A Conspiração
"Tal como o Candidato tinha previsto, os socialistas, aliados com o resto dos partidos de esquerda, ganharam as eleições presidenciais. O dia da votação decorreu sem incidentes numa luminosa manhã de Setembro. Os de sempre, acostumados ao poder desde tempos imemoriais, ainda que nos últimos anos tivessem visto as suas forças debilitar-se muito, preparavam-se para celebrar o triunfo com semanas de antecipação (...)
O senador Trueba seguiu a votação na sede do seu Partido, com perfeita calma e bom humor, rindo-se com petulância quando algum dos seus homens se punha nervoso com o avanço indissimulável do candidato da oposição. Antecipando-se ao triunfo, tinha quebrado o seu luto rigoroso pondo uma rosa vermelha na lapela do casaco. Entrevistaram-no para a televisão e todo o país pode escutá-lo: "Ganharemos nós, os de sempre", disse com soberba, e logo convidou a um brinde pelo "defensor da democracia".
À meia-noite soube-se que tinha ganho a esquerda. Num abrir e fechar de olhos, os grupos dispersos engrossaram, incharam, estenderam-se e as ruas encheram-se de gente eufórica que saltava, gritava se abraçava e ria. Ataram tochas e a desordem das vozes e o vaivém da rua transformou-se numa alegre e disciplinada comitiva que começou a avançar até às bonitas avenidas da burguesia (...)
- Disse-te que ganharíamos às boas, Miguel! - riu Alba.
- Ganhámos mas agora há que defender o triunfo - replicou.
No dia seguinte, os mesmos que tinham passado a noite de vela aterrorizados nas suas casas saíam como uma avalancha enlouquecida e tomaram de assalto os bancos, exigindo que lhes entregassem o seu dinheiro. Os que tinham algo de valioso, preferiram guardá-lo debaixo do colchão ou enviá-lo para o estrangeiro (...)
Trueba estava mais surpreendido que que furioso (...)
- Uma coisa é ganhar eleições e outra muito distinta é ser presidente - disse misteriosamente aos seus chorosos correlegionários.
A ideia de eliminar o novo Presidente, no entanto, não estava ainda na mente de ninguém, porque os seus inimigos estavam seguros que acabariam com ele pela mesma via legal que lhe tinha permitido triunfar. Isso era o que Trueba estava pensando. No dia seguinte, quando foi evidente que não havia que temer a multidão festiva, saiu do seu refúgio e dirigiu-se a uma casa de campo nos arredores da cidade, onde houve um almoço secreto. Ali se juntou com outros políticos, alguns militares e com os gringos enviados pelo serviço de inteligência, para traçar o plano que derrubaria o novo governo: a desestabilização económica, como chamaram à sabotagem (..)
Todos eles, menos os estrangeiros, estavam dispostos a arriscar metade da sua fortuna pessoal na empresa, mas só o velho Trueba estava disposto a dar também a vida.
- Não o deixaremos em paz nem um minuto. Terá que renunciar - disse com firmeza.
- E se isso não resultar, Senador, temos isto - acrescentou o general Hurtado pondo a arma do regulamento sobre a toalha.
- Não nos interessa um golpe militar, general - respondeu o agente da embaixada no seu correto castelhano. - Queremos que o marxismo fracasse estrondosamente e caia por si, para tirar essa ideia da cabeça dos outros países do continente. Compreende? Este assunto vamos resolvê-lo com dinheiro. Ainda podemos comprar alguns parlamentares para que não o confirmem como presidente Está na sua Constituição: não obteve a maioria absoluta e o Parlamento deve decidir.
- Tire essa ideia da cabeça , mister! - exclamou o senador Trueba.
- Aqui não vai conseguir subornar ninguém! O Congresso e as Forças Armadas são incorruptíveis. É melhor destinar esse dinheiro para comprar todos os meios de comunicação social. Assim poderemos manejar a opinião pública, que é a única coisa que na realidade conta.
- Isso é uma loucura! A primeira coisa que os marxistas vão fazer é acabar com a liberdade de imprensa! disseram várias vozes em uníssono.
- Acreditem-me cavalheiros - respondeu o senador Trueba. - Eu conheço este país. Nunca acabarão com a liberdade de imprensa . Além disso esta nos seu programa de governo, jurou respeitar as liberdades democráticas.
Apanhá-lo-emos na sua própria armadilha .
O senador Trueba tinha razão. Não conseguiram subornar os parlamentares e no prazo estipulado pela lei a esquerda assumiu tranquilamente o poder. E então a direita começou a juntar os ódios (...)
A direita realizava uma série de ações estratégicas destinadas a destruir a economia e a desprestigiar o governo. Tinha nas suas mãos os meios de difusão mais poderosos e com a ajuda dos gringos, que destinaram fundos secretos para o plano de sabotagem. Em poucos meses puderam-se apreciar os resultados. O povo encontrou-se pela primeira vez com dinheiro suficiente para cobrir as suas dificuldades básicas e comprar algumas coisas que sempre desejara, mas não o podia fazer, porque os armazéns estavam quase vazios. Tinha começado o desabastecimento, que chegou a ser um pesadelo coletivo. As mulheres levantavam-se ao amanhecer para ficarem de pé nas longas bichas onde podiam comprar um magro frango, meia dúzia de fraldas ou papel higiénico.
Produziu-se a angústia da escassez, o país estava sacudido por ondas de rumores contraditórios que alertavam a população sobre os produtos que iam faltar e as pessoas compravam o que houvesse, sem medida, para prevenir o futuro....