sábado, 23 de janeiro de 2021

A Pandemia por um Especialista em Senso Comum


"A morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões é estatística"

Neste dia em que estou a escrever, Portugal tornou-se no pior país do mundo da pandemia. Em nenhum outro sítio do mundo se morre tanto como em Portugal. E de março até agora, quem por aqui passa mais frequentemente sabe que eu nunca escrevi aqui no blogue sobre a pandemia no que se refere à análise da situação. Bem sei que o que não falta agora são especialistas ou treinadores de bancada do coronavírus e da COVID-19. Gente que mais parece que fez um doutoramento em epidemiologia ou saúde pública, mas não é o meu caso.

Agora há pessoas que sabem tudo sobre os testes, como funcionam, se são fiáveis ou não e as percentagens de erro; pessoas que até nunca meteram os pés dentro de um hospital público mas sabem de tudo que se passa lá dentro, e até são capazes de discutir comigo, porque acham que sabem melhor do que eu, que há trinta anos frequento hospitais público. Pessoas que sabem que não faz sentido fechar as escolas e outras pessoas que sabem muito o porquê da aberração que é deixá-las abertas. Pessoas que sabem tudo sobre as vacinas, quais as marcas, as percentagens da eficácia de cada; enquanto outras pessoas sabem que tudo isto não passa de um plano para nos injetar um chip para nos tornar em zombies e controlar o mundo, criando uma nova ordem mundial liderada pelo Bill Gates.

Eu não sou médico, não sou político, não sou especialista de coisa alguma. Sou um cidadão comum, que tem que cumprir as regras que mandam. Contudo tenho opinião e tenho mantido a mesma desde o início da pandemia: se quisermos, estamos sempre a quinze dias de acabar com a pandemia. Eu informo-me o suficiente, consumo a informação que considero suficiente, sem excessos, muito menos sem televisão, no entanto vejo as coisas de modo empírico, com aquilo que o senso comum me dotou.

E eu sei que lidar com uma pandemia não é uma coisa nada fácil. Por cá nunca ninguém lidou, apesar dos historiadores saberem o que se passou há cem anos. E é sempre mais fácil estar na posição de esperar para depois criticar. Mas nessa tarefa eu também me sinto muito confortável porque desde a primeira hora elogiei e disse que, se calhar, tivemos o governo mais competente no momento em que mais precisávamos. E elogiei a forma rápida como confinamos porque evitou todos aqueles milhares de mortos que, infelizmente, se verificaram nos países aqui ao lado e, nem quero imaginar se ainda estivéssemos a ser governados por Passos e Portas. Não quero mesmo imaginar. 

Mas o tempo foi passando e a pandemia para nós tornou-se naquela espécie de gripe mal curada, que nunca desaparece. Passamos o verão com mais casos que a média europeia e fomos até excluídos do corredor aéreo do Reino Unido. 

Acabamos também por perceber aquilo que o senso comum nos dizia, e dizia-me pelo menos a mim, que no verão as coisas melhorariam, até porque no verão também quase não há gripe. E assim foi. Apesar de tudo ter reaberto em Junho, com centros comerciais, teatros e cinemas, mas verdade é os números andaram sempre abaixo dos 400 novos casos diários, mas não esquecer que as escolas e universidades também estavam fechadas.

E até que as escolas e as universidades reabriram a meio de setembro e a verdade é que foi a partir daí que os números começaram a disparar. No início de outubro os novos casos tinham já subido para 750 e, no fim do mês eram 3500 novos casos. Apontava-se na altura que tinham sido as festas universitárias e festas familiares as responsáveis pelo disparar de novos casos. 

E foi por esta altura, em meados de Outubro, que resolvi encerrar temporariamente com os treinos de ténis-de-mesa. Ninguém me disse que tinha de confinar obrigatoriamente, ninguém me proibiu nem me senti coartado na minha liberdade individual. Não, fui eu mesmo que decidi fazê-lo, voluntariamente, quer para me proteger, quer para proteger os meus pais que têm setenta anos. Chama-se a isto "senso comum", não é?


Em meados de outubro morriam cerca de 11 pessoas por dia em Portugal de COVID-19. Os casos disparavam e o primeiro-ministro achava que a salvação disto tudo - mesmo indo contra as indicações da Organização Mundial de Saúde - era que uma aplicação no telemóvel que ia resolver o problema, e meteu mesmo na cabeça que ia obrigar a polícia a pegar nos telemóveis das pessoas e multar quem não tivesse a aplicação instalada no telemóvel. Felizmente que a proposta (ridícula) foi chumbada no parlamento. 


Mas, curiosamente, dias antes, Rui Rio, líder da oposição, queixava-se no Twitter, mostrando a sua ignorância sobre o funcionamento da aplicação. E se o líder da oposição, economista e que até fala alemão e tudo, não sabe como funciona uma aplicação, será que a maioria dos portugueses iria saber? Não me parece.

Os números foram escalando por toda a Europa e, enquanto por cá discutíamos uma APP e a constitucionalidade da lei, nos outros países tomaram-se medidas a sério. Deixo só um exemplo de um país que tem mais ou menos o mesmo número de habitantes que nós: a Bélgica. A Bélgica confinou com medidas a sério em Outubro, quando estava com oito mil novos casos por dia. A Bélgica teve o número máximo de novos casos em 31 de Outubro e os resultados estão à vista: hoje tem cinco vezes menos mortos que Portugal. 

Entretanto chegamos à festa americana do Dia de Ação de Graças que nos dias seguintes resultou num escalar absurdo de novos infetados e milhares de mortos e, mesmo não percebendo um cu de saúde pública, mas já antevendo o que iria acontecer no final do ano se deixássemos as pessoas todas à solta, escrevi no Twitter, quando já tínhamos um recorde de 70 mortos por dia:



Entretanto chegamos ao Dia de Todos os Santos e Dia de Finados, 1 e 2 de Novembro e o governo decidiu proibir as viagens e os cemitérios tiveram regras apertadas. Os Estados de emergência sucederam-se e os partidos da oposição começaram-se a manifestar contra! Ou seja, eu criticava o governo por deixar toda a gente à solta, e olhava para a oposição e via todos os partidos, da esquerda à extrema-direita a maniffestar-se contra regras mais apertadas! Se os partidos de esquerda quase só falavam no reforço de meios para o SNS, já os partidos de direita, sempre ao lado do patronato, mostraram-se sempre contra os confinamentos, não percebendo esta coisa simples: enquanto não debelarmos a pandemia e a confiança não for recuperada, a economia não se levanta. 

Entretanto as coisas começaram a piorar e, aqueles que gritavam contra os confinamentos, gritam agora que a culpa dos mortos é do governo! Já tardava a demagogia da direita. O candidato neoliberal às presidenciais, Tiago Mayen (o tal que trabalha no ISMAI mas declarou que ganha menos do que o calceteiro Vitorino Silva) que sempre se mostrou contra confinamentos, teve mesmo a lata de afirmar que a culpa dos mostos é da ministra Marta Temido! 

Eu acho que não era preciso ser-se médico ou comentador-tudólogo, para perceber o que iria acontecer no Natal e passagem de ano. Se elogiei o governo no início da pandemia pelas rápidas medidas de ataque ao vírus, agora não posso deixar de criticar este deixa andar e decretar sucessivos Estados de Emergência com medidas que mais parece que são para chatear as pessoas, tal como criticar a oposição que não exigiu medidas para conter o vírus e proteger as pessoas. Se é para atacar o vírus, então que se feche, mas que se feche tudo de uma vez, que se fecham as fronteiras e que nenhum avião levante ou aterre. Que se esmaguem os números de novos infetados e que se pare com esta mortandade. Se estamos a pensar na economia, pois então esperem por um 2021 exatamente igual a 2020 e ainda teremos muito que penar  nesta pandemia. Ainda assim, independentemente do que os governos decidam, nós temos sempre uma grande vantagem: é protegermo-nos e evitar contactos desnecessários. Protejam-se, que isto não está fácil. 

2 comentários:

  1. Muito para refletir..... Há daqui a pouco um ano que o Covid-19 faz parte das nossas vidas mas nem sempre é levado a sério.
    Não sou mais papista que o papa, mas eu mudei a minha maneira de viver, deixei de frequentar certos sítios e nem no verão baixei a guarda (até porque vivo numa zona turística e penso na minha família).
    Não podemos passar o tempo a criticar o governo, a DGS, a ministra ..... e por outro lado não seguir as regras sanitárias.
    Temos o dever de nos proteger e assim proteger os outros. Todos devemos ter responsabilidade, este vírus não anda a brincar e ainda não marcou data para se ir embora.
    Nem comento as opiniões políticas pois ultimamente mais pareciam se preocupar com a campanha do que com a saúde pública .....tinham de estar contra para marcar diferença.....
    Enfim isto foi só um desabafo.
    Um bom domingo.

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    1. É verdade. Independentemente de tudo que se faça na política, e do que pense quem nos rodeia, temos sempre essa vantagem de nos protegermos. Boa semana!

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