na alta sociedade ou com o seu próprio irmão, destacado escritor e que gostava sempre de lhe ganhar as discussões.


Gostei muito do livro, que acabei por ler em tempo recorde (pensei inicialmente só lá para o Natal o conseguir acabar!) e de seguida vi o filme e nunca tinha visto, nenhum dos vários que já se fizeram. Vi a edição de 1997, com Sophie Marceau no papel de Ana Karenina, Sean Bean como Vronsky e Alfred Molina como Levine. O filme tem uma fotografia muito bonita e lindas paisagens (foi filmado na Rússia) mas logo nos primeiros minutos tudo me começou a parecer como se estivesse a ver unicamente fotografias ou fragmentos dos momentos mais importantes de tudo que li. E como é lógico nem de longe nem de perto o espectador do filme compreenderá a densidade e os dramas de cada uma daquelas personagens, nem todos os pormenores que levaram a certas tomadas de posição, mas há que compreender que não será fácil pegar num livro com tantas páginas (as edições modernas têm mais de mil) e conseguir contar tudo, porque para tal seriam precisas muitas horas.  

De qualquer forma eu recomendo o livro. Achei muito bom. 


domingo, 23 de agosto de 2020

Somos Todos a Nossa Própria Prisão

"Na verdade somos todos ovelhas. Comemos às mesmas horas, vamos à casa de banho à mesma hora, vemos televisão à mesma hora. No passado faríamos um protesto público, no mínimo. Hoje em dia a escravatura é a norma. Mas sempre fomos escravos dirão vocês. Mas chegar a este ponto! Até dormimos com alguém às mesmas horas. 
- Não senhor, não fazemos isso à mesma hora.
Melhor para vocês! Aproveitem porque não vai durar muito. 
- Que simpático que você é.
Pensem por momentos, naqueles que daqui a uns anos vão ter filhos e que se terão de sujeitar a muitas restrições. Olhem para aquele cartaz. O que acham dele? 
Sedutor. Talvez até excitante. 
Foi feito com essa ideia. Pensem um pouco... As cuecas foram feitas para proteger dois orifícios. Ou para nos proteger desses dois orifícios. Os soutiens, como sabem, servem para dar sustentação. Estes pedaços de tecido, cumprem a sua principal função, e são transformados em objetos de charme. Por isso tornam-se caros provavelmente por sermos todos... fetichistas. 
Somos todos a nossa própria prisão.



À l'aventure" / Jean-Claude Brisseau (2008)

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Os Velhos Sonhos não se Realizaram Mas Estou Feliz Por os Ter Tido

"... É importante ter crianças.
Já não são crianças. As coisas mudam.
Sempre foi assim. É uma das leis da natureza. As pessoas têm medo de mudanças mas se tomarmos uma atitude de confiança, fica a ser um reconforto. Não há muitas coisas em que se pode confiar.
Sem dúvida.
Creio que faço parte dos medrosos...
Duvido.
Porque diz isso?
De Itália para o Iowa é uma mudança importante.
O Richard fez lá a tropa. Conheci-o quando vivia em Nápoles. Não sabia nada do Iowa. O importante é que era a América e que ia estar com o Richard.
Como é que ele é?
É muito asseado.
Asseado?
Quero dizer...tem outras qualidades também. É muito trabalhador, muito atencioso, honesto. É meigo, e é um bom pai.
E asseado...
Sim...
... E agrada-lhe viver no Iowa, suponho?
....
Diga lá, não vou contar a ninguém!
Devia dizer: é ótimo, calmo, e as pessoas são muito simpáticas." Tudo isto é verdade, a maior parte. É calmo... e as pessoas são simpáticas. De uma certa maneira... ajudamo-nos uns aos outros. Se alguém fica doente, os vizinhos vêm ajudar... Colhem o milho, ceifa a aveia, o que for preciso. Não é preciso fechar o carro e as crianças andam à vontade sem nos preocuparmos. As pessoas daqui têm excelentes qualidades. Respeito-as por isso. Mas...
Mas...?
Não é bem o que eu sonhava quando era jovem.
Eu anotei algo no outro dia, é um hábito quando viajo. Era mais ou menos isto:
"Os velhos sonhos eram bons sonhos. Não se realizaram mas estou feliz por os ter tido."



Muito me tinhas falado em vermos As Pontes de Madison County juntos, mas, por este ou por aquele motivo isso acabou por não acontecer e eu acabei por ver o filme, só agora, este fim-de-semana, sozinho, porque acabei de o receber conjuntamente com muitos outros que queria colecionar.

Não sei se sabias, provavelmente sim, mas podes não ter reparado que este filme, que eu não tenho dúvidas que seja um dos teus filmes preferidos, é do mesmo ano do meu filme preferido do mesmo género, o "Antes do Amanhecer". São ambos de 1995 e já têm vinte e cinco anos, vê lá tu! E como acho que de facto o filme é muito bom, até fui ver um listagem do The Guardian com os melhores filmes de sempre para ver em que lugar estava classificado, mas se o filme do Linklater está num espetacular 3º lugar, este, muito injustamente a meu ver, não figura no ranking porque se devem ter esquecido dele ou então por causa dum argumento muito batido: "mulher-casada-trai-o-marido".

E já agora, sabes que filme está também nos vinte e cinco melhores filmes de sempre na categoria Romance? Aquele outro que na altura emprestei, o "Eternal Sunshine of the Spotless Mind", que está no oitavo lugar! Acho que não é um filme muito falado, mas eu sei que sempre gostei muito desse filme, e afinal parece que tinha motivos para isso porque os críticos são da mesma opinião.  

Voltando ao filme. É assim, o Antes do Amanhecer é um filme romântico do ponto de vista da juventude, dos primeiros amores, da ilusão que aquilo que lhes aconteceu naquela noite na Áustria se irá repetir inúmeras vezes ao longo da vida. As Pontes de Madison County é um filme de amores já vividos e solidificados ou de sonhos destruídos, de uma outra fase da vida, até porque a Francesca e o Robert têm idade para ser pais da Celine e do Jesse. Se o Antes do Amanhecer é todo ele encantamento, As Pontes de Madison County é encantamento mas é também culpa, porque a Francesca é casada e tem dois filhos.

Mesmo antes do final há uma grande decisão a ser tomada: a italiana Francesca que casou com um americano e que foi viver para o Iowa parte com o fotógrafo Robert divorciado que corre o mundo a tirar fotografias para a National Geographic e com quem viveu quatro dias tórridos de amor que lhe abanaram as estruturas ou decide ficar com o seu marido honesto e trabalhador e bom pai de família? Sim, e asseado.

Eu não estou a estragar o final a quem eventualmente não viu o filme (e não leu o livro) dizendo que ela decide não viver o amor deste forasteiro porque o filme começa precisamente com os filhos a tratarem da sua morte e com a descoberta, depois de lido o testamento, deste seu romance secreto e com a sua vontade que lancem as suas cinzas da ponte (um choque para a população do Iowa de 1965).

Provavelmente a tua parte preferido do filme, como se calhar da maioria das pessoas, é aquela cena à chuva, a caminhar para o final, quando os carros ficam um atrás do outro no semáforo, o Robert coloca no retrovisor a cruz celta que era dela (e que tem o seu nome e que ela lhe deu como uma espécie de proteção)  e entretanto o sinal passa a verde. O Robert não arranca, a Francesca põe a mão na porta e começar a abri-la e não sabemos o que irá acontecer em seguida.

Mas se analisarmos bem a decisão mais importante da Francesca foi tomada bem antes, no momento em que, depois de lhe ter ido mostrar onde ficava a ponte que ele andava à procura, e quando depois ele a deixa em casa, ela, uma senhora casada, convida-o para entrar e beber um chá gelado (a cena que mostrei acima) e depois acontece o que se sabe... E mesmo tendo decido não viver aquele amor, vive-o no seu coração, a quem decide entregar os seus restos depois da sua morte.

"Num universo de ambiguidades, este tipo de certezas só existe uma vez, e nunca mais, não importa quantas vidas se vivam" (Robert)

domingo, 5 de julho de 2020

O Que é o Sonho Americano?

"Eu estava tão longe que já era de noite quando as torres ruíram. A princípio não percebi o que se passava, só ouvia as pessoas... A aplaudirem.
- A aplaudirem?
Juntou-se uma multidão na rua, perto de onde vivíamos. 
Terroristas.
Não, e essa foi a parte que mais doeu, era apenas gente normal. 
Então por que raio aplaudiram? 
Porque nos odeiam. Porque odeiam a América. E aquele lugar era tão normal, e aquilo vinha de tanta gente, que soube que alguma coisa estava muito errada... Esse tornou-se o meu pesadelo. 
Mais de três mil civis morreram naquele dia... Todos eles inocentes.
Pois, e são as vozes deles que preciso de ouvir. Porque não acho que quisessem que mais gente morresse por eles. 

Land of Plenty - Wim Wenders (2004)

domingo, 28 de junho de 2020

A Vida é Como uma Caixa de Chocolates...

"Morreste num sábado de manhã e eu trouxe-te para debaixo da nossa árvore. 
Não sei quem tinha razão, se a minha mãe, se o Tenente Dan. Não sei se cada um de nós tem um destino ou se andamos apenas à deriva, ao sabor do vento. Acho que talvez ambas se dêem... talvez aconteçam ambas ao mesmo tempo. Tenho saudades tuas, Jenny. Se precisares de alguma coisa, eu não estarei longe."




"A vida é como uma caixa de chocolates... nunca sabemos o que nos vai calhar"


Forrest Gump (Robert Zemeckis) / 1994



quinta-feira, 18 de junho de 2020

Que Diferença Fez a Minha Vida Seja a Quem For?

"E fez-me refletir...
Pensar em toda essa história, nos feitos daquela gente de há tanto tempo ajuda a pôr as coisas em perspectiva. A minha ida a Denver, por exemplo, é tão insignificante se comparada com viagens empreendidas por outros... A coragem que demonstraram, as dificuldades que enfrentavam. Sei que somos todos minúsculos no grande esquema das coisas e que o máximo a esperar é termos feito alguma diferença, mas que diferença fiz eu? É o mundo um lugar melhor devido a mim? 
Lá em Denver tentei fazer o que devia, convencer a Jeannie que cometia um enorme disparate, mas não consegui. Agora ela está casada com aquele imbecil e já não há nada a fazer. Sou um fraco, um falhado... Não há outra maneira de ver a coisa. Dentro de pouco tempo morrerei. Talvez daqui a vinte anos, ou amanhã... Pouco importa. Mas uma vez morto, e mortos todos os que me conheceram, será como se nunca tivesse existido. Que diferença fez a minha vida seja a quem for? Nenhuma, que eu me lembre. Mesmo nenhuma...
Espero que esteja tudo bem contigo.
Cumprimentos, Warren Schmidt
About Schmidt (2002)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

#1000 - Quando me seguravas a mão, isso não era real?

Há filmes que, por este ou aquele motivo, nos ficam na memória por muitos anos.
Estávamos em 2001, ano do Dragão (e também eu nasci num ano do Dragão) quando fui ao cinema ver o filme "O Tigre e o Dragão" de Ang Lee. Já não sei ao certo de quem terá sido a escolha do filme, se minha se dela, mas suspeito que terá sido minha. 


À primeira vista é só mais um filme de artes marciais de exímios guerreiros(as) com espadas, que levantam voo e saltam por cima de casas e andam sobre florestas de bambus. Mas o filme é muito mais que efeitos especiais e muito mais que artes marciais. Este filme é bem mais que um Matrix asiático. Tal como está descrito na sinopse do filme, O Tigre e o Dragão é um filme de amor:

Dois romances ligados às artes marciais, um incapaz de reconhecer o seu amor e o outro vivendo uma relação apaixonada, cruzam-se num cenário de crime e de disputas políticas da China Imperial, quando a preciosa espada "Destino Verde" é roubada. À medida que cada guerreiro luta pela justiça, depara-se com o seu maior inimigo - e o inevitável e sofredor poder do amor...

De diferentes filmes que vi no cinema guardo diversas memórias e diferentes sensações que me causaram. E o final deste filme, e talvez não consiga explicar bem porquê, teve o condão de me causar um grande impacto emocional. Ainda bem antes da cena final e de se perceber o que iria acontecer em seguida, já os meus olhos se enchiam de lágrimas...


Revi o filme por estes dias. Foi o segundo filme do ano que (re)vi. O primeiro foi o Cyrano de Bergerac (1990). E ao rever o Tigre e o Dragão, mal ouvi o nome Li Bu Mai como que fui, de novo, transportado no tempo para aquela sala de cinema. 

Não há eternidade nas coisas que podemos tocar. O meu mestre costumava dizer:
Não há nada a que nos possamos agarrar neste mundo. Só deixando ir é que podemos possuir o que é real". 
Mesmo para um velho tauísta como tu, nem tudo é real. Quando me seguravas a mão, isso não era real?
A tua mão é fria e tem calos de praticares com a faca. Todos estes anos nunca tive coragem de lhe tocar. Há tigres aninhados e dragões escondidos no submundo, tal como os sentimentos. As espadas e as facas têm perigos escondidos, tal como as relações humanas. 
Eu dei a Espada Verde do Destino com sinceridade, mas trouxe-nos problemas. 
Reprimir os sentimentos só os torna mais fortes. 
Eu não posso reprimir o meu desejo. Quero estar contigo. Estar sentado assim, dá-me uma sensação de paz.


O Tigre e o Dragão teve dez nomeações aos Oscares e é considerado por alguns críticos como um dos melhores filmes de sempre. Para mim, mais importante que a crítica mais ou menos positiva é tratar-se de um dos meus filmes preferidos. 

E esta é a publicação 1000 deste blogue.