domingo, 23 de dezembro de 2018

Sabes o que é um Amigo Verdadeiro?

"Concordaremos que, na maioria dos casos, a palavra amizade tem bem pouco a ver com o que entendemos quando pensamos num verdadeiro amigo. 

Os conhecidos

A maior parte das pessoas que consideramos nossos amigos são, na realidade, apenas conhecidos. Isto é, pessoas que não estão tão longe como a totalidade amorfa dos outros. Sabemos o que pensam, os problemas que têm, sentimo-las perto, recorremos a eles para nos ajudarem e ajudamo-los de boa vontade. Temos com eles boas relações. Mas não temos uma confiança profunda, não lhes contamos os nossos anseios mais secretos. Ao vê-los não nos sentimos felizes, não sorrimos espontaneamente (...)

Solidariedade Coletiva

Devemos sem dúvida distinguir amizade da solidariedade, tal como já o tinham feito o antigos. Neste segundo sentido, amigos são todos aqueles que estão do nosso lado, por exemplo numa guerra. De um lado os amigos, do outro os inimigos. Este tipo de solidariedade nada tem de pessoal. Aquele que exibe a mesma divisa que eu é amigo; mas não sei nada dele. A esta mesma categoria pertencem as formas de solidariedade que se constituem nas seitas, nos partidos e nas igrejas. Os cristãos chamam-se entre si de irmãos ou amigos. Os socialistas chamam-se de camaradas e os fascistas companheiros. Estamos sempre, no entanto, em presença de ligações coletivas, não de relações pessoais. 

Relações de Posição

É a classe das relações de tipo pessoal, mas baseadas na posição social. Tínhamos visto que a amizade pelo interesse era a dos sócios em negócios, era a dos políticos. Este tipo de ligações tem bem pouco de afetivo, e dura enquanto dura o interesse a salvaguardar. Encontrámos, além disso, muitas relações profissionais, em colegas de trabalho e em vizinhos de casa. 

Simpatia e Trato Amigável

Chegamos por fim à categoria das pessoas com quem nos sentimos bem, que são simpáticas, que admiramos. Mas, mesmo neste caso, devemos ser cautelosos na expressão da expressão amizade. Muitas vezes trata-se de estados emotivos transitórios, superficiais (...)

E como surge a Amizade

(...) "A amizade é uma filigrana de encontros." Ninguém sabe antecipadamente se haverá ou não um encontro. O encontro é sempre imprevisível, inesperado. Como a felicidade, que já não está onde a procuramos, onde a esperamos como caçadores em guarda. Se procuramos ansiosamente a felicidade se a queremos, encontramos mais frequentemente a desilusão. Ou o aborrecimento. A felicidade aparece de improviso, quando não pensamos realmente nela, como se nos seguisse e esperasse, para se revelar, que estivéssemos distraídos (...)


Cada um de nós é um turbilhão de desejos, com um núcleo ardente no centro. No encontro tocamos, de qualquer forma, esse núcleo central de nós próprios. Damos uma resposta àquilo que interessa. Que é, pois, a eterna questão: de onde vimos, onde estamos, e para onde devemos ir? O amigo é aquele que nos faz sempre entrever a meta, e faz connosco uma parte de caminho. Do encontro com o amigo espero sempre, portanto, uma revelação (...)

Só com o amigo podemos compreender e apreciar a sua e a nossa singularidade. A experiência do amigo, no entanto, pode até ensinar outras formas de ser que, se se confundem, nos dão desejos de mudar. Não para ser como ele, renegando-nas a nós próprios. Mas para sermos realmente nós próprios. O amigo, com a sua diversidade, pode revelar-se um dos nossos possíveis deuses, no qual nos reconhecemos (...)

Quando encontramos um amigo, mesmo depois de muitos anos, é como se o tivéssemos deixado num momento antes. Retomamos a conversa como se fosse um diálogo interrompido. E no entanto nao é um diálogo interrompido, não é a continuação daquela conversa. O assunto é diferente. Nós mudámos, os nossos problemas mudaram. Não obstante, temos a impressão de continuar aquilo que estávamos a fazer. Como se não tivesse havido um intervalo, como se o tempo não tivesse passado. É um fenómeno desconcertante. Não há nada de semelhante na nossa experiência quotidiana (...)

O amigo é, portanto, aquele que "te faz justiça". Justiça num sentido profundo, vital. A própria vida pode ser justa ou injusta. O amigo que aprecia uma tua qualidade que ninguém tinha valorizado, que te estima por algo que os outros desprezam, faz-te justiça nesse sentido profundo. O amigo está do teu lado, combate e, se necessário, vinga-te. Por isso te faz justiça.

A Amizade / Francesco Alberoni (1984)

Sem comentários:

Enviar um comentário