Mostrar mensagens com a etiqueta Inês Meneses. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Inês Meneses. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Se Me Traíste Não Precisas de Me Contar Pormenores

" São cada vez mais raros estes amores.


O que eu acho é que agora as pessoas confundem paixão com amor. E depois quando a paixão acaba - que é por natureza uma coisa efémera, muito intensa, avassaladora e felizmente as pessoas unem-se pela paixão e fazem um projeto de vida - mas depois a paixão tem as suas vicissitudes e acaba. E o que eu digo a muitos casais jovens que me procuram numa situação de rotura ou mesmo depois de separados e me dizem "o amor acabou", eu costumo dizer "não, o amor não começou", porque o amor é uma construção e essa construção demora tempo e, no meu entender, é preciso ultrapassar as crises. 

Eu não sou nada contra as relações curtas e casuais, não tenho nenhuma posição moralista sobre isso, o que eu acho é que uma relação amorosa longa é uma relação que confere estabilidade emocional e confere segurança psicológica. E essa é uma dimensão importante da nossa vida. Nós temos a sobrevivência biológica (comer e beber) mas depois há outra parte muito importante que é a sobrevivência psicológica e, no meu entender isso deriva muito das relações que nós tivemos com os nossos pais na infância (que são importantes emborra não totalmente determinantes) e depois as nossas relações com o par romântico. São relações muito importantes e estruturantes da nossa maneira de estar no mundo. 

O casamento como instituição eu acho que está em crise e teve um peso muito grande na vida das pessoas. É como se as pessoas tivessem que ser como as princesas e os príncipes, tivessem que casar e ser felizes para sempre. O livro abre com uma citação de um mestre americano que diz que "o casamento é um estado horrível, a coisa pior é ser solteiro". Eu concordo muito com isso. É muito difícil ter uma relação ao longo do tempo com uma pessoa, mas, como eu lhe dizia é estruturante, transmite serenidade e é um antídoto para a ansiedade das nossas vidas. Sobretudo se formos capazes de partilhar a vulnerabilidade que todos nós temos com a pessoa que está ao nosso lado. Há vários ingredientes dessa relação estável. Um deles é a delicadeza no trato. É muito interessante porque nós verificamos que muitos casais não se tratam bem. Não têm gentileza, amabilidade. Isso é fundamental numa relação a dois. Pensarmos o que é que as nossas palavras vão provocar no outro. E depois há outra coisa também que é muito característica da sociedade atual, que é a pessoa estar muito auto centrada. Ser muitas vezes narcísica, cultivar o seu bem estar pessoal, o bem estar do seu corpo e do seu espírito. Isso também é um ingrediente contra a relação a dois porque temos que pensar no outro. 

Mas também defende que há coisas que não devemos dizer...

Sim, isso é também outro mito, que se deve dizer tudo ao parceiro(a) com quem estamos. Eu acho que há coisas que são do nosso íntimo, por exemplo fantasias que nós temos a meio da noite, pensamentos estranhos que nos aparecem... Não temos que partilhar tudo. E, muitas vezes, essa partilha vai ferir o outro. Na história desse livro "Para tão curtos amores tão longa vida" entre o João e a Luísa, eu fiz de propósito e os dois foram infiéis, porque a infidelidade é um tema muito importante na relação prolongada e então pus um a contar e o outro a não contar. Isso foi propositado para suscitar a discussão sobre um tema que me interessa muito que é, justamente, revelação, o que é que nós devemos contar. E quem ler o livro fica com essa dúvida. O que é que é certo contar ou não contar. Não tenho uma resposta para isso, o que eu acho é que, em cada situação cada pessoa deve refletir sobre o que deve contar e não deve ter o mito de contar tudo o que se passa à pessoa com quem vive. 

É muito difícil superar de uma traição?

O caso do João e da Luísa do meu livro ilustra isso. Ele soube da infidelidade da mulher e muitos anos depois continua a falar sobre isso. Eu acho que nós temos que desdramatizar um pouco a monogamia e a infidelidade e não temos que dar um cunho tão crítico a certas situações de infidelidade porque elas são muito diversas. Por exemplo, eu digo no livro que há casais felizes onde aparecem traições. E as pessoas não sabem porquê. Foi uma situação que ocorreu, não sabem explicar porquê. Por exemplo, o caso da Luísa que foi um caso que durou um ano, não é tão pouco quanto isso, ela, de facto nunca quis pôr em jogo o seu casamento. Foi uma coisa que aconteceu, que foi seguramente importante para ela, não foi uma relação de curta duração, para uma relação extra conjugal uma relação de um ano é significativo, mas nós podemos pensar que a ligação com o João era a relação mais importante para ela. Ela nunca quis pôr isso em causa. O problema é que ele pôs em causa quando se sentiu traído. Esse casal tem que fazer um movimento que é um movimento de reparação no caso de quererem continuar juntos e esse movimento de reparação é difícil de fazer porque as pessoas ficam muito magoadas. 

O ciúme do homem é diferente do ciúme da mulher. O homem tem muito ciúme ligado à sexualidade. Portanto ele fez muitas perguntas "quantas vezes fizeste amor com ele"? "como é que foi"?, e ela nunca respondeu. E fez muito bem em não responder. Porque não se pode alimentar essa situação porque a pessoa que está a fazer perguntas é insaciável e, se faz dez a seguir faz trinta. Portanto, é preciso dizer "isto aconteceu, vamos agora projetar-nos no futuro". Não esquecer porque isso não é possível, mas vamos avançar no sentido da reparação do nosso sofrimento. Agora, se a pessoa está permanentemente a atualizar o que se passou nessa altura não é possível continuar. 

Acredita na monogamia ou é uma construção cultural e social?

É uma construção social e cultural. O que eu diria sobre isso é que a monogamia é desejável mas é difícil. 

Entrevista de Inês Menezes a Daniel Sampaio no programa Fala com Ela a propósito deste seu último livro. 

terça-feira, 2 de novembro de 2021

O Jardineiro, o Médico e a Gisela João


Elis Regina disse numa entrevista que, se conversarmos a fundo com um jardineiro que está a cuidar do nosso jardim, aprendemos mais do que se lermos "O Capital" de Karl Marx.  

No último "Fala com Ela" da Antena 1, Inês Menezes entrevistou Gisela João que, ao que parece, e felizmente, já encontrou um homem que a convidasse para sair pois está a namorar.

Gostei de a ouvir, e parece-me que, é precisa uma grande sensibilidade para, apesar de ter nascido pobre, e ser agora uma mulher bem sucedida, figura pública, sentir-se que ainda a invade uma grande revolta com as injustiças. É mais fácil sermos revoltados quando só temos sopa para comer ou dormimos numa casa fria no Inverno do que quando não nos falta conforto material. 

A determinado momento da entrevista a Gisela refere que não lida bem com essa coisa de ser "especial" ou ter um "dom", porque se valoriza muito isso nos artistas. 

"O padeiro não está habituado a sentir que nasceu com um dom. Não é apontado na rua por isso. Então vive a achar que eu sou mais especial do que ele. E eu não gosto desse lugar". 

- Vamos batalhar pela igualdade de dons?, interrompeu Inês Meneses e avança:
 
"Para mim tem tanto valor o jardineiro como o médico. Cada um na sua arte. Porque um médico não saberia estar num jardim e falar com as plantas e as flores como o jardineiro e, obviamente, o jardineiro não saberia pegar nos mesmos utensílios do médico".

Mas se bem percebi (e posso ter percebido mal) mas pareceu-me que aqui no caso não estamos tanto a falar da valorização que damos a determinadas profissões em detrimento de outras. Parece-me que estamos mais a falar desse magnetismo que as figuras públicas causam nos outros, que não são figuras públicas.

A Gisela João poderia continuar a "contar as suas histórias" por aí em bares, que, se não fosse conhecida, talvez nunca lhe fizessem sentir que é diferente e "especial". Um médico ou um jardineiro podem ser excelentes naquilo que fazem, que se não forem à televisão ou não tiverem exposição mediática não são apontados na rua como "especiais".

A atração das pessoas vem da exposição, do mediatismo. Um Zé Ninguém ganha o Big Brother e, de repente é seguido por todo o lado. E qual foi o dom que ele teve? Ser recrutado para aparecer num programa? Só que um dia esse brilho, essa luz mediática apaga-se. Perde-se o dom, deixa-se de ser especial. E fica só mesmo aquilo que somos. 

Mas se a luz nunca se apagar - e que nunca se apague - não há volta a dar. Quem aceita jogar o jogo da exposição mediática tem de aceitar que nunca será olhado como igual pelos outros, principalmente dos que vivem nas trevas. E por vezes as trevas do anonimato são uma bênção. 


quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Porque é que Não se Ama Quem Não Ouve a mesma Canção?



"Contigo aprendi uma grande lição 
Não se ama alguém que não ouve a mesma canção"

Carlos Tê, no último programa "Fala com Ela" da Antena 1 explica estes versos que escreveu para a música de Rui Veloso "Anel de Rubi": 

"Eu quando escrevi essa canção estava-me a pôr na pele de quem tem quinze anos em 1968. Alguém que em 1989 se estava a pôr na pele de alguém m 1968 num outro quadro mental e saiu-me aquilo assim. 

Claro que eu também tenho um bocado dessa pessoa mas, sempre tive essa noção de que, obviamente, isso é uma cena muito a preto e branco, não é?, mas, em 1968-70, as coisas estavam tão extremadas que se podia dizer quem estava do nosso lado e que não estava só pela roupa que vestia. só pela música que ouvia. Hoje isso já não acontece, já nos anos noventa não acontecia... as coisas mudaram tanto. Mas, nos anos sessenta, era  exatamente assim. Havia em "eles" e um "nós". Nós, os que éramos os bons, que estávamos pelos lados das mudanças, que queríamos a revolução sexual, que usávamos a cor certa, que ouvíamos a música certa, o cabelo certo... E os outros eram os caretas. Tão simples quanto isto. E havia essa divisão e querer, de algum modo misturar os dois mundos era quase impossível. E ao nível do amor isso era muito claro". 

É muito curioso como eu acho que, nos tempos atuais, de novos desafios com a subida ao poder da extrema-direita populista nos Estados Unidos, Itália e Brasil e a tornarem-se relevantes em França, Itália, Espanha, e, pasme-se, até em Portugal, e com os recentes movimentos "negacionistas", muitos deles financiados por grandes magnatas de extrema-direita, e com todas estas clivagens políticas, acho mesmo que estamos precisamente a voltar ao tempo dos anos 68-70, um tempo, como Carlos Tê refere, do" nós" e do "deles". "Nós" que defendemos o ambiente, os direitos das minorias, a democracia, e "eles", o inimigo, que defende voltarmos a um tempo não muito distante de obscurantismo, de guetos para minorias raciais, do regresso da pena de morte e da tortura, de prisões políticas e expatriamentos. 

Ainda assim, e graças à aberrante globalização, hoje é muito mais difícil olhar e separar as águas. Se antigamente um nazi rapava o cabelo e usava botas de combate, hoje, o mesmo indivíduo com ideias nazis, pode ser o teu vizinho, que veste camisinha ou polo Lacoste e pullover pelas costas, com cabelinho à foda-se e, aparentemente, ser aquele indivíduo bonitinho ideal para se levar lá a casa a conhecer os pais. 

Como várias vezes costumo repetir (frase de Bernard Shaw) a História ensina-nos que não aprendemos nada com a história. E se é verdade que não são fáceis estes tempos, ainda assim, e porque são insondáveis os mistérios do amor, acho perfeitamente possível que nos possamos encantar ou criar empatia por quem, à partida, qualquer pessoa vendo de fora acharia impossível de acontecer. 

Mas entristece-me ler determinadas coisas na internet como "eu simplesmente não me dou com pessoas diferentes de mim ou que não pensam como eu". Toda esta loucura irracional está a levar que pessoas outrora veneradas, artistas respeitados por toda a gente, como, por exemplo, Chico Buarque ou Caetano Veloso,  de repente, passaram a ser censurados ou, como agora se diz "cancelados". 

Mas, se até Wilhelm Hosenfeld, um oficial alemão nazi, ajudou a salvar a vida do pianista polaco e judeu Wladyslaw Szpilman (ver filme: O pianista de 2002)  porque é que duas pessoas que pensam diferente não podem encontrar pontos comuns? Porque raio é que não podemos amar quem vota num partido diferente do nosso?