Depois de me ter divertido bastante a fazer uma primeira entrevista aqui para o blogue, resolvi voltar à carga, mas desta feita, como convinha, com um tema que completamente diferente. Contudo, de novo com uma perspetiva diferente e a tentar fugir às ideias pré-concebidas e às generalizações. E, de novo, acho que esta entrevista pode surpreender muita gente.
Durante os últimos três anos (quase até ao fim de 2018) trabalhei diretamente com um casal. Eram os meus únicos colegas ou, pelo menos, aqueles com quem trabalhava todos os dias, no mesmo departamento, oito horas por dia. Trabalhei inicialmente só com o colega, e pude assim acompanhar bem de perto todo o processo até ao dia em que o casal começou a trabalhar junto. A doença da esposa; o desemprego (porque há patrões que não percebem que mesmo a pessoa mais saudável num dado momento da sua vida pode adoecer); a possibilidade do recrutamento para a nossa empresa (que desde o primeiro momento incentivei); as conversas informais em que surgiam as dúvidas e as motivações. Acho até que tudo isto foi uma riquíssima experiência sociológica. Quem saiba talvez dê até uma equivalência a um doutoramento numa qualquer universidade privada!
Foi ouvindo o colega que me falava dos contornos sua vida, dos amigos e dos problemas familiares, da esposa que eu não conhecia (tal como eu lhe falava da minha vida); e anos mais tarde trabalhar com o casal e perceber como funcionam: a cumplicidade; os maus humores dos pequenos conflitos; as diferentes perspectivas perante os problemas que surgem nas suas vidas e as diferentes perspetivas duma mesma história. Cada casal vive uma história, mas há sempre duas visões do mesmo caminho percorrido.
A entrevista surgiu assim na minha cabeça de forma muito natural, e há muito que estava prometida porque, além destas duas pessoas terem marcado um período da minha vida, achei também que poderia ser interessante para as outras pessoas lerem e, acaba por sair agora, um mês depois deles terem deixado de trabalhar juntos, e uma nova fase das suas vidas se ter iniciado.
Para contextualizar dizer que se trata de um casal na casa dos trinta anos (ela vai já reclamar e afirmar que ainda está nos vinte!), a relação deles já dura há cerca de dez anos (casados há oito anos) e, já agora, para quem tem curiosidade (como eu) com as coisas da astrologia, dizer que ela é de signo Sagitário (Fogo) e ele Balança (Ar), uma conjugação astrológica que até me parece que tem boa compatibilidade. Mas vamos lá mas é às perguntas!
Para início de conversa, digam-me lá como é que surgiu a oportunidade de trabalharem juntos?
Cristina: Na altura estava desempregada há quase um ano, não estava a conseguir arranjar emprego, surgiu a oportunidade de trabalhar nesta empresa uma vez que eles iam admitir algum pessoal.
Filipe: Falei com o meu responsável e visto a minha esposa estar na situação de desemprego, sugeri que fosse lá para uma entrevista uma vez que iam precisar de alguém
Quais as expectativas que tinham de como é que seria trabalharem juntos na mesma empresa, e ainda por cima directamente e um ao lado do outro?
Cristina: Bem eu confesso que na altura eu estava com algum receio, visto que se ouve falar tanto no desgaste que isso causa nas relações.
Filipe: Por um lado tinha a sensação que ia ser algo bom, por outro lado sempre um pouco de receio, por não ter a certeza como ia correr.
Tinham alguns receios que isso pudesse interferir com a vossa relação?
Cristina: Sim tinha. Nós por vezes tínhamos alguma chatices um com o outro e nem sequer trabalhávamos juntos. O meu maior receio era que trouxessemos alguns problemas do trabalho para casa. Tinha medo também que o facto de trabalharmos os dois juntos acabasse por afectar a relação que iríamos manter com os nossos colegas de trabalho.
Filipe: Inicialmente existem sempre medos e receios. Muitas vezes pela forma como se lidam com os outros no trabalho, que possam trazer alguns problemas, bem como também o desgaste da relação.
O que é que vos diziam as pessoas mais próximas sobre isso? Metiam-vos medo ou incentivavam-vos? Contaram-me, por exemplo, que a colega dos Recursos Humanos vos perguntou se estavam preparados para o fim do vosso casamento....!
Cristina: Bem, a família mais próxima incentivava, o importante era eu ter arranjado trabalho. Às vezes os amigos vinham com aqueles comentários que se fosse com eles talvez não iriam querer trabalhar juntos, e perguntavam se não tínhamos medo do tal desgaste na relação.
Filipe: A esmagadora maioria desde amigos a família, tinham quase todos a mesma frase: " Isso vai ser bom para o vosso relacionamento"? Acho que poucas pessoas apoiavam.
Como é que foi a experiência de, de um dia para o outro passarem o dia todo juntos?
Cristina: Ao inicio foi um pouco estranha. Não sei se talvez um pouco influenciada pelo que os nossos amigos as vezes diziam, de que poderia não ser bom para nossa relação. Surpreendentemente com o passar do tempo passei a gostar de trabalhar com ele.
Filipe: Costuma-se dizer primeiro estranha-se mas depois entranha-se. Com o passar do tempo foi fácil estar habituado a essa ideia.
E que diferenças (positivas ou negativas) notaram na vossa vida pessoal?
Cristina: As diferenças positivas são que a nossa cumplicidade aumentou com o facto de trabalharmos juntos. Nós antes de trabalharmos juntos, só nos víamos ao final do dia, e depois cada um tinha um seu hobbie, os seus afazeres quando chegava a casa. Praticamente só tínhamos mesmo mais tempo um para o outro aos fins de semana.
Ao trabalhar juntos começamos a passar mais tempo um com o outro, a conversar mais e acho que foi uma experiência que nos permitiu conhecermo-nos melhor um ao outro, apesar de já estarmos casados na altura há uns 5 anos. Por vezes quando um de nós ficava de férias ou então ia para fora em trabalho, chegávamos mesmo a sentir saudades um do outro.
Tenho um colega de trabalho que diz muitas vezes que o melhor sítio para conhecermos a essência das pessoas é no local de trabalho. E acho que tem razão!! ( risos)
A parte negativa é que quando alguma coisa corre mal com a empresa o prejuízo connosco é sempre a dobrar.
Filipe: Foi positivo conhecer em outro contexto além daquele em que estávamos habituados, para além de depois, em casa, naquilo que gostávamos de fazer não termos tanta necessidade de atenção pelo facto de passarmos já muito tempo juntos. Para além de conhecermos bem melhor a forma como se lida com determinadas situações em contexto de trabalho.
Aspectos negativos, o facto de o salário em casa estar dependente da mesma fonte.
Foi fácil separar o que era a vida pessoal da vida laboral?
Cristina: Sim foi. Uma coisa era o trabalho, e por lá pela empresa não gostávamos de dar muito a conhecer sobre a nossa vida pessoal, por muito que às vezes quisessem saber não dávamos confiança para isso. Quando saíamos da empresa era normal por vezes conversarmos um pouco sobre certos assuntos, mas não fazíamos daquilo o nosso tema de conversa.
Filipe: Sim, para mim muito fácil. Sou uma pessoa que por natureza não fala muito, por isso se na empresa não gostava muito de falar sobre a minha vida pessoal, também em casa não tinha muito o hábito de falar sobre o que se passava no trabalho.
E pelo facto de serem um casal de que forma isso afetou a relação com colegas e patrões?
Cristina: Ao inicio, tanto com os patrões como com os colegas, eu senti que era um apêndice do meu marido. Não me viam como uma profissional individual mas como a mulher do Filipe. Com o passar do tempo isso foi mudando. Quanto ao relacionamento interpessoal com os nossos colegas, nunca houve qualquer tipo de problema.
Filipe: Foi engraçado porque um dos patrões perguntou : " tens mesmo a certeza disto?", mas ao longo do tempo, nunca existiu qualquer tipo de problema, seja com a entidade patronal, seja com os colegas de trabalho, tirando aqueles que gostam sempre de espetar a faca e se meter em assuntos que não dizem respeito, mas tirando isso, sempre foi boa.
E o facto de estarem sempre juntos e se relacionam com outros homens e mulheres e eventuais questões de ciúme, como é que foi?
Cristina: Quanto a esse aspecto sempre pudemos brincar e conversar com todos, desde que existisse respeito. Nunca senti ciumes das minhas colegas, nem ele dos meus colegas. Talvez porque conhecíamos ambos as pessoas e também estávamos sempre por ali a controlar a situação. (risos!)
Filipe: Penso que nunca se pôs em causa esse tipo de situação.
Tanta gente diz cobras e lagartos sobre um casal que trabalhe junto. Vocês encontram vantagens em terem trabalho juntos?
Cristina: Sim, primeiro quando vamos os dois para o mesmo local de trabalho as despesas são menores uma vez que podemos partilhar carro. Parecendo que não é algo que nos permite poupar algum dinheiro.
Filipe: Sim conheces melhor a pessoa que está ao teu lado, acho que o segredo é separar sempre a vida pessoal e a vida no trabalho. Acabas por estar atento a certos detalhes na outra pessoa.
E que aspetos menos positivos é que pode haver? Já falaram por exemplo da questão dos salários...
Cristina: Isso depende muito de casal para casal. Muitos o que vão falar é do desgaste. Mas para mim talvez seja as fases más pelas quais por vezes as empresas passam. Se, por azar, houverem salários em atraso, no caso de um casal, será sempre pior.
Filipe: Pode ser o desgaste, o facto de alguém ter dito ou feito algo no trabalho que a outra pessoa possa não ter gostado, mas nada que depois não se fale e resolva.
O facto de terem trabalhado juntos certamente fez com que se conhecessem ainda melhor. Houve algumas coisa que vos surpreendeu no outro e que ainda não conhecessem?
Cristina: Sim no local de trabalho dá para ver muita coisa e conhecer bem as pessoas. Percebi, não que já não o soubesse, que ele é bom profissional, e muito metido no canto dele também.
Filipe: Sabia que quando falei não me ia arrepender, porque estava convicto de que ia desempenhar bem o seu papel, pela forma de estar que tinha. Acho que a forma como começou a lidar com outras pessoas no trabalho, mudou um pouco, porque sempre lhe dizia que o trabalho ás vezes é como na selva, temos que ser fortes e astutos para não sermos engolidos
Estar juntos no trabalho originou mais discussões e atritos, ou pelo contrário foi igual ou até reduziu as discussões em casa?
Cristina: Muito pelo contrario, passamos a discutir muito menos. Ao inicio acho que começamos a evitar discutir porque como iríamos passar mais tempo juntos se discutíssemos iríamos tornar esse processo mais difícil. Então começamos a evitar certos assuntos que já sabíamos que poderiam acabar em discussões. Mas com o tempo acho que começamos a ficar muito mais ligados um ao outro que discutíamos muito pouco mesmo. Acabamos por nos tornarmos mais flexíveis um com o outro.
Filipe: Acho que foi uma mudança para melhor, acabamos por discutir menos, pelos simples facto de depois não ir no dia seguintes chateados para o trabalho, ou pelo menos evitávamos que isso acontecesse.
Então se calhar, pode-se dizer que em nenhum momento dos três anos equacionaram passar a trabalhar em sítios diferentes porque estarem sempre juntos estava a desgastar a vossa relação?
Cristina: Não nunca aconteceu, porque eu acho que estávamos mesmo a gostar da experiência de trabalhar um com o outro.
Filipe: Da minha parte como sou uma pessoa que gosta sempre de procurar vôos, mas nunca equacionei sair do trabalho por causa da relação, isso para mim nunca foi problema.
E que conselhos é que davam a um casal que vá começar a trabalhar juntos na mesma empresa?
Cristina: Acima de tudo que tentem separar bem as coisas e que olhem para o seu cônjuge no local de trabalho como mais um colega. Que se tratem sempre com respeito quando estão na empresa e que não dêem a conhecer a ninguém mais do que é necessário saberem da sua vida pessoal.
Filipe: Divertir com a situação. Não pensar que isso irá ser só coisas más, saber o lugar que cada um ocupa, e aproveitar essa experiência.
Que avaliação é que fazem? Valeu certamente a pena...
Cristina: Na minha opinião acho que valeu a pena. Acho que fez crescer mais o carinho que temos um pelo o outro e acima de tudo o respeito também.
Filipe: Sim valeu, se fosse hoje tornava a fazer a mesma coisa, tomava a mesma decisão.
Repetiam a experiência no futuro?
Cristina: Sim. Porque não?
Filipe: Sim, sem dúvida.
E acham que mais à frente no futuro, ainda vão ter saudades dos tempos em que trabalharam juntos?
Cristina: Talvez. Foi uma boa experiência, e assim sendo não tem porque não a querermos repetir.
Filipe: Eu sou uma pessoa mais pragmática neste tipo de situações, mas claro que no inicio estamos habituados a uma coisa e de repente as coisas alteram, cria sempre uma saudade, porque a experiência correu bem, que sabe no futuro não façamos uma sociedade.
Eu queria desde já agradecer a ambos a disponibilidade para terem alinhado nesta brincadeira e deixo votos para que, a trabalhar juntos ou como agora, cada um na sua empresa, saibam sempre levar a relação pelos melhores caminhos possíveis.
E em jeito de conclusão eu gostaria de dizer que, na minha opinião, não há uma resposta certa à pergunta que deixei no título. Trabalhar junto não é, obrigatoriamente, bom ou mau. Pode ser muito positivo para uns casais como vimos neste caso, tal como pode ser mau para outros casais, porque terá muito a ver com a personalidade de cada elemento do casal e até como o casal funciona em conjunto a trabalhar um com o outro. Contudo, sem experimentarem primeiro, nunca poderão ter certezas de como seria. Num determinado momento da vida deste casal, o mais importante era a falta que um salário fazia no orçamento familiar. Isso era a prioridade. Nesse momento a eventual rotina e desgaste na relação era o menor dos seus problemas. E vejam só, trabalharam juntos durante três anos e, no fim de contas, acabaram por se conhecer ainda melhor e ficaram ainda mais cúmplices. Portanto cuidado com as ideias pré-concebidas, porque podem-se surpreender.