Dois dias longe de casa a passear, ora sozinho, ora acompanhado por amigos na maior parte do tempo, e um dos momentos que mais me marcou, foi já pouco antes de os deixar em Coimbra e regressar ao leito da minha querida almofada.
Antes da visita à mata, já lá tinha entrado para pedir um mapa com os diferentes percursos, mas foi ao fim da tarde antes de vir embora, que lá voltei aquela loja daquele palácio para dar uma vista de olhos nos artigos que por lá tinham à venda, quando no fundo até já sabia o que iria comprar, mas foi com o meu jeito sempre tão natural de fazer conversa que fiquei a saber um pouco mais sobre a pessoa que estava por trás do balcão.
E mal saí da porta, depois de lhe ter desejado muita sorte e que tudo de bom lhe aconteça no futuro, que eu e a amiga que estava comigo - que também não gosta nada de conversar - olhámos um para o outro e comentámos: "ela estava mesmo triste".
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Nos poucos minutos que estivemos à conversa, aproveitando o facto de não estar por lá mais ninguém, aquela pessoa ficou a saber um pouquinho sobre mim, que estive desempregado bastante tempo e como até tive alguma sorte de encontrar algo aceitável atendendo à realidade bem negra que o país atravessa. E talvez por se ter sentido identificada com algumas das coisas que ouviu - a irmã até tem a mesma doença que eu - foi então que aquela pessoa que estava ali atrás do balcão, e que é paga para vender e não para falar da sua vida pessoal, acabou mesmo por desabar um pouco, e nos mostrar como este país trata as pessoas que tentam viver dignamente.
São estas realidades destas pessoas, estes dramas pessoais - "tenho muitas coisas nas minhas costas" disse-nos - que a corja de políticos deveria estar empenhada, primeiro em ouvir, e depois em ajudar e melhorar as condições de vida das pessoas, e não em fazer precisamente o contrário, espezinhando os que pouco ou nada têm, e dificultar cada vez mais a vida a quem quer trabalhar, e protegendo e metendo tudo no cu dos patrões e dos mais ricos, para que eles multipliquem ainda mais o muito que já têm. E quem não estiver bem que se ponha, pode sempre imigrar, pois assim sempre ajuda a baixar os números do desemprego, e quando todos os desempregados e todos os precários deste país imigrarem, dá-se o milagre do pleno emprego.
Além do flagelo do desemprego, que eu mesmo senti na pele, há depois o não menor drama daqueles que têm emprego mas são verdadeiramente escravizados. trabalhando muitas vezes mais de oito horas por dia, a troco de pouco mais que nada. Foi o que nos contou esta pessoa, que além de ganhar o salário mínimo a recibos verdes, o que significa que lhe sobra muito pouco depois do que lhe roubam em impostos, e ainda tem de trabalhar bem mais que oito horas por dia. Mais do que vergonhoso, estas situações são verdadeiramente revoltantes.
No dia de ontem, quem entra e vê esta pessoa que estava ali a trabalhar naquele palácio, tentando mostrar a sua melhor cara, sempre simpática para quem chega, está longe de imaginar quão difícil é a sua vida. Naquele dia em que lá estive e ela me mostrou a sua melhor cara e simpatia para me vender o ser vivo que resolvi trazer como recordação daquele passeio, ficamos a saber que ela tinha uma prima que ia a enterrar naquele dia, e que nem sequer pôde estar presente porque "nem sequer podemos faltar ao trabalho" pois é vítima dos falsos recibos verdes, que deveriam ser combatidos, mas que é o próprio Estado na pele dos políticos corruptos que continuam a perpetuá-los.
Há muito que deixei de acreditar que conseguiria mudar o mundo, mas sinceramente o que eu acho que ao menos deveria ter feito, era ter-lhe oferecido um abraço sentido.
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