quarta-feira, 15 de agosto de 2018

O Misantropo e a Vagabunda

"Não ver ninguém para conhecer todos, e ver todos para não conhecer ninguém"

- E o teu irmão?
- Compreendo o que queres dizer. Como é que, tendo o mesmo sangue, em vez de ser vagabundo como eu, é um misantropo, imobilizado como um cristal no meio do gelo? Explico-te: sou mulher: forte, como mulher, forte para reagir, forte para me defender; mas fraca para reagir contra mim mesma, fraca para me defender da minha melancolia.

"Meu irmão é forte: não tem necessidade de ver os aspetos caleidoscópicos da vida das cidades e de mergulhar na multidão para dominar a própria dor. Ele pensa, como Nietzsche, que a filosofia é via livre no meio dos gelos, no alto da montanha; é a procura de tudo que há de estranho e de enigmático na existência; de tudo que é vedado pela moral. 

Meu irmão segue um regime de solidão para higiene do espírito: impelido pela necessidade de conhecer todos os homens, afastou-se de todos e observa-os de longe; eu, para não conhecer nenhum, para não me afeiçoar a nenhum, procuro aproximar-me de todos. E, desse modo, o solitário misantropo e a irrequieta vagabunda acharam-se de acordo sobre o mesmo ponto, chegando a duas conclusões simétricas e equivalentes; não ver ninguém para conhecer todos, e ver todos para não conhecer ninguém". 



A Virgem de 18 Quilates - Pitigrilli (1924)

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