Hoje saí de casa para mais um longo e duro dia de trabalho sem ter nada que fazer, entretido nos últimos capítulos do Ana Karenina intercalando com vegetar de vez em quando com o telecrã. Saio, no carro o relógio ainda marca 8:30 porque ainda não me dei ao trabalho de acertar as horas, ponho o motor a trabalhar, ligo os médios e lá vou eu, devagarinho aldeia abaixo.
Um quilómetro depois, passo pela mesma menina de todos os dias, sozinha na paragem de autocarro, e ainda há tão pouco tempo uma criança e agora cada vez mais com formas de mulher. Vestia hoje calças brancas que condiziam com a máscara branca.
Continuando a descer por entre mais curvas e contracurvas, quinhentos metros adiante, tendo já começado a subir em direção à estrada nacional, e logo após a curva mais fechada de todo o percurso, o momento romântico do dia.
Mal percorro a curva e começo a ver a nova prolongada subida, deparo-me com dois adolescentes na paragem. Trata-se mesmo só de uma paragem de autocarro, sem as comodidades, por falta de espaço, do comum abrigo, mais ou menos moderno, de betão ou de vidro, e com o banco onde as pessoas se podem sentar. Eles eram uma rapariga, em quem reparei primeiro, cheiinha, de cabelos escorridos pelos ombros, e sorridentemente desconfortável de máscara no queixo. Ele, mais alto e trinca-espinhas, abraçava-a pela cintura e tomava conta do momento, beijando-a, certamente não tão à vontade quando a minha carroça lhes surgiu na estrada.
É assim que, em tempos de pandemia, que os mais jovens vivem os seus primeiros amores, na clandestinidade de uma máscara caída no queixo.
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