Passam hoje vinte e dois anos que vi o meu pai partir sendo ainda menor de idade. E vinte e dois anos é muito tempo. Os anos passam e o tempo vai apagando algumas memórias, porque a vida tem de continuar. Mas se paramos por um segundo a relembrar o passado, essas memórias começam a voltar aos poucos e tornam-se cada mais nítidas.
O meu pai não teve uma vida nada fácil. Talvez se lhe adivinhasse uma vida de algum sucesso profissional, pois apesar de só ter a escolaridade obrigatória da altura, era uma espécie de empreendedor e cheio de competências técnicas. A imagem que recordo dele, é de um verdadeiro engenhocas cheio de ideias geniais e de uma habilidade fora do comum.
Mas o destino não se compadeceu e pregou-lhe uma grande partida. Um grave acidente de viação marcou-o com queimaduras pelo corpo, mas marcou-o principalmente para o resto da vida. Tudo poderia ter sido diferente, mas foi assim que as coisas tiveram de acontecer. E tudo mudou. Ainda me lembro de se contar a história, dos irmãos irem de gravata preta, esperando o pior num certo dia, depois do coração ter estar parado uma infinidade de segundos, e dos médicos os terem desenganado. Mas ele resistiu, sobreviveu esse dia, e a outro, e acabou mesmo por passar dois anos enfiado numa cama de hospital. E haveria de sair do hospital pelo seu próprio pé.
Contrariou os médicos e ainda foi a tempo de casar com a mulher que gostava dele, e que por ele sempre esperou, apesar dos "conselhos" de algumas pessoas, que a aconselhavam a desistir - afinal o amor nunca foi incondicional não é? É só na saúde e nos bons momentos. Nos maus, abandonam-se as pessoas, tal como se abandona um cão quando se vai se férias. Mas ele ainda haveria de ir a tempo de casar e ainda foi a tempo de deixar um descendente neste mundo: Eu.
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E eu muitas vezes como que me culpo por não ter ajudado mais o meu pai. Ajudado naquilo que eu se calhar, hoje acho que poderia ajudar, mais do que as drogas dos médicos. Eu sei que ainda não tinha o conhecimento ou a sensibilidade para tal... E talvez também por isso acabei por me transformar numa pessoa que hoje nunca desiste de ajudar que está por perto...mas infelizmente não fui a tempo de ajudar o meu pai.
Muitas coisas aconteceram nestes vinte e dois anos. Muitas coisas se passaram na minha vida e que o meu pai não pôde acompanhar. Talvez ele tenha mesmo ido podendo acompanhar ainda que observando as coisas de outro plano, que não o plano terreno. E eu não faço ideia do que ele acharia de mim, do adulto em que me tornei. Nós temos de viver por nós, temos de fazer as nossas escolhas, por vezes cometer os nossos erros, e por vezes temos de fazer as coisas de forma muito diferente daquilo que os nossos pais fariam. Mas claro que gostaria de saber que ele, esteja onde estiver, sentisse um pouquinho de orgulho no filho. Aquele orgulho que ele sentia, quando eu tinha três anos e sabia o nome de centenas de jogadores de futebol nos cromos da bola. "Ele tem de saber ler" diziam as pessoas estupefactas. Mas não, eu só sabia os nomes dos jogadores nos cromos da bola, porque o meu pai, me ensinava os nomes deles, e eu então memorizava-os.
Há algum tempo, uma amiga transmitia-me a informação: "ele já não anda por cá, ele já passou para o outro lado". Pois então, e seja esse lado onde for, que esteja bem e que tenha alcançado a paz, pois tormentos, infelizmente, já passou que chegue em vida.
Até breve. Espero que nos possamos reencontrar de novo, um dia, nesse tal outro lado.
Também fiquei sem pai aos 12 anos.
ResponderEliminarQue falta me fez e faz.
É sempre complicado, mais para ti que ainda eras mais nova que eu.
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