- A sério? Porquê?
- Saudades da minha filha.
- Onde está ela?
- A Lorraine morreu.
- Quando foi isso?
- A Lorraine morreu há vinte e seis anos. Em 1971. Morreu com trinta anos e deixou dois filhos e um marido. Uma meningite, morreu de um dia para o outro.
- E a Doris já morreu?
- A Doris? Claro.
Fui ao quarto levantar a agulha e repô-la no descanso. - Quer ouvir mais? - perguntei lá de dentro ao Murray.
Ele riu-se, desta vez abertamente, e disse: - Estás a ver até onde aguento? A ideia que tens da minha força, Nathan, é um bocadinho exagerada. A "Dubinuchka" já me chegou.
- Não sei, não - disse eu, saindo outra vez lá para fora e voltando a sentar-me na minha cadeira. - Estava a dizer-me...?
- Estava a dizer-te... estava a dizer-te... já sei... que, quando o Ira levou um pontapé no traseiro, a Lorraine ficou furiosa. Depois de o Ira ser despedido da rádio por ser comunista, ela recusou-se a fazer a saudação à bandeira.
- À bandeira americana? Onde?
- Na escola - disse o Murray. - Onde é que achas que se faz a saudação à bandeira? A professora tentou protegê-la, puxou-a para o lado e disse-lhe que tinha de saudar a bandeira. Mas a miúda recusou-se terminantemente. A raiva era muita. A verdadeira raiva dos Ringolds. Adorava o tio. Parecia-se imenso com ele.
- E depois?
- Tive uma longa conversa com ela e ela voltou a fazer a saudação à bandeira.
- O que foi que lhe disse?
- Disse-lhe que também amava o meu irmão. Que também não achava que nada daquilo era correto. Disse-lhe que pensava como ela, que era muito mal feito despedir uma pessoa por causa das suas ideias políticas. Que acreditava na liberdade de pensamento. Na absoluta liberdade de pensamento. Mas disse-lhe que aquela não era a maneira certa de lutar. Que a verdadeira questão não era essa. O que conseguia ela com isso? O que ganhava ela com isso? Disse-lhe: não entres numa luta que sabes que não podes vencer, uma luta que nem te interessa vencer. Disse-lhe o que costumava tentar dizer ao meu irmão a respeito dos discursos inflamados... o que tentava dizer-lhe desde que ele era pequeno mas que nunca serviu de nada. O que importa não é estarmos zangados, é estarmos zangados com as coisas certas. Disse-lhe: Vê a questão pelo prisma darwinano. A raiva deve-nos tornar eficientes. É essa a função da sobrevivência. É por isso que ela nos é dada. Se te torna ineficiente, larga-a como uma batata a escaldar.
"Casei com um comunista" / Philip Roth (1998)
Casei com Um Comunista é a história da ascensão e queda de Iron Rinn, uma popular estrela da rádio, que vê a sua vida pessoal e profissional destruída na era da caça às bruxas de McCarthy. Nos seus dias de glória, casa com a famosa estrela de cinema mudo Eve Frame. O idílio romântico é breve e o seu casamento transforma-se num drama de lágrimas e traições, passando da esfera privada a escândalo nacional quando Eve faz revelações estrondosas a um colunista, denunciando o seu marido como espião comunista e sabotador. Uma história de crueldade, humilhação, traição e vingança, onde Philip Roth retrata de forma brilhante a conturbada época do pós-guerra, quando a febre do anticomunismo não só contaminava a política nacional mas também a intimidade das vidas de amigos e famílias, maridos e mulheres, pais e filhos.
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