domingo, 29 de dezembro de 2019

# Somos Todos Porta dos Fundos



"Eu não tenho medo nem da morte e vou ter da censura? 
Ao contrário. Eu quero agradecer aos censores. Sim, porque não tem nada melhor para a classe dos humoristas do que a figura do censor. Não há nada mais patético ou mais risível e ridículo, mais propício a piadas do que essa contradição humana que é o sujeito pudico que passa o dia à procura de sacanagem..." (Gregório Duvivier 4/11/2019 no Supremo Tribunal Federal)

Na véspera de Natal a sede da produtora onde se realizam os programas da Porta dos Fundos foi atacada com cocktails molotov por um grupo religioso cristão de extrema direita. Tendo em conta que no ano anterior houve igualmente um programa humorístico da Porta dos Fundos satirizando Jesus Cristo, facilmente percebemos que o que mudou entretanto foi o que aconteceu em Janeiro deste ano: a tomada de posse de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil apoiado por seitas religiosas fundamentalistas. 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Alterações Climáticas Natalícias

Para memória futura. Aqui, acima do rio Douro, no dia de Natal de 2019 estiveram vinte e um graus. Sim, quase dava para ir para a praia.



domingo, 22 de dezembro de 2019

Antes da Bonança Vem a Tempestade


Nunca, nunca, nunca, nunca, nunca te deixarei
Estarei aqui sempre sempre, sempre para ti
Encontrei-te, encontrei-te, encontrei-te,
nunca te deixarei
Nunca
Estarei aqui sempre contigo
Ficando melhor, melhor, melhor, melhor

Está a ficar mais frio, eu estou a ficar mais frio, mais frio, está a ficar mais frio
Deixa ficar mais frio até que eu não possa sentir mais nada

As sombras, as sombras

(...)

"The Storm Before The Calm" / Anathema (2012)

A Crise da Verdade ou como Adof Hitler é o Pai de Todos os Populistas Mentirosos

"Torne a mentira grande, simplifique-a, continue afirmando-a, 
e eventualmente todos acreditarão nela"
(ADOLF HITLER)


"A diminuição da confiança na História aparece como uma das manifestações da crise da verdade, como um dos sintomas mais graves do nosso mal, mais grave mesmo que a "decadência da liberdade", porque é um ferimento que vai direito ao mais profundo do ser. Devemo-nos lembrar das palavras atrozes de Hitler, no Mein Kampf:

"Uma mentira colossal trás em si uma força que afasta a dúvida... Uma propaganda hábil e perseverante acaba por levar os povos a julgar que o céu é, no fundo, um inferno, e que a mais miserável das existências é, pelo contrário, um paraíso... Porque a mentira mais descarada deixa sempre rasto, mesmo se foi reduzida a nada".

Estas fanfarronadas de um prisioneiro e de um louco, aegri somnia, viram-se realizadas pela prática corrente da vida política, no decurso da nossa geração. O desprezo da verdade histórica patenteou-se em toda a parte. Digo em toda a parte, porque os exemplos que vêm espontaneamente ao espírito são os do Estados totalitários (assim a utilização pelos culpados do incêndio do Reichtag, do massacre de Katyn...). Mas as democracias ocidentais não estão isentas de mácula. Basta pensar no recurso a calúnias incontroladas, por parte dos "caçadores de bruxas", nos Estados Unidos, ou, entre nós, nas mentiras balbuciantes que são os "desmentidos oficiais" dos nossos ministros. O recurso a eles tornou-se tão normal que acabamos por ver nisso uma mera figura de retórica e uma praxe.

Nesse mundo transtornado, que lugar resta para a História? Não passa de um jogo de máscaras no armazém dos acessórios dos comediantes da Propaganda. Podemo-nos dar por felizes quando eles não vão ao ponto de fabricar integralmente uma história que sabem que é falsa. Na melhor das hipóteses, vêem no conhecimento do passado um reportório de incidentes pitorescos, paralelos ou de precedentes úteis a invocar.   

"Do Conhecimento Histórico" / Henri Irénée Marrou (1954)

As Falsas Necessidades Com Que o Capitalismo Atola as Pessoas em Dívidas

É curioso observar como as coisas têm mudado nos hábitos de consumo e como há coisas verdadeiramente contraditórias. Se por um lado, por alturas do 25 de Abril de 1974 o salário mínimo era, em comparação, maior que os 600€ que temos hoje, por outro lado, ainda por cima cada vez mais há mais despesas que são impingidas e que de repente parece que são imprescindíveis à vida. 

Quando eu era criança, por norma, em cada casa havia uma só televisão e eram raras as casas que tinham telefone. Nos anos noventa já todos os lares tinha televisão a cores e telefone. E as pessoas recebiam três cartas com contas para pagar: água, luz e telefone.



Vinte anos volvidos todas as casas têm agora, não uma mas várias televisões pela casa. Além do telefone, que se passou a chamar telefone fixo, agora todos os elementos da casa têm também o seu telefone portátil, que por cá, estranhamente, se passou a chamar telemóvel (por oposição ao cell phone). Há vinte anos, cada lar, tivesse três, quatro ou vinte pessoas, gastava em telefone uma média de três contos de rei (15€) por mês. Hoje em dia, quase todos os lares pagam para ver televisão (ou para ter internet) e cada elemento do agregado familiar tem o seu telemóvel, que entretanto anda a ficar cada vez mais esperto, mas pouco económico porque o gasto será uma média de 15€ vezes o número de pessoas de cada casa.

Há vinte anos o telefone tinha um aluguer (tal como ainda hoje temos o aluguer do contador da eletricidade e da água) mas não se gastava dinheiro para o substituir. Se avariasse os TLP (empresa pública que os nossos políticos privatizam e os nossos grandes empreendedores empresários trataram de falir) logo se apressavam a substituir, tal como substituíam, gratuitamente, quando os modelos ficavam ultrapassados. As listas telefónicas e as Páginas Amarelas também eram entregues gratuitamente.

Hoje, além de cada pessoa do agregado familiar ter a sua fatura telefónica para pagar, por norma, excluindo pessoas como eu, que os outros acham que vivem numa caverna, têm ainda que substituir, frequentemente, o seu aparelho para telefonar. Pois é, um telemóvel hoje é muito esperto, faz muitas coisas, mas nenhum outro faz e recebe chamadas, não é?

Esta semana, na TSF (rádio que quase deixei de ouvir por causa da publicidade) ouvi um programa - sim, se antigamente era expressamente proibido fazer publicidade às marcas, hoje, por vezes a publicidade é mesmo descarada - e nesse programa falavam dos melhores telemóveis que os pobres poderiam comprar por menos de 500€. Relembro de novo que o salário mínimo português é de 600€!
E a certa altura, a pessoa que apresentava o programa "Mundo Digital" dizia mesmo "Não compre nada abaixo dos 150€. Eu sei que gostaria de poupar uns bons euros mas a verdade é que, mais cedo ou mais tarde, vai arrepender-se", e o que aconselha, no mínimo, é mesmo entre os 200-250€, mas os preços vão, não até ao infinito, mas facilmente até aos 1000-1500€.
Bom, mas seria de esperar que um bom telemóvel que custa mais que um televisor ou um computador (o meu portátil custou 250€) durasse, pelo menos, uns bons anos. Não! Numa rápida pesquisa fiquei a saber que os portugueses trocam de telemóvel, em média, ao fim de dois anos!

E, se há umas quantas décadas as coisas eram feitas para durar, desde as mobílias das casas, os automóveis, a roupa, toda e qualquer geringonça durava que se fartava, com o avanço tecnológico passou-se a programar as coisas para terem um fim certo e ao fim de xis tempo, que por norma é pouco depois do tempo de garantia!, e lá tem que se ir comprar novo que agora não se repara nada e o Ambiente - todos preocupados com o Ambiente não é?, agradece! Acontece que, além da obrigatoriedade de comprar, as coisas agora duram menos tempo e gasta-se mais dinheiro. Mas não só. Temos também uma publicidade cada vez mais agressiva que mete na cabeça das pessoas que não serão felizes se não comprarem, se não tiverem o que todos os outros têm ou se não se comportarem como todas as ovelhinhas imaculadamente brancas, todas iguais, se comportam.

O capitalismo vive de crises sucessivas, para que os pobres fiquem ainda mais pobres, e os ricos fiquem ainda mais ricos. Para se ter noção, estamos hoje em 2019 e o rendimento dos portugueses é, em média, menos 175€ por mês que em 2009! Sofremos uma crise terrível e seria de esperar que as pessoas tivessem aprendido a lição e estivessem mais contidas nos gasto, certo? Não, errado!

"A verdade é que, o número de famílias a bater à porta da DECO por estar com dificuldades financeiras, ele não está a abrandar, pelo contrário, ele está novamente a aumentar. E aquilo que nós verificamos relativamente às famílias que nos estão a pedir ajuda este ano de 2019, estão a fazê-lo muita vezes devido a crédito que já foi contratado este ano ou em 2018. Isto é claramente demonstrativo que as famílias não estão a recorrer ao crédito de forma tão responsável quanto era desejável". (Natália Nunes/DECO)

Concluindo. Com o passar do tempo e com as sucessivas crises do capitalismo, o rendimento disponível das pessoas é cada vez menor. Ironicamente a pressão é cada vez maior para o consumo e as pessoas satisfazem as suas necessidades de escravatura acedendo ao crédito fácil não aprendendo com o passado recente e endividam-se ainda mais. 

Conversas Improváveis (48) - Tempestades Íntimas

O Fabien já passou por aí? Fizeram muitos estragos juntos?

- Não era a Elsa?

Foi a Elsa até ontem; hoje já é o Fabien. Era um casal!

Ah, não sabia. Não estou a par das fodas das tempestades!

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

André Ventura: o Deputado Que é uma #Vergonha


Muito interessante saber que a múmia Sousa Lara, o Secretário de Estado de Santana Lopes que vetou o livro de José Saramago para o Prémio Literário Europeu, regressou para ser porta-voz do partido que André Ventura criou depois de sair do PSD! Ou seja, um censor fascista a representar outro facho. Olha que bem!

Para quem não conhece o ilustre senhor condecorado por Cavaco Silva (que recusou pensão a Salgueiro Maia!) , podemos vê-lo aqui a explicar-se no parlamento.


 

Entretanto foi uma tremenda chatice que esse escritor tenho sido aclamado com o Prémio Nobel da Literatura. Sim, André Ventura, há políticos que são mesmo uma VERGONHA!

sábado, 14 de dezembro de 2019

A Demanda do Vazio



"...Eu não quero fazer coisas
Fazer coisas é estúpido
Uma existência sem sentido:
Fazer coisas para viver para ter que fazer mais coisas...

... e fiquei sem emprego
E tenho que arranjar outro emprego
Mas eu não quero mais nenhum emprego
Mas tu tens que arranjar em emprego
Enfeita o teu currículo
Apara essa barba
Não!

Mas eu não quero andar à caça de um emprego
Existência sem sentido:
Trabalhar num emprego para viver e ter que trabalhar num emprego..."

"Adulting" - Psychostick (2017)

Pintainhos Num Caixote Com Um Candeeiro

Cada vez menos me apetece sair da cama de manhã, ainda que nunca tenha precisado de despertador. Se antes da mudança da hora de Outono é a luz que penetra por entre os orifícios do estore que me desperta, agora é o desconfortável entumescimento pressionado contra o colchão que me acorda para aliviar a bexiga. Mas o que apetece é ficar no quentinho da cama e cagar para esta vida de escravidão. Tem sido com cada vez maior sacrifício que lá atiro os cobertores para trás e encaminho-me para o quarto-de-banho para me meter debaixo do chuveiro. É de novo a muito custo que lá fecho a torneira e saio da banheira com os longos cabelos ainda pingar nos pés, e me enrosco na toalha para regressar ao quarto, para aplicar a merda da espuma gélida na psoríase e vestir-me para ir para o pequeno-almoço. E é quando as necessidades básicas estão saciadas que apetece, de novo, voltar para a cama e saciar a necessidade que ainda não está totalmente saciada: o sono. 


É ainda de noite e com as luzes da rua acesas que lá tenho ir à cavalariça, carregar no botão da ignição e acordar o cavalo preto para me levar até à empresa que dista vinte e cinco quilómetros de casa. À hora que nesta altura do ano poderia estar a acordar é a hora a que tenho que começar a trabalhar. Entretanto nove horas depois, à hora que saio da empresa é de novo de noite. Um dia da minha vida, um dia atrás do outro, desperdiçado, fechado todo o dia num caixote de cimento, sem janelas nem luz natural. Dias e dias perdidos sem sequer ver sequer a luz do dia.

E de repente lembro-me de quando era criança e via os pintainhos em caixotes de cartão com a luz de um candeeiro por cima, para os aquecer. Estamos no século XXI e a vida dos seres humanos é igual às dos pintainhos. Dias passados dentro de grandes caixotes, não de cartão mas de cimento e iluminados por luz artificial, cumprindo uma função estúpida e desperdiçando as suas vidas enclausurados. 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

sábado, 7 de dezembro de 2019

Regras de Etiqueta e de Boa Educação Numa Orgia

Imagine o leitor que, inesperadamente, se encontra no centro de uma orgia. Saiba que existem regras de etiqueta e de boa educação que convém saber para não passar por rude e mal educado e depois acabar por ser excluído de novos convites.
"Um advogado de Hanovre, 44 anos:  "Quando nos casámos, a minha mulher tinha 20 anos e eu 26. Passaram-se burguesmente quinze anos. A minha mulher não teve nenhuma aventura e eu deitei-me uma vez ou outra com uma prostituta, mas isso, então, não o sabia a minha mulher. Depois, fomos convidados para a casa de um dos meus colegas de Hamburgo. Éramos oito a jantar e a seguir ao café toda a gente se despiu e aqui a coisa pegou. Ninguém nos tinha prevenido e claro está foi um choque. Olhei para a minha mulher, ela olhou-me, encolhemos os ombros e então fizemos como os outros. Depois disto, tínhamos serões em nossa casa, ou em casa de amigos, duas vezes por semana. 

(...) A monotonia da sexualidade conjugal é, com toda a evidência, o primeiro motivo para a conversão. 

(...) A boa educação também conta, mas a que se recebeu em casa não conta: existe um savoir-vivre paralelo. As regras são estrictas e mais de um amador viu fecharem-se-lhe as portas do paraíso por ter esquecido que nem tudo é permitido na "sociedade permissiva". E essas regras variam segundo os grupos que têm princípios diferentes, quando não opostos. 

(...) Participar numa orgia significa para aquelas ter aceite todos os homens presentes como virtuais amantes; aquelas que têm de escolher devem tomar a iniciativa. Neste caso, é o homem que se encontra embaraçado, porque repelir as avançadas de uma mulher é grosseiro. Enfim, é também repreensível escapar-se às relações lesbianas, que são de rigor. A homossexualidade masculina, pelo contrário, é excecional e sobretudo desconsiderada. 

O casal é sagrado. Casados ou não, os que vêm juntos, juntos devem partir. É muito inconveniente segredar ao ouvido de uma mulher acompanhada para lhe pedir o seu número de telefone ou propor-lhe um encontro a "solo" para o dia seguinte. É permitido cumprimentar uma mulher sobre a sua beleza e até recomendado exaltar a sua habilidade; ridículo é, todavia, puxá-la ao sentimento, cair no romanesco, numa palavra "baratinar". 

É indecente lançar-se quando uma mulher está muito rodeada. Convém tomar honestamente a sua vez. Melhor, ainda, ocupar-se das damas que "fazem renda". Do mesmo modo, é deslocado, para uma mulher, manobrar para arrancar um homem à sua parceira do momento. 

A discrição é de regra, salvo para os velhos conhecimentos ou por virtude de um comum. A etiqueta manda que não se pronunciem senão os apelidos, até que uma simpatia mútua se manifeste e incite à troca de nomes e moradas. 

Ficar vestido no meio da multidão despida, é grotesto e suspeito. Talvez se passe por um desses indiscretos que "vieram ver como aquilo se passa". Não se dão espetáculos para estranhos curiosos. 

Antes que se desencadeie a ação propriamente dita, - o que acontece muito rapidamente, de costume - e logo que toda a gente se voltou a vestir, o tom é mundano e não é feita nenhuma alusão ao que se vai seguir, ou ao que acabou de terminar. A não ser para uns tantos libertinos intelectuais e combativos, a orgia é uma distração, não um assunto de conversa. 

Nas reuniões de massas, a proporção exata de participantes dos dois sexos não é primordial. Certos "simétricos", contudo, não admitem homens ou mulheres sozinhos: o número deve ser par e os dois sexos representados em igualdade.

"Os Últimos Dias da Monogamia" / Laslo Havas - Louis Pauwels  (1969)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Ao Cuidado do Provedor da RTP

Semana passada. Saio do trabalho e vou na viagem para casa. Às 18 horas ouço o noticiário da rádio pública na Antena 1. Chamou-me a atenção a notícia que, apesar da enorme quantidade de pobres que o país tem, o risco de pobreza tem vindo de forma sustentável sempre a descer nos últimos anos.  

Pouco depois já em casa dos pais, a televisão depois 19 horas costuma estar sempre sintonizada na RTP e aquela hora o Fernando Mendes é senhor das audiências. Até que, de repente, entra o Telejornal, e eis se não quando, entra José Rodrigues dos Santos, extremamente exaltado e  em tom sensacionalista abre o noticiário dizendo: "Risco de pobreza em Portugal aumentou"!


Foda-se! Espera lá! Mas isto não é o mesmo que ler o escarro do Correio da Manhã e depois ler algo diferente no Diário de Notícias! Estamos a falar do mesmo órgão de comunicação social que foi beber a informação ao INE! E o mais engraçado de tudo é que, no próprio site da RTP de 26 de Novembro, consta lá que, de facto o risco de pobreza em Portugal diminuiu! 

Isto é um facto tão interessante que eu acabei de questionar o senhor provedor da RTP, se afinal as notícias na RTP são dadas em função da ideologia do senhor apresentador. Porque se não é parece!

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Aproveitamento Político Seletivo

Saía de casa para o trabalho e ouvia na rádio o presidente da república a justificar-se que não iria cumprimentar Greta Thunberg, a adolescente sueca que pôs os putos de todo o mundo a fazerem manifestações em defesa do Ambiente e do Clima, para não parecer que estaria a tirar "aproveitamento político" da situação. 

Olha que bem! Que presidente extremamente correto e nada populista que nós temos!!

jornalacores9.pt
Já ligar em direto para um programa de televisão no primeiro dia da mais mediática apresentadora de televisão que mudou de estação e só para lhe desejar boa sorte é um comportamento perfeitamente isento e com muito sentido de Estado!

Tal como é preciso ter o perfeito sentido de Estado para ir a correr abraçar um sem abrigo mentiroso só porque apareceu, erradamente na imprensa sensacionalista como falso herói de ter resgatado um recém nascido de um ecoponto!

Perfeito sentido de Estado é aparecer num hipermercado para a recolha de alimentos das tias de Cascais que acham que nem todas as pessoas podem comer bifes.

Já receber condignamente a figura mediática internacional do momento do combate às alterações climáticas, Não!, que isso pode ser interpretado como aproveitamento político!

De facto a miúda só pode estar a fazer um excelente trabalho para incomodar tanto a Direita que acha que o Ambiente e o Clima são só entraves nos negócios e incomoda tanto que o nosso presidente da selfies nem ousou recebê-la para não causar urticária no seu eleitorado, porque ele ainda tem uma reeleição para ganhar!

Mas quando não queremos chamar a atenção para algo, tentamos passar de fininho por entre os pingos da chuva. E se o nosso presidente não queria chamar as atenções, poderia, por exemplo, desaparecer durante esta semana, mais ou menos como desapareceu durante quinze dias aquando da crise dos professores em que o primeiro-ministro ameaçou com a demissão. Quando precisávamos de um presidente da república ele simplesmente desapareceu! No momento mais turbulento da legislativa, o presidente que vai a todos os croquetes e rissóis, desapareceu do mapa e fez de conta que não era nada com ele! E vir agora tentar justificar o injustificável saiu pior a emenda que o soneto. 

"Aproveitamento político" senhor presidente? Que noção de "aproveitamento político" tão seletivo que o senhor tem! 

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Achas que Chamar uma Ambulância Devia Custar 2500€? És Neo-Fascista-Liberal e Não Sabias!!


Reação dos ingleses quando questionados sobre os cuidados de saúde nos Estados Unidos. Chamar uma ambulância 2500€; ter um filho 30 mil euros! É isto que quer a Iniciativa Liberal e o Chega do André Ventura: acabar com o Sistema Nacional de Saúde e privatizar a saúde. Votem neles e depois morram ao desmazelo como está a acontecer com milhares de americanos que nem dinheiro têm para a insulina. 

sábado, 30 de novembro de 2019

Por Que é Que Eu Sou Ateu II

"Ficou célebre aquela vez em que os Novos Ateus pagaram anúncios nos autocarros em Londres, e os anúncios diziam, e ainda por cima, como toda a publicidade, eram enganosos: "Provavelmente Deus não existe, por isso pare de se preocupar e Viva a Vida"!

Ora, é quando a gente constata que Deus não existe que se começa a preocupar. Seria menos preocupante se Deus existisse. Eu devo confessar que mais do que não acreditar em Deus eu confesso que não gostaria que existisse. Euu tenho grandes reservas à existência de um ser que exerce sobre mim um poder arbitrário. Um ser omnipotente que é o meu criador e a quem, em última análise, pertenço. Essa hipótese aflige-me um bocado.

Não existindo Deus, como diria um crente mais básico, aquilo que nos resta é "nascer, comer e morrer". 

A vida assemelha-se ao teatro. A gente vai ao teatro, os atores montaram o espetáculo,  cem, duzentas, trezentas pessoas vêem, e aquilo esvai-se no tempo, nunca mais é repetido e acabou. Sim, parece-me que é isso. Eu também tenho bastante mau perder com essa realidade, mas parece-me que o que vi acontecer é que o próprio sol se há-de extinguir e tudo desaparece. 

Eu, creio que, como é público, não sou omnipotente, mas tento que o mundo das minhas filhas seja o mais possível seguro para elas, e eu não vejo que isso lhes limite a liberdade. O facto de Deus não ter tido o mesmo cuidado connosco, no sentido em que de vez em quando vem um tsunami em 1755 e destrói uma  cidade, o Voltaire achou que isso era de facto um argumento muito poderoso contra a existência de Deus, e eu acho que há boas razões para acreditar que isso é assim. 

E qual é que é o sentido da vida para que aqueles que não acreditando, que sentido e que estímulo têm para o bem?

Eu acho que é possível ter um sistema moral independente dele ser proposto por uma divindade. Eu acho que é anterior a Deus a ideia que certos valores são bons e os outros valores não são bons. Eu duvido que quando Moisés apresenta os mandamentos as pessoas tenham ficado surpreendidas com o facto de Deus achar que o homicídio não é uma coisa especialmente boa.  Eu acho que toda a gente sabe isso. 

Em grande medida o sentido da vida que a religião oferece (não é o caso do judaísmo acho eu -  mais uma vez digo, acho que o judaísmo não tem uma ideia muito clara da vida depois da morte) mas o sentido da vida dado pela religião costuma ser esse: há uma vida depois desta, e no fim desta nós respondemos a um exame, e nesse exame alguém chumba e alguém passa, consoante o comportamento que teve aqui. E é esse o sentido.

Um ateu tem passagem administrativa? 

Não. Um ateu não passa para lado nenhum. Passa para o mesmo sítio, acho eu, que estava antes de ter nascido.  E o que eu acho é que, se precisamos de uma recompensa (nesse caso o sentido da vida é dado por essa recompensa, não é) e no final quem se portou bem, quem se portou de acordo com os valores bons tem a recompensa de no final passar o exame e ir para a companhia de Deus e não chumbar e ir digamos para outros sítios menos recomendáveis. Em primeiro lugar, se calhar, o facto de a gente precisar dessa recompensa para  se comportar decentemente tem qualquer coisa de interesseiro. Significa que não teríamos esse comportamento mas como há esse exame mais tarde, precisamos de o ter. E eu acho que não precisamos ter o exame. Mas se é preciso termos uma recompensa, eu acho que se vive melhor tratando bem as pessoas do que tratando-as mal. Mesmo tendo em conta que muitas vezes os maus são premiados e os bons são castigados. 

Ricardo Araújo Pereira - E Deus Criou o Mundo - Antena 1

Alguém Viu Por Aí o Diabo?



Chove há mês e meio seguido. Dia-após-dia-após-dia, quase ininterruptamente. Chove desde  meados de Outubro, e neste Novembro de 2019 que hoje termina não houve sequer para o "Verão de São Martinho". Tenho as bicicletas no estaleiro, e apesar de haver umas caminhadas pensadas para fazer com os amigos, a verdade é que ficou tudo adiado.

Chove há mês e meio seguido. E geralmente, a seguir à época de fogos, logo com a primeira chuvinha,  temos as primeiras inundações. Chove há mês e meio e nem uma notíciazinha de inundações, com estragos avultados para a Direita poder culpar o governo e os partidos que o suportam. 

Alguém viu por aí o Diabo?

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

É P'ra Isto Que Não Devemos Votar Sempre Nos Mesmos?

Nunca a democracia portuguesa teve tanta representatividade. Das últimas legislativas foram eleitos dez partidos para a assembleia da república, incluindo três que foram eleitos pela primeira vez: Chega, Iniciativa Liberal e Livre. 

Ainda nem dois meses passaram, e que relevância tiveram estes três partidos?

O Chega ficou conhecido por ter falsificado a recolha de assinaturas que permitiram que pudesse ter ido a eleições:




A incompetência é tanta que os senhores fascistas nem sabem que os partidos políticos podem ser financiados com publicidade




E em pleno parlamento André Ventura agita uns papeis que supostamente provavam que o priministro mentia relativamente à compra de coletes à prova de bola por parte da GNR, afinal, revelou-se que era mentira:



Entretanto para o  Iniciativa Liberal a coisa mais importantes que o país precisa é celebrar o 25 de Novembro, o 25 de Abril para Quem não Gosta do 25 de Abril e ainda ficamos a saber neste cartaz, pago com o dinheiro do Estado de que disseram em campanha eleitoral serem contra, que Salazar era Comunista!



Por último o Livre, eleito com a bandeira da lei da nacionalidade, que nem sequer entregou a tempo o seu projeto de lei.



Afinal é para isto que não devemos votar sempre nos mesmos?

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Tudo Que Precisas Hoje Sobre o 25 de Novembro

Os fachos Neo-Liberais andaram a colocar cartazes sobre o 25 de Novembro, com dinheiro pago por todos, aquele dinheiro que em campanha eleitoral berravam serem liminarmente contra que o Estado servisse para financiar os partidos. Mas agora serve para os financiar e colocarem verdadeiras aberrações mentirosas fazendo crer que, pasme-se!, Salazar era comunista! Entretanto também o Chaga do Ventura berra pelo mesmo, e andam estes dois à luta com os fachos do CDS a ver quem tem mais protagonismo sobre o tema, como se hoje, em 2019, isso fosse a coisa mais importante para o país!

Hoje no Twitter, a Constança Cunha e Sá numa pequena frase diz tudo:



Mais a sério já o historiador Fernando Rosas em 2009 tinha dissecado o tema no parlamento e mostrado por que é que o CDS já nessa altura andava sempre com o 25 de Novembro na boca:



segunda-feira, 25 de novembro de 2019

É Por Causa da Religião que os Americanos São Tão Atrasadinhos da Cabeça?


Por vias travessas, sim, para o que me havia de dar!, ontem aterrei a ler uma notícia de um jornal do Alabama, estado que fica no sul dos Estados Unidos (aquela zona mais perto dos Açores) e relativamente perto de um outro estado mais conhecido que é o Texas. A notícia chamou-me a atenção pelo título:

Losing our religion? Faith is part of identity in the South, but it’s changing
Em português qualquer coisa como: "Estamos a perder a fé? A fé é parte da identidade no Sul, mas as coisas estão a mudar".

A notícia começa por nos dizer que não há símbolo mais tradicional no Alabama que nos mostra como é a fé por aquelas bandas, do que aquela enorme placa junto da estrada, e que diz "Vai à missa ou o Diabo te apanhará". 

Um dos traços mais vincados deste Estado é a fé e a religião. No Alabama dá-se graças antes das refeições, participa-se de avivamentos, envia-se as crianças para acampamentos religiosos etc, ou seja, facilmente percebemos que por lá a fé é uma coisa séria, tão séria que colocaram o nome de Deus no dinheiro! "In God We Trust"!

Mas vamos a números. Um estudo de 2014 dizia que:

86% das pessoas no Alabama identificam-se como cristãos
78% são Protestantes de diferentes tipos 
7% são Católicos

82% Acreditam em Deus com "Certeza Absoluta"
12% Acreditam em Deus e estão bastante seguros da sua existência

Entretanto em dez anos:

Ateus: Passaram de 1% para 3%
Agnósticos: Passaram de 2% para 4%
Sem religião: Passaram de 10% para 16%

Eu estou muito pouco interessado na ligeira perda de fé dos habitantes do Alabama e de todos os outros estados todos. O que me chamou a atenção foram mesmo os números impressionantes de crentes por aquelas bandas. Mas para o percebermos melhor comparemos por exemplo com as taxas de crentes deles com a Europa, no caso no intervalo de idades entre os 16 e os 29 anos divulgados no ano passado:



Excluindo os três países mais crentes (Israel, Polónia e Lituânia) na Europa as pessoas que se dizem sem religião vão dos cerca de 40% da Áustria, Eslovénia, Irlanda e Portugal, até aos 91% de ateus na República Checa! 

E agora façamos outra análise. E a religião, tem alguma influência e importância na política americana? Se eu vos disser que todos os presidentes americanos, desde a fundação da nação, de George Washington até ao último presidente Donald Trump, todos eram religiosos responde à pergunta? 


Temos então que a religião nos Estados Unidos é coisa muito séria, como já referi, eles até escrevem nas notas que confiam em Deus! E não importa a religião que tenhas, o que importa é que tenhas fé e acredites em Deus, aquele mesmo Deus que também se acredita cá por estas bandas. 

Agora vejam este vídeo da FOX NEWS, a CMTV lá do sítio que contribuiu para a eleição de Donald Trump, e respondam à pergunta do titulo desta publicação:


E, se nos Estados Unidos são muito tementes a Deus e são todos cristão e boas pessoas, como é que se reflete isso na política? Eles preocupam-se com os pobres e os mais desfavorecidos? Não! De todo! Os Estados Unidos praticam desde sempre o capitalismo selvagem. Têm quarenta e um milhões de sem abrigo! Usam armas, matam primeiro e perguntam depois, uma atitude verdadeiramente cristã diga-se! Um em cada seis americanos não consegue tratar da sua saúde e um estudante universitário quando acaba o seu curso tem um empréstimo de cem mil euros para pagar!

Acho que este é um daqueles casos para dizer, como nós dizemos em bom português:
"Fia-te na Virgem e não Corras"!

sábado, 23 de novembro de 2019

Por Que é Que Eu Sou Ateu

O que é que distingue um ateu de um crente? O que é que é ser ateu?

"Falta de fé. No meu caso concreto, eu convivo com a fé desde sempre. Eu frequentei um colégio de freiras  vicentinas na escola primária, de padres franciscanos até ao nono ano, de padres jesuítas até ao décimo segundo e ainda fiz a universidade católica. Nunca frequentei um estabelecimento de ensino que não fosse religioso. 

Vive com paciência este tempo?

A crença é uma questão de fé. E eu não tenho fé. A questão é saber, por que é que umas pessoas são crentes e outras não? Basicamente, em princípio há dois tipos de ateísmo: o ateísmo positivo e o ateísmo negativo. São ligeiramente diferentes e a diferença é importante. Num caso podemos dizer "eu não vejo provas consistentes da existência de Deus", esse é o ateísmo negativo. O ateísmo positivo é "eu vejo provas consistentes da não existência de Deus". E portanto eu subscrevo sem dúvida o primeiro, e sinto que estou cada vez mais subscritor da segunda posição. E a razão pela qual isso acontece é a ala pediátrica do IPO. É claro que isso é um símbolo. Isto é um problema conhecido na filosofia, que é, o "problema do mal". Como é que, um Deus omnipotente, omnisciente e omnibenevolente como creio que é comum, permite que, por exemplo, crianças nasçam com leucemia? Eu conheço vários argumentos, por exemplo, daquilo a que a gente chama "o mal moral", que é, como é que o holocausto acontece? Deus criou os homens livres e portanto eles têm liberdade de praticar o mal e Deus não interfere porque porque se interferisse isso violaria o livre arbítrio das pessoas. Claro que isso depois não explica que haja milagres, mas enfim. É uma justificação. E a gente pode dizer "certo, isso justifica o mal moral, o mal social". Mas o mal natural, a ideia que de vez em quando um tsunami mata duzentas mil pessoas no sudoeste asiático, lá está, ou a ala pediátrica do IPO é mais difícil de justificar e também aí há vários argumentos, e ao longo do tempo, um dos quais, não se é Santo Agostinho, que fez referência ao facto de assim como os homens foram criados livres, também, digamos, anjos são criados livres e alguns caem, e esses anjos caídos estão na origem daquilo que chamamos o "mal natural". A minha questão é a seguinte: eu acho que o mundo é demasiado mau para a existência de um Deus omnipotente, omnisciente e omnibenevolente e é demasiado bom para haver demónios à solta. 

Eu conheço os argumentos a favor, e aquele que acaba de enunciar é conhecido como o argumento do relojoeiro. Nós tropeçamos num relógio na rua e pensamos "alguém fez isto". A questão é que o argumento do relojoeiro não valida a existência de um Deus omnibenevolente. Segundo, é um argumento por analogia e os argumentos por analogia apresentam algumas fragilidades. Nesse caso há uma fragilidade bastante evidente, que é, um relógio é produto da obra de várias pessoas (umas pessoas fazem a engrenagem, outras fazem a corda, outras fazem o vidro, etc) e isso também não demonstra a existência de um Deus único. Esse argumento é também aquele que se costuma chamar da prima causa, ou seja, que todas as coisas têm uma causa, portanto, o mundo também terá. Se que é um argumento que não resiste à pergunta - qual é a causa de Deus? 

Eu não estou empenhado em convencer ninguém de que Deus não existe. 

Creio que foi João Crisóstomo, o primeiro teólogo a constatar que no Novo Testamento Jesus Cristo chora duas vezes (quando vê Jerusalém e quando Lázaro morre) e não ri nenhuma. E isso acho eu, é importante. A gente olha para a Idade Média e lemos "O nome da rosa" e percebe-se claramente o modelo de ser humano para os cristãos: é uma pessoa que não riu nenhuma vez e isso faz diferença.

Um dos meus livros favoritos da Bíblia, que é o Eclisiastes, eu acho que há ali três ou quatro momentos em que me parece que o Coelet não acredita em Deus. Há ali momentos em que ele diz "que é que resta a nós debaixo do sol a não ser comer, beber e alegrar"? E o que ele diz, o acaso e o tempo acontecem a toda a gente. E isso, tendo em conta que Deus é o criador do mundo e lhe impôs uma ordem moral, se o acaso acontece a toda a gente, ou seja, se os bons como os maus sofrem... Lá está, a gente vê isso...Há aquela écloga do Camões que diz até o contrário: "eu aos bons vi sempre passar dificuldades e às vezes os maus são premiados. Tendo em conta isto resolvi ser mau e só eu é que fui castigado. Por azar o mundo está certo para mim e está errado para os outros todos". A gente olha lá para fora e nem todos os bons são recompensados, nem todos os maus são castigados, antes pelo contrário, e pronto, isso também gera perplexidade."

Ricardo Araújo PereiraE Deus Criou o Mundo - Antena 1

Da Minha Rua Para o Multiusos


Muita coisa aconteceu desde o torneio de ténis-de-mesa do ano passado cá na semana cultural da união de freguesias. Este ano, e como já era mais do esperado não houve revalidação do título! E se no ano passado a minha presença no torneio deveu-se ao folheto que encontrei na caixa do correio, este ano tudo foi diferente porque passei de paraquedista a elemento da organização.

Findo o torneio do ano passado, logo tratei de me filiar na coletividade para poder bater umas bolas todas as semanas e tentar evoluir um pouco mais. E assim foi. O que não estava à espera era que, apesar do ténis-de-mesa na coletividade ser praticado quase só por lazer, pudesse ter tido a oportunidade de ter um treinador a sério, com curso de desporto e tudo, e bater bolas com o seu pai, um ex-campeão nacional. Se o ping pong sempre foi uma paixão de criança, e todos os intervalos lá estava no polivalente da escola a jogar, trinta anos depois, a vida encarregou-se de me presentear. E eu sinto-me muito grato por isso. É uma coisa tão simples, mas é algo que me faz feliz. Certamente que não é agora que vou treinar para competir, mas vou treinar simplesmente porque gosto. É essa a definição de amador, sinónimo de amante, apreciador ou diletante. Não por ofício ou obrigação como os profissionais, mas simplesmente por gosto.

Começamos a treinar nas manhãs de domingo e duas vezes a meio da semana, conforme a disponibilidade de cada  um. Os meses foram passando e começamos a pensar na organização de um torneio cá na terra, mas por vários motivos acabamos por não reunir o apoio necessário para fazer um evento num espaço apropriado  e onde pudéssemos captar atletas  federados e não federados. Mas entretanto movido pela motivação de ter mais condições de treino indaguei os meus camaradas e presidente do clube sobre a possibilidade de conseguirmos arranjar um espaço melhor, com mais condições, e perguntei (depois de ter visto uma disputa do campeonato distrital) se por ali perto não haveria, por exemplo, uma escola vazia que se  pudesse solicitar na Junta de Freguesia. Havia, e a uns quinhentos metros, e mesmo em frente de um café sede de um rancho folclórico, que por certo iria atrair atenções.


E assim foi. Tinha ficado decidido treinar na escola, à experiência, para ver como as coisas correriam, durante dois meses, até à data do torneio. Se houvesse adesão, seria para continuar, assegurara o presidente do clube. Começamos a treinar na antiga escola primária, e treino após treino mais gente começou a aparecer, mesmo que alguns mal soubessem pegar na raquete, mas nesses mais visíveis ainda  eram os progressos mal passavam pela mão do Mister.

Entretanto começou-se a preparar o torneio anual da semana cultural. Divulgou-se nas redes sociais, imprimiu-se cartazes e eu espalhei inclusive vários nos locais de maior afluência na minha freguesia e outros noutros locais. Na ausência de algum material para o torneio (que não houve nas duas edições anteriores) contactei a associação distrital da modalidade no sentido de saber da disponibilidade para emprestar. Fiquei surpreendido, a resposta foi muito favorável, emprestavam o que quiséssemos e incentivaram a divulgação da modalidade.

Os dois meses a treinar na escola, com treinos abertos e gratuitos para a população tinham sido um sucesso. Fizeram-se alguns vídeos que foram divulgados nas redes sociais. Já o número de inscritos para o torneio não foi assim grande sucesso. E todos aqueles, amigos e colegas, a quem disse para se inscreveram, nem um sequer, por diferentes motivos apareceu. Porque uns tinham um casamento, outros de tarde tinham cenas marcadas, outros porque por este ou aquele motivo, a verdade é que nem um só se inscreveu. E dois antes da data marcada tinha chegado o dia do sorteio. A mim havia-me calhado na fase de grupos o finalista do ano anterior e um nome que ninguém conhecia.

E até ao dia do torneio algumas coisas não correram como o devido. E o pior foi mesmo o balde de água fria que não esperava, mas esses aspetos prefiro agora não mencionar.

Mas o que interessa é que, mal ou bem, com melhor ou pior organização, com maior ou menos afluência o torneio realizou-se. O vencedor foi o óbvio, com os seus sessenta anos, que entretanto poderemos ver arbitrar nos nacionais. Eu acabei por vencer o meu grupo. O tal nome desconhecido era uma criança de onze anos! Ainda nos aquecimentos comentei logo com os meus colegas que o miúdo tinha muito jeito. Vinha pela mão do pai que também dava uns toques.

Quis o sortilégio do sorteio que nas eliminatórias se  defrontassem, vejam só!, pai e filho! O filho de onze anos, implorava ao pai que o deixasse ganhar! E que é que vocês fariam no lugar do pai, hein?  O pai acabou por jogar normalmente, e a três ou quatro pontos da vitória já eram visíveis as lágrimas nos olhos do pequeno jogador. Eu fui avançando nas eliminatórias mas já sabia, iria tão longe possível enquanto não apanhasse o nosso campeão! Mas pelo meio ainda  perdi um set e comecei-me a enervar e tive com calma fui até à meia final onde perdi por 3-0 e venci depois o pai da criança para ficar em terceiro lugar.

Os senhores convidados, entre os quais o autarca procedeu à entrega dos prémios, deixou elogios aos treinos realizados na escola primária e deixou-nos à vontade para por lá ficar. De imediato aproximei-me dele, agradeci, mas a verdade é que ainda estou para saber porque raio não mais para lá voltamos.
Toda aquela gente que ia treinar se perdeu. O pai e o filho, que no torneio logo se mostraram interessados em fazer sócios e treinar também nunca apareceram. Acabamos por angariar mais dois jogadores, o Leandro e o Paulo, sempre cheios de motivação e continuamos à espera que o treinador venha do exílio, ou do fim do trabalho escravo como ele diria.

Vai daí vi divulgado nas redes sociais o tornei anual do Ala Nun'Alvares em que também se iria realizar um torneio de "populares" que é como quem diz não federados. E nem pensei duas vezes! De imediato falei com os meus colegas e  inscrevi-nos a todos. Mas logo os avisei que iríamos levar uma valente tareia! O torneio aconteceu numa sexta-feira, às oito da noite, à mesma hora que se realizava, umas mesas ao lado, um jogo do campeonato nacional de femininos! Eu era uma espécie de gladiador deslumbrado por pisar pela primeira vez o Coliseu de Roma, mesmo sabendo que estava a fazer o aquecimento para morte! Fiquei mesmo deslumbrado! Eu ali no pavilhão multiusos a pisar aquele vinil e a jogar naquele espaço com mesas profissionais e a ter a oportunidade de competir.

Dois colegas nossos, incluindo o nosso melhor representante, infelizmente não puderam ir. Um amigo meu foi e depois ainda tirou algumas fotos para recordar. A minha ideia em ir, era que, por um lado iria competir o que é sempre importante, por outro seria fazer alguns contactos e aprender, ver ali ao vivo como é que quem sabe, organiza as coisas. E aconteceu um pouco de tudo isso.
Começamos por treinar, bater bolinhas, e rapidamente percebi que o nível amador ali era alto, nada comparável aos nossos torneios que levam pessoas que estão habituadas a jogar uma ou duas vezes por ano! Nos gestos de manobrar a raquete rapidamente ficamos a saber o nível de determinado jogador ainda que, uma coisa é bater bolinha, outra bem diferente é jogar.

Ao certo não sei, mas estariam por ali entre trinta e quarenta atletas. Por ali estavam pessoas mais velhas, de cabelos brancos, tantos homens como mulheres, por certo alguns ex-federados, e também malta jovem do desporto escolar. Percebi que a organização dividiu bem o mal pelas aldeias. Todos os grupos (de três ou quatro pessoas) tinham uma mulher, e nenhum de nós ficou no mesmo grupo. Eu fiquei num grupo com dois miúdos de dezoito anos, um rapaz e uma rapariga, que me tratavam por você. Equipados a rigor, como grande parte dos presentes, com equipamentos de marcas de ténis-de-mesa, o que já diz muito do nível das pessoas. Nós fomos de forma descontraída, nem sequer vestimos os pólos do clube (ficará para a próxima vez!)

Como sempre entrei muito nervoso. Por isso talvez seja importante competir mais. Talvez todo este nervosismo comece a desaparecer, ou não. Nao sei. Mas às vezes parece que o meu maior opositor está dentro de mim mesmo e as coisas não me saem naturalmente. De repente, no primeiro set já estava a perder 6-0 contra o rapaz! Como é possível estar eu a perder os pontos todos? Respirei fundo, tentei acalmar-me e fiz um e outro ponto seguido. E de repente já dava para sentir o nervosismo no adversário. E a verdade é que consegui mesmo empatar a 10-10 e depois ganhei o set. E a partir daí parece que a tensão abrandou e comecei a jogar mais tranquilamente. Venci a primeira partida e depois a segunda contra a menina que também jogava bem e estava apurado para os oitavos de final em primeiro lugar. Os meus dois outros colegas também se conseguiram apurar o que foi ótimo!

Nos oitavos de final a todos nós nos calharam mulheres! E não vale a pena fazer grande mistério, a verdade é que todos perdemos contra elas! A mim calhou-me a irmã da menina que perdera comigo na fase de grupos. E neste caso se calhar não entrei focado o suficiente. Os jogos foram muito renhidos, mas ela venceu as duas partidas, para minha incredulidade no final. Porque cá entre nós, não fiquei totalmente convencido. Acho que tinha jogo para lhe ganhar, mas ela venceu bem. De qualquer das formas, caso eu vencesse, iria ficar-me pelos quartos de final porque iria defrontar o senhor que venceu o torneio com grande destaque.

Lá continuamos até ao final, a ver as restantes eliminatórias e entretanto as meninas que tinham estado a disputar o jogo do campeonato nacional, incluindo a campeã nacional também por ali apareceram, e estavam a apoiar as suas amigas, incluindo a que jogou contra mim! Entretanto o Leandro telefona ao meu colega, e este informa-o que já tínhamos sido todos eliminados, ao que ele terá falado em limpeza, porque o meu colega diz-lhe "Sim sim, limpavas isto tudo. Até parece que tem por ali uma vassoura"!

Foi muito fixe, competir ali, num clima de boa disposição e desportivismo. Entretanto logo veremos o que se sucederá na nossa coletividade onde estão previstas obras para breve.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Quantos Anos é Preciso Trabalhar Para Compensar uma Licenciatura?

"O homem pode amar o seu semelhante até ao ponto de morrer por ele; 
mas não o ama tanto que trabalhe em seu favor." 
(Proudhon)

heraldsun.com.au/
Nesta sociedade, todos nós que vimos ao mundo somos obrigados a trabalhar para podermos sobreviver. Vamos para a escola e lá passamos muitos anos, uns mais do que outros, quer pelas diferentes capacidades de cada um, quer muitas vezes pelas possibilidades socio-económicas que os nossos progenitores têm, em poder, ou não, de nos proporcionar os estudos e mais concretamente ainda os estudos universitários. 

Desde criança que ia ouvindo dos adultos que se quisesse ser alguém na vida (seja lá o que isso queira dizer) que teria que estudar, ou então, em alternativa, ir acartar baldes de massa (só porque nasci com um pénis).

Ninguém dizia às crianças "estuda para seres culto e saberes muitas coisas" ou "vê se te esforças na escola para aprenderes e não seres um ignorante". No fundo as crianças passarão longos anos a fio nas escolas, e mesmo durante a vida adulta, para serem treinados para o trabalho e em função disso terem expectativas melhores ou piores na retribuição salarial. E muitas vezes escolhe-se em função disso, das expectativas salariais, porque sinceramente, eu duvido que haja tanta gente com vocação para medicina!

Quando eu era miúdo, ouvia muito falar na quarta classe, que eram os estudos que a maioria da população tinha, e ouvia também falar no "quinto ano" ou então no "sétimo ano", que já era uma coisa importante! Mas aos poucos e poucos a sociedade portuguesa foi mudando e os estudos e os empregos também. Se quando eu era criança a grande parte das mulheres ainda ficava em casa a cuidar da casa e dos filhos, nas últimas décadas já trabalham homem e mulher e chegados ao fim do mês muitas vezes não há dinheiro para se pôr de lado. 

Entretanto os estudos obrigatórios passaram para nove anos e de nove para doze anos (apesar do CDS ser contra). Os primeiros nove, segundo ouço falar, são agora quase de passagem obrigatória, e os doze são, se calhar a nova quarta classe. Cada vez mais os alunos vão para as universidades, e longe vão também os tempos em que as meninas ficavam em casa a aprender a bordar, e são agora elas que enchem mais as universidades. Aconteceu também o processo de Bolonha, as licenciaturas estão mais curtas, e entretanto investe-se mais em mestrados e doutoramentos que, de facto, depois compensam realmente mais do ponto de vista salarial. 

Só que, fruto de todas estas mudanças, e da recente crise que implicou a última vinda do FMI a Portugal, os salários praticados vêm sendo nivelados muito por baixo, e a crise serve de desculpa para se pagar menos e os patrões embolsarem ainda mais. E já não há vergonha para se oferecerem salários mínimos, ou pouco mais que mínimos a licenciados. E depois temos ainda o problema da falta de empregabilidade, ou seja, o jovem adulto passa três, quatro ou cinco anos na universidade, para depois ir dobrar roupa para uma loja ou estar na caixa de um hipermercado. 

Diz-se que em Portugal ainda é dos países onde mais compensa fazer fazer um curso superior visto que o salário mínimo é miserável. Mas, vamos lá ver uma coisa: quantos anos é que um jovem licenciado tem que trabalhar para compensar ter passado cinco anos a estudar a mais?

Vamos fazer umas pequenas estimativas. Segundo alguns estudos, o salário base anual dos recém-licenciados, no primeiro emprego, situa-se entre os 13 280 euros e os 17 856 euros anuais, ou seja, mais coisa menos coisa mil euros.

Vamos então supor o seguinte. Um jovem com o 12º anos, começa agora a trabalhar e nos primeiros cinco anos tem um vencimento médio de 700 euros. Ao fim de cinco anos ganhou cerca de 50 mil euros. Já o jovem que foi para a universidade, e que por lá estará durante cinco anos, vai pagar propinas, muitas vezes terá que pagar o aluguer de um quarto e todas as despesas inerentes ao estudo, como manuais, material, etc.

Se daqui por cinco anos o jovem que se ficou pelo 12º ano terá ganho cinquenta mil euros, o recém licenciado só daqui por cinco anos ganhará o seu primeiro salário (sim, é verdade que entretanto poderá fazer uns biscates, mas esse dinheiro será para sustentar os seus estudos). Fazendo as contas sem aumentos salariais será então assim:

Daqui por seis anos e seguintes:

                                  58.800    /    14.000
                                  68.600    /    28.000
                                  78.400    /    42.000
                                  88.200    /    56.000
                                  98.000    /    70.000
                                107.800    /    84.000 
                                117.600    /    98.000
                                127.400    /  112.000
                                137.200    /  126.000
                                147.000    /  140.000
                               156. 800    /  154.000
                                166.600    /  168.000
                                   
Respondendo, um licenciado que fique cinco anos na universidade, com estes valores estimados que introduzi, precisa de dezassete anos para ultrapassar o rendimento obtido por um aluno que se ficou pelo secundário.

domingo, 17 de novembro de 2019

Então Caiu a Chuva de Outono


... Então a chuva de Outono lavou toda a minha dor
E de alguma forma sinto-me mais brilhante, mais leve para respirar mais uma vez
E então caiu a chuva de outono lavou minhas mágoas
E de alguma forma com o pôr-do-sol por trás acho que os sonhos são para ficar
Então caiu a chuva de Outono...

So Fell Autumn Rain - Lake of Tears (1999)

sábado, 16 de novembro de 2019

dos Lugares no Céu aos Laiques nas Redes Sociais

"Assim que uma moeda tilinta no cofre, uma alma sai do purgatório".

Tenho para mim, e ninguém me tira mesmo da cabeça, que foi a Igreja Católica, de forma pioneira, que inventou o capitalismo selvagem tal como o conhecemos hoje. A basílica de São Pedro não se construía sozinha e era preciso muito dinheiro, e vai daí surgiu a ideia: e se começássemos a permitir que as pessoas cometessem pecados mortais e cobrássemos uma taxa para meter uma cunha a Deus? Todos aprendemos na escolinha sobre a bula das indulgências, no fundo como o pobre endinheirado pecador poderia comprar a sua salvação desde que, claro, pagasse a quantia certa!  

BBC
Entretanto a Idade Média já lá vai à uns tempitos, mas também hoje, em pleno século XXI as pessoas compram a entrada no céu, a sua vida perfeita através das redes sociais. Vem isto a propósito de eu ter estado a ler sobre o Instagram estar já a estudar a possibilidade de banir os gostos e isso estar a deixar muita malta apreensiva porque seria o mesmo que a Igreja da Idade Média passasse a não aceitar avultadas quantias de dinheiro para conduzir à salvação eterna! Porque tudo se compra e tudo se vende. Hoje os utilizadores das redes sociais compram a sua entrada no reino dos céus dos que têm mais laiques e seguidores, comprando gostos e seguidores! Fiquei a saber que cerca de 64% dos influenciadores admitiram que compram gostos!, e dei-me conta também como é que a senhora Dolores é a personalidade portuguesa mais seguida nas redes sociais. Basta comprar não é?, e tendo em conta que o seu filho não recebe o salário mínimo e até pagou a sua própria estátua para se auto-homenagear, ficou claro como água como é que a senhora é a rainha das redes sociais em Portugal, apesar de não lhe ser conhecida qualquer vocação ou especial capacidade física ou intelectual.  

Frequentemente digo que a nossa vida hoje não é assim tão diferente da Idade Média. E a verdade é que as novas Igrejas são agora as redes sociais, onde até um gajo que nem saiba falar pode ser eleito presidente com recurso a exércitos de bots, desde que, obviamente, os possa comprar!

Cada Gosto que cai no perfil, é mais uma vida perfeita que se constrói na rede social. 

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Marshall Eriksen É Um Jornalista Metaleiro Infiltrado numa Rádio do Brasil!


Não podia acreditar no que estava a ver! Alguém partilhava umas daquelas muitas coisas que se partilham no Twiiter que nos passam ao lado. Ainda por cima era no Brasil. Simplesmente não interessa e passamos à seguinte publica... ção... Alto! Pára tudo! Está ali um jornalista (deixa ver melhor) da Rádio Itatiaia com uma t-shirt de Morbid Angel do primeiro álbum Altars of Madness?! Uau! Respeito!

Olho mais para cima e... não pode ser!! É o Marshall Erikson de How I Met Your Mother! É jornalista numa rádio brasileira e é grande fã de Death Metal! 


Se não é... é o seu sósia perfeito!

# How I Met Your Mother


segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Ditado Popular 0 - Meteorologia 1

ALEX WONG, GETTY IMAGES


Sábado ao fim da tarde:

"Vermelho ao Mar.... amanhã vai estar um belo dia de sol."

Olhe que a meteorologia diz que depois de meio-dia vai chover.

- "Vais ver que vai estar sol". 

Veremos se "vermelho ao mar trará um calor de rachar".

Em pleno Verão de São Martinho (que se comemora hoje) temos tido chuva permanente e temperaturas que não fazem lembrar nenhum verão, nem sequer mesmo primavera. E ontem, domingo, choveu. 

Não há assim muito tempo que toda a gente considerava a meteorologia mais ou menos ao nível da economia que nunca acertas com as suas projeções para o semestre seguinte. Mas entretanto a meteorologia, pelo menos as previsões que fazer aqui para os meus lados, tem andado bastante certinhas, tão certinhas que conseguem mesmo bater a sabedoria popular. 


domingo, 10 de novembro de 2019

# LULA LIVRE

"A arbitrariedade serviu para despertar o vigor de um líder nato e iniciar o processo de construção de uma lenda"
(Max Cavalera / 2016)



"...Army in siegeTotal alarm
I'm sick of this
Inside the state
War is created
No man's land
What is this shit?!

Refuse/Resist
Refuse..."

Refuse / Resist - Sepultura (1993)

sábado, 9 de novembro de 2019

O que é que Haveria de ser dos Ricos e da Religião sem os Pobrezinhos?

"O "pobrezinho"era uma entidade que povoou a minha infância e que recolhia o amparo e o carinho de todos (...) Em todas as "boas" casas da minha meninice meiga e temente cultivavam-se os pobrezinhos, regavam-se com bocadinhos de pão com conduto, com pequenas moedas de cobre, e cultivava-se sobretudo a sua pobreza. Havia a comida dos pobres, a esmola dos pobres, as visitas dos pobres e a sexta-feira, sobre ser diz aziago, era também o dia dos pobres (...) As coisas para os pobres eram objetos intermédios entre o uso e o lixo. Estavam pré-determinadas e correspondiam ainda à dificuldade do desapossamento das coisas, mesmo as que já não servem, que está na base da civilização em que vivemos.

(...) Sinto que, se não houvesse pobrezinhos, a vida espiritual da minha infância teria sofrido uma lacuna tão grave como se não tivesse havido missa (...) Os ricos deliravam com estes pobrezinhos assim cordatos, submissos e respeitadores. Havia muitas espécies de pobres. Quanto ao modo como adquiriam os meios de subsistência, havia os pedintes, os necessitados e os envergonhados (...) quanto à sua conformação psíquica, havia os preguiçosos, os bêbados e os mmaluquinhos propriamente ditos.
Alguns atrasados mentais davam muito jeito numa casa. Faziam pequenos serviços: regar as flores, ir a uma loja certa buscar isto e aquilo. Acomodavam-se aos trabalhos de uma certa estrutura doméstico-provinciana, ganhavam menos, ficava-se muito bem visto (...) Quem não viveu como eu vivi a monotonia dos anos trinta não pode imaginar como estas coisas eram importantes e divertidas. De resto, com alguma razão a avó do Otto Lara dizia: "Boa criada só meio retardada".

(...) Entre o pessoal efetivo das casas e os pobres de pedir havia uma zona intermédia de seres que viviam da esmola mas não eram tratados, nem gostariam, de ser profissionais propriamente ditos. Eram normalmente mulheres, e eram chamadas "meninas" até à decrepitude. Faziam pequenos trabalhos de costura, algumas tinham jeito para bordados, outras faziam bolos (...) Vestiam do vestir que sobejava dos guarda-fatos quando já estava no fio, comiam do comer que sobejava da mesa quando já estava frio.

(...) Toda a minha infância ficou assim povoada de pobres de que estes eram os mais valiosos, porque mais autónomos, alguns mesmo marginais às estruturas, mas havia outros que estavam completamente integrados no nosso status comum em conluiado contraponto.
Todos os que faziam parte do chamado "mundo do trabalho" também eram pobres se se mantinham submissos e respeitadores. Caso contrário eram "bolchevistas". Quando aprendi a palavra  "bolchevista", longe estava de saber que eles tinham tido coisas lá na Rússia com os "menchevistas".

(...) Todo este clima justificava a filosofia do velho Meneses:
"Nosso Senhor acuda aos ricos, que os pobres com qualquer coisa se governam". E era.

Como o mundo dos ricos tinha grandes contestações ao nível da ética tradicional e porque, evidentemente, havia pessoas muito mais ricas que nós, isso dava-nos alguma margem de manobra para singrar entre a riqueza, que implicaria uma série de imprecações em relação aos preceitos evangélicos e não justificava o ritmo de poupança em que estávamos sendo criados e que era o nosso estilo de viver, e a pobreza, que não era manifestamente o nosso estado.
Recorria-se então a um truque  de linguagem: "éramos remediados". A situação de "remedido" era extremamente cómoda porque, sem as dificuldades da pobreza e sem o odioso da riqueza, permitia que vivêssemos de boa consciência o nosso quotidiano privilegiado, sendo certo também que os pobres, desconhecedores destas subtilezas  linguísticas, nos enquadrava, muito justamente no mundo dos ricos, mas nunca nos trouxeram por isso qualquer espécie de dificuldades (...)

Mansos, cordatos, "òmildes", respeitadores, obedientes ao senhor e ao Senhor, por eles não vinha ao mundo qualquer espécie de males. Pretendiam só que lhes fosse permitido viver o seu dia-a-dia da miséria e que lhes assegurassem aquele mínimo que os deixasse subsistir. Em troca, forneciam a boa consciência aos ricos e deixavam até que os poetas os tomassem para pretexto do seu lirismo barato.
A cariente disso. Não, de maneira dosa burguesia tradicional cultivou por tudo isto a pobreza dos outros com um carinho enternecedor. Nunca lhes passou pela cabeça que cabeça que talvez fosse possível acaba com ela ou, pelo menos, tratar muito seriamnenhuma. A pobreza fazia parte integrante do universo económico, religioso e moral dos ricos que encontraram sempre nos pobres a mais devotada das colaborações (...)

Logo que a classe operária teve, nos tais países desenvolvidos, teve acesso aos benefícios do capitalismo, passou a incomodar-se menos com a transcendente missão de que os outros a tinha encarregado e, muito naturalmente, passou a preocupar-se mais com o frigorífico, a televisão e o automovelzinho, que são coisas que dão muito jeito e só quem as tem é que sabe a falta que isso faz (...)

Acresce que as pessoas talvez não se tivessem dado bem conta de que uma sociedade capitalista cria, muito naturalmente, um proletariado de mentalidade capitalista porque os processos, as motivações, os valores, são exatamente os mesmos. Por essa razão, natural é também que tudo assim aconteça: o condicionamento global em que a sociedade capitalista vive não é de molde a dar ao problema uma solução adequada (...)

Foram quase sempre "traidores" da burguesia que criaram as motivações capazes de mobilizar as forças que originaram as grandes mutações sociais (...)

Este tipo de situação que aparece de forma clara na sociedade em geral tem muito naturalmente os seus reflexos na sociologia duma religião que enfiou como uma luva a sociedade burguesa com as suas grandezas e misérias. Em vez de, como esperava, a religião ter modificado as estruturas, foram as estruturas que modificaram a religião. A conveniência dos pobres dos ricos corresponde exatamente à conveniência dos pobres da Igreja. Os mesmos sinais de perigo iminente soltam-se, simultaneamente, dos senhores da burguesia e dos senhores da Igreja, preocupados com "a agitação e a subversão que se pode provocar nos seus queridos pobrezinhos".