sábado, 30 de novembro de 2019

Por Que é Que Eu Sou Ateu II

"Ficou célebre aquela vez em que os Novos Ateus pagaram anúncios nos autocarros em Londres, e os anúncios diziam, e ainda por cima, como toda a publicidade, eram enganosos: "Provavelmente Deus não existe, por isso pare de se preocupar e Viva a Vida"!

Ora, é quando a gente constata que Deus não existe que se começa a preocupar. Seria menos preocupante se Deus existisse. Eu devo confessar que mais do que não acreditar em Deus eu confesso que não gostaria que existisse. Euu tenho grandes reservas à existência de um ser que exerce sobre mim um poder arbitrário. Um ser omnipotente que é o meu criador e a quem, em última análise, pertenço. Essa hipótese aflige-me um bocado.

Não existindo Deus, como diria um crente mais básico, aquilo que nos resta é "nascer, comer e morrer". 

A vida assemelha-se ao teatro. A gente vai ao teatro, os atores montaram o espetáculo,  cem, duzentas, trezentas pessoas vêem, e aquilo esvai-se no tempo, nunca mais é repetido e acabou. Sim, parece-me que é isso. Eu também tenho bastante mau perder com essa realidade, mas parece-me que o que vi acontecer é que o próprio sol se há-de extinguir e tudo desaparece. 

Eu, creio que, como é público, não sou omnipotente, mas tento que o mundo das minhas filhas seja o mais possível seguro para elas, e eu não vejo que isso lhes limite a liberdade. O facto de Deus não ter tido o mesmo cuidado connosco, no sentido em que de vez em quando vem um tsunami em 1755 e destrói uma  cidade, o Voltaire achou que isso era de facto um argumento muito poderoso contra a existência de Deus, e eu acho que há boas razões para acreditar que isso é assim. 

E qual é que é o sentido da vida para que aqueles que não acreditando, que sentido e que estímulo têm para o bem?

Eu acho que é possível ter um sistema moral independente dele ser proposto por uma divindade. Eu acho que é anterior a Deus a ideia que certos valores são bons e os outros valores não são bons. Eu duvido que quando Moisés apresenta os mandamentos as pessoas tenham ficado surpreendidas com o facto de Deus achar que o homicídio não é uma coisa especialmente boa.  Eu acho que toda a gente sabe isso. 

Em grande medida o sentido da vida que a religião oferece (não é o caso do judaísmo acho eu -  mais uma vez digo, acho que o judaísmo não tem uma ideia muito clara da vida depois da morte) mas o sentido da vida dado pela religião costuma ser esse: há uma vida depois desta, e no fim desta nós respondemos a um exame, e nesse exame alguém chumba e alguém passa, consoante o comportamento que teve aqui. E é esse o sentido.

Um ateu tem passagem administrativa? 

Não. Um ateu não passa para lado nenhum. Passa para o mesmo sítio, acho eu, que estava antes de ter nascido.  E o que eu acho é que, se precisamos de uma recompensa (nesse caso o sentido da vida é dado por essa recompensa, não é) e no final quem se portou bem, quem se portou de acordo com os valores bons tem a recompensa de no final passar o exame e ir para a companhia de Deus e não chumbar e ir digamos para outros sítios menos recomendáveis. Em primeiro lugar, se calhar, o facto de a gente precisar dessa recompensa para  se comportar decentemente tem qualquer coisa de interesseiro. Significa que não teríamos esse comportamento mas como há esse exame mais tarde, precisamos de o ter. E eu acho que não precisamos ter o exame. Mas se é preciso termos uma recompensa, eu acho que se vive melhor tratando bem as pessoas do que tratando-as mal. Mesmo tendo em conta que muitas vezes os maus são premiados e os bons são castigados. 

Ricardo Araújo Pereira - E Deus Criou o Mundo - Antena 1

Sem comentários:

Enviar um comentário